Caminhos para a superação da fome

Caminhos para a superação da fome

Esse texto se coloca como uma convocação para pensar a fome enquanto um problema coletivo, busca dialogar e abrir o durante o abril vermelho, dando importância para o tema da Reforma Agrária Popular e superação da fome. O texto procura também apresentar a centralidade da juventude camponesa na construção de uma Reforma Agrária capaz de superar a fome.

Por XEPA

É parte de nossa discussão reconhecer o fenômeno da fome como uma forma de visibilizar o grito de milhões de brasileiros que vivem na incerteza da próxima refeição e sustentar, na defesa da Soberania Alimentar, um projeto oposto ao hegemônico. Para tanto, o texto está dividido em três seções: a primeira aborda os aspectos históricos e estruturais da fome no Brasil, a segunda destaca a importância de uma reforma agrária popular e a terceira seção aborda a necessidade de um programa voltado para a juventude camponesa na superação da fome.

A fome voltou a ser um problema nacional após o golpe político de 2016 e a instauração de uma agenda neoliberal que incluiu a Emenda Constitucional 95, mais conhecida como PEC dos gastos, além da reforma trabalhista, da terceirização, da reforma da previdência, da desindustrialização e de um verdadeiro desmonte do Estado brasileiro. Destacamos o sucateamento do INCRA, que inviabilizou qualquer possibilidade de Reforma Agrária nos últimos seis anos, bem como o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o que acabou com qualquer voltada para a familiar camponesa. Como resultado, o Brasil voltou ao mapa da fome, com mais de 33 milhões de pessoas nessa situação, além da precarização das condições de , que se agravou com a pandemia da Covid-19, que deixou para trás mais de 600 mil vítimas em uma política genocida.

AA fome é fruto de um fenômeno social e estrutural que atravessa a nossa como povo brasileiro. A herança colonial do latifúndio, combinada com a monocultura para exportação e somada à raiz escravocrata, é responsável por manter um projeto de fome no Brasil que persiste há séculos. Portanto, é importante demarcar que a fome no Brasil é anterior à crise trazida pelo coronavírus.

A lógica de produção capitalista tem por natureza mercantilizar os processos de presentes nas relações humanas e não humanas. Dessa forma, o alimento é mais um produto a circular no mercado sob a lógica do capital, como um valor de troca e não de uso, deixando parte da população desfavorecida e sem acesso, mesmo sendo o alimento um direito inerente à dignidade humana, além da subsistência.

A superação da fome passa fundamentalmente pela superação do latifúndio com a democratização do acesso à terra, por meio de uma Reforma Agrária Popular.

Reforma Agrária Popular para superar a fome

A luta pela terra está intrinsecamente ligada à questão do combate às desigualdades e, por sua vez, ao combate à fome. Enquanto esses importantes atores emergem no cenário nacional, a correlação de forças permanece desfavorável. O agronegócio brasileiro passou por um grande impulso e alavancou seu desenvolvimento nesse período, avançando na ampliação do controle das terras e na monocultura para a exportação, cada vez mais se conformando enquanto um projeto de poder.

Dessa forma, o primeiro caminho para superar a fome passa pela Reforma Agrária Popular. Não existe outro caminho que não seja o de democratização da terra, produção de saudáveis e trabalho cooperado. A luta pela Reforma Agrária se faz necessária para uma mudança radical na estrutura fundiária brasileira. Terra para quem nela trabalha com distribuição equitativa da terra para a garantia da qualidade de vida dos povos.

A democratização da terra deve ser combinada com que possibilitem a promoção da dignidade para o povo brasileiro, tais como incentivos à produção de alimentos, a defesa dos territórios e, consequentemente, a soberania alimentar. Portanto, a pauta da Reforma Agrária é central para o abastecimento alimentar brasileiro, pois reside nela a capacidade de obstruir as estruturas sociais alicerçadas na concentração de terras e na social.

Algumas políticas públicas essenciais para a Reforma Agrária Popular são: o crédito a juros baixos; o fomento à agroindustrialização; o fortalecimento do mercado institucional (PAA e PNAE), para que esses alimentos possam ser oferecidos à população em situação de fome; a garantia de assessoria técnica que tenha como fonte de inspiração a pedagogia Freireana, e, com isso, seja dialógica, comunicativa e emancipadora; a produção de bioinsumos naturais para caminhar em direção à produção agroecológica, longe do uso de venenos; bancos de sementes crioulas, para que os agricultores e agricultoras familiares tenham autonomia sobre suas sementes; cozinhas populares e solidárias nas periferias brasileiras, doando refeições dignas para a população faminta; fomento ao cooperativismo. Só avançaremos no combate à fome quando tivermos relações de trabalho saudáveis, sem exploração do trabalho.

A Reforma Agrária Popular também engloba a dimensão das relações humanas emancipatórias, na qual LGBTQs, quilombolas, mulheres, população negra e jovens sejam sujeitos de direitos, sem a reprodução das violências cometidas pelo machismo, misoginia, LGBTfobia e racismo. Além disso, é importante refletir sobre a permanência da juventude camponesa no campo, já que não é possível pensar em superação da fome e construção de soberania alimentar se a juventude continuar migrando para a cidade. Portanto, é fundamental desenvolver um programa para a juventude do campo, que inclua políticas estruturais e estruturantes. O Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural também deve ser atualizado para atender às necessidades da juventude camponesa nos tempos atuais.

Precisamos de um plano que possibilite na materialidade a superação do latifúndio do saber, com uma que seja do campo e no campo, que, de forma contextualizada e que forme e eduque os sentidos da juventude camponesa, levando em consideração sua relação com a terra e com os bens naturais. Políticas que valorizem e fomentem a cultura camponesa também são necessárias, em que a cultura hegemônica não seja a do “agro é pop”. Por fim, é importante que a Reforma Agrária Popular tenha centralidade na juventude e, consequentemente, na produção de alimentos saudáveis.

Neste mês de abril, quando se rememora o golpe civil-militar de 1964, reafirmamos que a defesa da democracia brasileira é central para nós, sobretudo depois dos atos golpistas e fascistas que aconteceram em Brasília no dia 8 de janeiro. Tais atos foram financiados e protagonizados por setores do agronegócio, assim como a participação da burguesia agrária em 1964. Ficou claro, mais uma vez, o caráter golpista, sinônimo de fome e morte do Agro. A juventude brasileira precisa estar em constante processo de mobilização para defender a democracia, cobrar verdade, memória e justiça. Trata-se de assumir uma dimensão política e existencial que deve ser garantida pela luta, indignação, contestação e pela imensa vontade de manter viva a solidariedade e a esperança.

Mas também precisa estar mobilizada para exigir Reforma Agrária Popular, atuando no combate às mudanças climáticas, denunciando o agronegócio e as suas crueldades contra a vida: humana, terrestre, aquática, animal e vegetal. Ao mesmo tempo, precisa plantar árvores, construir sistemas agroflorestais, produzir alimentos saudáveis e torná-los acessíveis ao povo através de feiras agroecológicas, redes de comercialização e do mercado institucional. A juventude camponesa precisa voltar a ter o direito de sonhar com a opção de permanecer no campo. Para isso, terra e pão são indispensáveis para garantir a sua dignidade!

Portanto, a superação da fome e a promoção da dignidade humana passa fundamentalmente pela Reforma Agrária Popular!

Publicado originalmente no Brasil de Fato PB, por Paulo Romário de Lima e Larissa de Padilha Brito.

Fonte: Mídia Ninja. Publicado originalmente no Brasil de Fato PB, por Paulo Romário de Lima e Larissa de Padilha Brito. Foto: Reforma Agrária e Superação da Fome – MST. Este artigo não representa a opinião da Revista e é de responsabilidade do autor.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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