Crime e guerra no Pantanal

Crime e guerra no Pantanal

Crime e guerra no

Animais morrem de sede enquanto bombeiros e brigadistas enfrentam dificuldade no acesso à água para o combate aos incêndios; Seca é a maior da série histórica do bioma…

Texto e fotos: Ahmad Jarrah e Bruna Obadowski/Reportagem produzida em parceria com a Mídia Ninja

Um ano após o maior incêndio que assolou o pantanal brasileiro, desde o início do monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o fogo voltou a ameaçar o bioma e já sinaliza os inúmeros desafios no combate aos incêndios. Impactado pela severa estiagem que assola a região em maior intensidade do que no ano passado, o bioma hoje desenha uma paisagem árida, onde o calor escaldante dos meses de agosto e setembro se intensifica com a falta de chuva e as queimadas, que elevam a temperatura ao extremo, exigindo um recurso natural bastante escasso no atual momento, a água.  
 
 Acabei de rodar 16 km para encher um galão de água, se tivesse [água] aqui no corixo eu não ia tão longe”.

O relato de Grandão faz referência à distância percorrida por ele e seus companheiros de brigada para garantir água aos que estão na linha de frente do combate às chamas, que, com o podem atingir até dez metros de altura. Pantaneiro nascido e criado, Grandão trabalha na ONG Panthera, que busca proteger e conservar a onça-pintada e seus habitats. Segundo ele, este ano o fogo não está espalhado como no ano anterior, mas a seca severa dificulta o combate, aumentando o risco que todos temem, o avanço do fogo descontrolado.

Grandão relembra os dados alarmantes das queimadas no pantanal mato-grossense em 2020, ano em que foram registrados mais de 22 mil focos de incêndio, segundo dados do programa de monitoramento de queimadas do Inpe, o que representa o maior número de focos desde 1998. Para se ter ideia, em agosto do ano passado foram registrados quase quatro vezes mais focos de calor comparado ao mesmo período deste ano. Em agosto, foram 5.935 focos de incêndio em 2020 e 1.505 em 2021.

 Na maior planície alagada do mundo, a água desapareceu e já é perceptível as consequência de um ano que o pantanal não encheu. A escassez nas planícies não afeta somente o combate ao fogo, mas também faz com que animais saiam em busca de água em uma corrida pela vida, passando pelas vielas onde o fogo ainda não chegou.

 Ontem salvamos uma família de cervos.

Relata o bombeiro militar Wellingtton. Segundo ele, à medida que o fogo avança, os animais ficam cercados e não conseguem mais sair da área de incêndio, o que, muitas vezes, os leva à . É o caso de uma vaca que se viu atolada em meio às chamas e esperava por socorro.

Ao andar na transpantaneira, é possível encontrar animais mortos pela seca, mas um agravamento da situação ainda é temido por muitos, caso os focos sigam aumentando, sobretudo agora que os incêndios alcançam o Parque Estadual Encontro das Águas, que preserva a rica biodiversidade da flora e fauna do pantanal.

 Segundo pesquisa publicada em junho deste ano pelo Instituto Brasileiro do e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Centro Nacional de Pesquisa e de Mamíferos Carnívoros (Cenap) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os incêndios no bioma pantaneiro afetaram pelo menos 65 milhões de animais vertebrados nativos e quatro bilhões de invertebrados, com base nas densidades de espécies conhecidas. Ainda segundo a pesquisa, o número de animais mortos ocasiona impactos imprevisíveis para a biodiversidade, serviços ecológicos e saúde humana.

Combate ao fogo

A estratégia de combate ao fogo adotada este ano se diferencia de 2020. Dessa vez há um apoio aéreo maior, com a utilização de aeronaves agrícolas que tem capacidade de lançar 1.800 litros de água por voo. No chão, as equipes atuam principalmente com equipamentos leves, jatos de água portáteis e sopradores, além de maquinário para abertura de aceiros. Caminhões carregados com tambores de mil litros auxiliam no abastecimento às equipes, porém todos dependem basicamente de dois poços artesianos distantes mais de 40 quilômetros de alguns pontos.

“Aqui tem um poço e alojo quase 30 pessoas. Tem que ajudar, cada um como pode”. João da Silva Rondon, 60 anos, é proprietário de terras na Transpantaneira. Neste ano, abriu a sede da antiga pousada Puma para auxiliar os bombeiros com abastecimento de água, captada  em seu poço de 50 metros. Enquanto auxilia os bombeiros, os animais se aproximam e começam a frequentar seu quintal, em um pedido silencioso de água e comida. Macacos, veados, antas e muitos pássaros.  
 
João é uma das pessoas que foram impedidas de auxiliar os animais que clamam por socorro. Essa ajuda já não é mais possível pela sociedade civil, após a publicação de uma nota técnica da Secretaria de Meio Ambiente do de Mato Grosso que proíbe a alimentação e disponibilização de água aos , sendo uma atribuição exclusiva da Sema. Ao percorrer a rodovia Transpantaneira, é possível perceber que o cenário, em relação ao fogo, se diferencia do ano passado. Os maiores focos de incêndio se concentram na região do Pixaim e no quilômetro 100, onde as brigadas têm trabalhado de maneira mais intensiva. São vários agentes atuando em cooperação, de Bombeiros, Secretaria de Meio Ambiente, ICMBio, brigadas pantaneiras, brigadas de organizações não-governamentais, como a Panthera, SOS Pantanal, É o Bicho, Grad, Pantanal Norte, brigadistas de pousadas, voluntários, uma verdadeira operação de guerra.    
 
O fogo no pantanal tem demonstrado algumas características específicas, ele se espalha de maneira subterrânea – pela matéria orgânica soterrada e por meio dos canais que se encontram secos – e pelo vento, chegando a pular aceiros de cinquenta metros. Durante a madrugada o vento cessa e o fogo esfria até cerca de meio-dia, quando o vento e o calor reacendem as chamas e a coluna de fumaça volta a subir ao céu, seguindo assim até a noite. Durante o período de maior intensidade do fogo, as aeronaves atuam para controlar a progressão do incêndio.

Com a dinâmica do vento e do calor, os dias no combate se repetem, fazendo com que o cansaço seja extremo. “Enquanto a gente apaga de um lado, do outro o fogo já pulou. A aeronave ajuda do céu e a gente não pode desanimar aqui embaixo”, relata uma bombeira militar que atua na linha de frente.

“Nós estamos vivendo guerra! Guerra tem que ter equipamento, mas também tem que ter logística.”

Afirmou o presidente do Comitê Nacional de Gestão de Incêndios Florestais (CONAGIF), coronel BM Paulo Barroso, que defende o trabalho preventivo, para além da resposta. Segundo ele, o trabalho permanente é fundamental para prevenir o agravamento dos incêndios florestais, ação que impactaria também no orçamento público. O depoimento foi concedido durante visita técnica da Assembleia Legislativa de Mato Grosso coordenada pelo deputado Allan Kardec, juntamente com a OAB, Procuradoria do Estado, políticos, cientistas e pesquisadores da UFMT e UNEMAT.

Em 2021 os recursos orçamentários para o Ministério do Meio Ambiente foram de R$ 2,9 bilhões, o menor patamar da série histórica de um levantamento feito pela Associação Contas Abertas com dados desde 2010. Esse montante é 9% inferior aos recursos orçados no ano passado. Para se ter uma ideia, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) teve o orçamento de R$ 127 milhões, 27,4% a menos em relação a 2020 e 34,5% em relação a 2019.

O trabalho preventivo a que Barroso se refere, é um dos caminhos apontados pelo guia de requisitos e procedimentos básicos para combate a incêndio florestal da ABNT, publicado no último dia 25. A norma técnica regula os procedimentos necessários para o combate a incêndios em áreas florestais, de modo a proteger a vida e o , bem como para reduzir as consequências sociais e os danos ao meio ambiente.

Incertezas

Se outrora o bioma pantaneiro durante a estiagem apenas reduzia as regiões de alagamento, mantendo ainda um curso natural da água e acumulando alguns corixos pela rodovia, em 2021 das mais de cem pontes que sobrepõem rios, canais e pequenos riachos pelo percurso, menos de 10% possuem água.
 

Com o panorama ambiental agravado com a seca e o fogo, o no pantanal mato-grossense também sofre impactos. Segundo matéria publicada pela Veja, empresários apontam queda de até 90% na atividade, que vinha de uma longa retração em razão da pandemia. A vida que chamava atenção ao longo da Transpantaneira, hoje dá lugar à curiosidade em torno da devastação provocada por onde o fogo passa. Sob um clima árido e um sol escaldante, Tomás pedala em uma bicicleta alugada em Poconé, Mato Grosso, para um passeio turístico pela Transpantaneira. Vindo do Rio de Janeiro para visitar pela primeira vez o pantanal mato-grossense, seu destino é alcançar o Porto Jofre, ao final da rodovia, para um passeio de barco no rio São Lourenço. Ao parar em uma pousada, o turista encontra o peruano Rodrigo, que após dois anos, voltou ao pantanal na expectativa de trabalho em virtude do período turístico. Naquele dia, Tomás era o único a sondar um passeio de barco, porém queria dividir os custos com outros turistas. “Só tem você!”, argumentou Rodrigo. Para os pantaneiros, ainda pairam incerteza sobre como será a recuperação do bioma a retomada econômica do ecoturismo. A grande esperança compartilhada por todos é a chegada da primeira chuva de setembro, conhecida popularmente como a chuva do caju. Promessa dos céus que já pode ser sentida com uma leve garoa registrada nesta semana, mas a chuva ainda deve demorar.    

 Segundo o Inpe, no dia 07 de setembro a previsão é de maior pico de calor e menor umidade relativa do ar na região. Até que chova, os combatentes e os animais resistem em um clima de guerra e seca, na maior rodovia que atravessa o pantanal mato-grossense.
 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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