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INDÍGENAS NA COP 26: PERCEPÇÕES E DESAFIOS

Indígenas na COP26: Percepções e Desafios

Um acordo histórico para os indígenas na COP26: 10 bilhões de reais para proteger as florestas

Por BELÉN HERNÁNDEZ/El Pais Brasil

Os povos indígenas e as comunidades locais administram metade da terra do mundo e cuidam de 80% da biodiversidade do planeta. Apesar disto, um estudo recente mostrou que eles recebiam menos de 1% do financiamento dedicado globalmente à redução do desmatamento. Um novo acordo histórico, alcançado nesta segunda-feira na Cúpula do Clima de Glasgow, põe os povos originários novamente no centro da discussão e relança seu papel como guardiões das matas.

 

Reino Unido, Noruega, Alemanha, EUA, Países Baixos e 17 doadores privados norte-americanos se comprometem na Cúpula do Clima de Glasgow a apoiar com um financiamento direto os povos nativos e as comunidades locais, guardiões de 80% da biodiversidade da Terra.

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Um indígena navega pela Amazônia equatoriana. Foto: CAROLINE BENNETT/AMAZON WATCH

Reino Unido, Noruega, Alemanha, EUA, Países Baixos e 17 doadores privados norte-americanos se comprometeram a apoiar os povos indígenas com 1,7 bilhão de dólares (9,66 bilhões de reais) entre agora e 2025, para viabilizar seu papel como protetores do território e aliados na luta contra a mudança climática. “É a primeira vez que vemos uma resposta global aos nossos pedidos”, diz a ativista indígena Vitória Tauli-Corpuz, ex-relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas, na apresentação da medida em Glasgow. “É o princípio da proteção ao nosso povo, mas ele precisa de mais apoio. Não há solução para os problemas da natureza sem que os indígenas estejam no centro”, acrescenta.

Este dinheiro será destinado aos povos indígenas e às comunidades que compõem a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), uma coalizão de organizações da América Latina, África e Ásia que representa 35 milhões de pessoas em 24 países. “Este financiamento não só ajuda a combater o desmatamento como também a nos proteger das futuras pandemias”, afirma Nonette Royo, advogada de direitos humanos e meio ambiente e diretora-executiva da The Tenure Facility.

Estes quase 10 bilhões de reais poderão ajudar os povos indígenas e as comunidades locais a consolidarem atividades em seu território, fortalecer suas estruturas, e adquirir a tecnologia necessária para mapear suas terras, seus registros de propriedades e transações que os envolvam.

Finalmente, servirá para dar proteção física aos membros contra as ameaças que recebem como defensores da natureza. “A chave é que este financiamento não irá para as grandes fundações conservacionistas, que são as que costumam acumular as principais doações, chegando em vez disso às pequenas comunidades, que nestas partilhas costumam receber muito pouco dinheiro”, contextualiza Tauli-Corpuz.

“O financiamento deve se basear no respeito à sua cultura e à sua forma de ver a vida”, acrescenta Laura García, presidenta e diretora-executiva da fundação Global Greengrants, outra das organizações doadoras.

“Este reconhecimento indica nosso compromisso de proteger as florestas tropicais do mundo e quem nelas vive”, declarou Zac Goldsmith, ministro britânico do Meio Ambiente. “A evidência de que os povos indígenas e as comunidades locais sejam os guardiões mais eficazes é esmagadora. Investindo neles e em seus direitos comunitários também vamos fazer frente à pobreza, à poluição e às pandemias”, acrescentou.

A COP26 não é o primeiro evento internacional onde as comunidades indígenas se consolidam como uma voz adicional nas conversações decisivas. Em setembro passado, os povos nativos tiveram um especial protagonismo no Congresso Mundial da Natureza, organizado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica, na sigla em espanhol), que aglutina 3,5 milhões de indígenas de nove países, apresentou a declaração Amazônia Verde: 80×25 ―afinal adotada como a 129ª moção da assembleia―, exigindo a proteção de pelo menos 80% da bacia amazônica até 2025.

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Duas meninas da etnia waorani junto ao rio Naipo, afluente do Amazonas, no Equador. Foto: CAROLINE BENNETT

Estima-se que 17% da selva amazônica já tenha sido arrasada por causa da exploração de petróleo e minérios, pela poluição e pelo desmatamento para explorar a madeira e permitir a expansão agropecuária, advertia Gregorio Díaz Mirabal, líder da Coica, ao chegar no sábado passado à COP26. “Precisamos estabelecer uma economia que valorize todas as formas de vida, que apoie os povos indígenas e mantenha a floresta de pé”, afirmou Díaz.

Mais investimento, melhor proteção

O mundo está ficando sem árvores e, portanto, sem oxigênio. Segundo um novo relatório publicado em outubro, desde 2014 a taxa anual de perda de cobertura florestal se acelerou em 40%, alcançando quase 26 milhões de hectares, uma área do tamanho do Reino Unido. As florestas tropicais sofreram o maior impacto: 90% de toda a perda. Esses mesmos territórios respondem por 30% do carbono necessário para alcançar as metas do Acordo de Paris, ou seja, limitar o aquecimento global neste século a 1,5 graus Celsius.

Este acordo chega no mesmo dia em que uma centena de líderes mundiais de países que representam 85% das florestas do planeta se comprometem a “deter e reverter o desmatamento e a degradação da terra” até 2030. Concretamente, os Governos europeus, além de Equador, Honduras, Guatemala, Peru, Rússia, Turquia, Uruguai, Estados Unidos e Reino Unido, se comprometeram a desembolsar o equivalente a 68,14 bilhões de reais, aos quais se somam 40,86 bilhões de reais em investimento privado, para salvar as florestas.

“Possuímos a melhor tecnologia de captura de carbono que o nosso planeta tem para oferecer: nossas florestas”, afirma Tuntiak Katan, um líder indígena da etnia shuar, do Equador, que integra a Aliança Global de Comunidades Territoriais ―a qual reúne líderes eleitos das maiores extensões florestais do mundo na Indonésia, África e América Latina, representando 35 milhões de comunidades. “O trabalho para proteger o futuro do planeta só terá sucesso em associação com os povos indígenas e comunidades locais. Queremos trabalhar com vocês para transformar este mundo. Somos a solução que vocês estão procurando.”

O financiamento chega depois de anos sendo dedicados 1,5 bilhão de reais por ano para a proteção das florestas, dos quais menos de 260 milhões chegavam aos povos indígenas e às comunidades locais. Com o anúncio feito nesta segunda-feira em Glasgow, Governos e doadores envolvidos dizem dar um primeiro passo para a correção de “um sistema injusto” que não foi capaz de beneficiar as comunidades que têm o conhecimento e a capacidade de serem os melhores administradores da natureza.

“Os povos indígenas foram excluídos, marginalizados da discussão, da formulação das políticas, enquanto são os mais próximos do desafio que a mudança climática representa e os que a conhecem mais de perto. Muitos pagaram com suas vidas pela proteção de suas terras”, lamenta Darren Walker, presidente da Fundação Ford, uma das organizações doadoras, que contribuirá com 567 milhões de reais para a quantia total. “Hoje esperamos que, pela primeira vez, sua voz seja escutada, porque sempre a tiveram, mas os Governos não estavam dispostos a validá-la. Seria a melhor maneira de recuperar sua dignidade. O paternalismo esqueceu de convidar os indígenas para se sentarem à mesa das decisões”, acrescenta Walker.

“Temos a intenção de continuar com este financiamento nos anos seguintes, aumentando o dinheiro à medida que programas e propostas ambiciosos sejam apresentados. Também pedimos a outros doadores que aumentem fortemente seu apoio a este importante programa”, reivindicam os signatários do comunicado que acompanhou o acordo na COP26.

A propriedade da terra, chave para sua preservação

Outra das barreiras que impedem que os povos originários se transformem nos melhores fiadores da luta contra a mudança climática é a posse da terra. Aproximadamente metade dela no mundo é comunitária, embora algumas estimativas situem essa cifra em 65% ou mais.

Este sistema de território comum sustenta mais de dois bilhões de pessoas ―quase uma quarta parte da humanidade―, incluídos entre 370 e 500 milhões de indígenas. Entretanto, apenas 10% da terra no mundo está reconhecida pelas leis nacionais como pertencente aos povos originários e às comunidades locais, e menos ainda se encontra registrada formalmente com um título ou certificado de propriedade. Como resultado, as terras são cada vez mais ameaçadas pelas empresas e investidores que lutam por adquirir alqueires com fins de investimento e produção de agricultura industrial e/ou para atividades ilegais como a extração de madeira, a mineração e a caça.

Mas a batalha dos povos indígenas por sua propriedade vem de longe. Em 2017, em Estocolmo, nascia o Fundo Internacional para a Posse de Terras e Florestas, a primeira instituição mundial dedicada a ajudar comunidades a obterem a titularidade de suas terras e florestas. Até o final de 2020, a organização conseguiu mapear e administrar a propriedade de mais de 14,2 milhões de hectares.

Fonte: El Pais Brasil

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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