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TEMPOS DE QUINTAIS

TEMPOS DE QUINTAIS

Tempos de Quintais

Tempos de quintais. Tempos distantes. Tempos felizes!

Por Lúcia Resende

Tempos outros, tempos idos. Tempos de quintais, tempos que se foram e que se vão. Costumes que se perdem em meio à pressa da modernidade.

Ante a iminência do que não mais se anuncia, mas já se evidencia, o registro feito na obra do escritor-poeta-compositor goiano Antonio Victor ganha grande importância pelo que transmite de história, numa literatura de feição própria, que mescla a simplicidade do falar rural goiano ao conhecimento apurado da escrita em sua forma clássica.

Sobre isso, no prefácio do seu livro Ira Sagrada (Goiânia: Kelps, 2014), o escritor Bernardo Élis registrou: “Antonio Victor tem uma visão de mundo não muito corriqueira ou trivial e sabe no-la transmitir (…). Ao fixar o universo novelístico, roceiro ou urbano, aborda temas que não podem ser esquecidos…”.

No posfácio, Bariani Ortencio avalia: “Este Antonio Victor é um fenômeno na nossa literatura. Poético, psicólogo, filósofo sertanejo, metafórico, diálogos na fala erudita e na coloquial, altamente descritivo com vocabulário adequado, mestre em aplicar o suspense. Não é um simples contador de “causos”, mas contista com linguagem saborosa…”.

TEMPOS DE QUINTAIS

O pilão de arroz e paçoca ao pé da parede da velha casa. Bananeiras no quintal e, mais ao fundo, touceiras de cana-caiana.

Roupas de variadas cores no quarador natural de buchas trepadeiras. Sol quente do mês de maio, tempo bom. Na cozinha, o fogão de barro, a lenha, encardidas panelas sobre o fogo brando.

A jovem mãe temerosa e um bebê com quebranto. Vovó benzedeira, ramos de arruda na mão direita, gestos repetidos, jaculatórias ininteligíveis no ritual da crença e da cura.

O bebê tranquilo, a mãe em paz, vovó feliz. Café quentinho no bule de esmalte com biscoitos frescos.

Um trovão repentino, pingos grossos de chuva temporã, vovó e eu em disparada rumo às roupas no quarador. Surpresa. Risos. A mãe com o bebê ao colo no banco da cozinha. Indiferente a tudo, a gata de olhos verdes no rabo do fogão.

Tempos de quintais. Tempos distantes. Tempos felizes!

Antonio Victor nasceu em Formosa, Goiás, em 29 de outubro de 1958.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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