Contra desertificação e crise climática, África aposta na restauração

Contra desertificação e climática, África aposta na restauração

Ao todo 34 países já se comprometeram com um total de 130 milhões de hectares de terras degradadas e desmatadas a serem restaurados no continente africano até 2030.

Por Duda Menegassi/ O Eco

Com mais da metade das suas terras produtivas degradadas e 45% afetadas pela desertificação, restaurar é preciso na África. Não apenas as florestas, mas ecossistemas e paisagens degradadas. Para avançar nesta agenda cada vez mais fundamental no continente, os países africanos tentam superar desafios como a disputa pelo uso da terra, a falta de financiamento e as consequências da crise climática. 

O principal compromisso regional é o AFR100, iniciativa liderada pelos países com o objetivo de restaurar 100 milhões de hectares de florestas e paisagens no continente até 2030. Atualmente, 34 países já se comprometeram com metas individuais que, somadas, já superam o compromisso inicial e representam um total de 129,5 milhões de hectares a serem restaurados.
Os compromissos, integrados ao Bonn Challenge – meta global para recuperar 350 milhões de hectares de paisagens degradadas até 2030 – , visam recuperar funções ecológicas de florestas e paisagens naturais, e melhorar a qualidade de em áreas desmatadas ou degradadas. 

Uma das regiões prioritárias é a Bacia do Congo, principal bloco florestal da África e segundo maior do , atrás apenas da Amazônia. Dos seis países que abrigam a floresta congolesa, apenas Gabão e Guiné Equatorial não assinaram metas de restauração.

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Uma das estratégias do projeto Justdiggit para restaurar a vegetação em savanas é cavar semicírculos no solo que permitem a retenção de água. Esta solução baseada na natureza acelera a regeneração da vegetação. Foto: AFR100/Justdiggit

Entre os que firmaram compromissos está a República Democrática do Congo, país que detém a maior porção dessa floresta. Com cerca de 59% de cobertura florestal remanescente, o país comprometeu-se a restaurar 8 milhões de hectares até 2030, o equivalente a 3,4% do seu território.

Os outros países da Bacia do Congo: Camarões, República Centro-Africana e República do Congo também comprometeram-se, respectivamente, a restaurar 12 milhões, 3,5 milhões e 2 milhões de hectares até 2030.

Ao todo, a promessa dos países é restaurar 25,5 milhões de hectares, o equivalente a cerca de 14% da área de floresta de toda a Bacia do Congo.

Se no papel a perspectiva é positiva, na realidade os países têm um desafio primordial para superar: o desmatamento. A perda florestal é motivada principalmente pela de pequena escala e pela produção de carvão vegetal – matriz energética predominante na região. 

De acordo com dados do Global Forest Watch, somente em 2022, os seis países da Bacia do Congo perderam mais de 634 mil hectares de floresta primária. O número é puxado pelo “líder do ranking”, a República Democrática do Congo, onde foram perdidos 500 mil hectares no ano passado – atrás apenas do Brasil no ranking global de desmatamento.

Para conciliar demandas dos agricultores com a necessidade de reflorestar o país, o governo da Tanzânia se comprometeu a restaurar 11 milhões de hectares de florestas através do manejo sustentável. A meta soma-se ao compromisso principal de restaurar 5,2 milhões de hectares de paisagens degradadas no país.

Aos pés do Monte Kilimanjaro, um dos projetos de restauração do país, realizado pela Kijani Pamoja, tem como objetivo reverter a degradação nas margens dos rios que nascem nas montanhas e criar corredores ecológicos para a . O trabalho envolve diretamente moradores e fazendeiros e planeja recuperar 10 mil hectares.

O solo degradado – causado pelo pastoreio excessivo, queima de pastagens e florestas – é um problema que se repete na região central e semiárida do país e em outros pontos do continente, onde está diretamente relacionado com um contexto de insegurança hídrica e alimentar.

Em países como a Namíbia, que tem o maior compromisso em valores absolutos, a meta é restaurar 76 milhões de hectares. Com parte do seu território coberta por desertos e savanas, o país assumiu o objetivo adicional de recuperar 15,5 milhões de hectares de campos nativos de savana. 

Uma solução baseada na natureza utilizada pela organização holandesa Justdiggit, que atua na Tanzânia, Uganda, Quênia e Etiópia, é cavar semicírculos e, com isso, permitir que a água se acumule no solo seco, acelerando a regeneração das savanas. O projeto trabalha com mais de 1.400 fazendeiros e apoia mulheres a trabalharem com bancos de sementes para restauração.

“A técnica de coleta de água da chuva através da escavação desses diques nos ajudou a restaurar e reflorestar áreas que estiveram secas ao longo da minha vida. É minha com o conhecimento de reflorestamento que recebemos, podemos restaurar todas as terras degradadas em nossa comunidade e trazer de volta a vegetação que terá um enorme impacto nos meios de subsistência”, conta Eyeyo Kapurwa, uma das comunitárias beneficiadas pelo projeto na Tanzânia, em relato compartilhado nas redes sociais.

Outra técnica adotada pelo projeto é acelerar a rebrota dos tocos das árvores cortadas para obter carvão, fazendo a poda dos galhos mais baixos e garantindo o sombreamento do solo e permitindo a regeneração assistida da árvore. A técnica é simples e de baixo custo, o que permite que seja facilmente replicada pelos proprietários. Com a capacitação de mais de 600 mil fazendeiros para liderarem esse esforço, o projeto já restaurou mais de 300 mil hectares na Tanzânia.

As próprias comunidades também têm liderado iniciativas de restauração em diversos países da África. “As comunidades estão interessadas, mas têm menos conhecimento e recursos. Porém estão dispostas a ser parte das iniciativas”, pontua o gerente regional da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), Alain Ndoli, em conversa com ((o))eco durante o International Congress for Conservation Biology (ICCB), realizado em Ruanda.

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Técnica de aceleração da rebrota das árvores cortadas, com sombreamento do solo, tem sido adotada por fazendeiros para melhorar a qualidade do solo. Iniciativa é parte do projeto Justdiggit na Tanzânia. Foto: AFR100/Justdiggit/Divulgação

Os atores locais são fundamentais já que as comunidades fazem a gestão de quase 70% de todo o território africano. Ainda que em menor escala, ações como o plantio de árvores ao redor de nascentes e de bosques nos limites de suas propriedades, em troca de maior alimentar e hídrica, têm sido estratégias para envolver os fazendeiros na restauração.

“Os governos já perceberam que, sem a restauração de ecossistemas, as mudanças do terão fortes impactos e que o das próximas gerações não está garantido”, afirma Ndoli, que explica que, por isso, os maiores fomentadores da agenda da restauração no continente são os próprios governos – e as ONGs.

Em contrapartida, na porção norte do continente, onde estão países predominantemente desérticos como o Marrocos, o Egito e a Líbia, há um vazio de compromissos que reflete a baixa representatividade de iniciativas não-florestais na agenda da restauração.

Outro silêncio significativo vem de Angola, país com mais de 50 milhões de hectares de cobertura florestal, que até o momento não aderiu ao movimento pela restauração. 

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Arte: Gabriela Güllich

O compromisso colossal de um país pequeno

Um dos menores países africanos, Ruanda, país que abriga parte da população dos ameaçados gorilas-da-montanha e uma cobertura florestal remanescente de 30,4%, foi o primeiro país do continente a assinar o compromisso, em 2011, com uma meta de 2 milhões de hectares de paisagens degradadas a serem restauradas. O número absoluto pode não ser tão grande, mas equivale a 75% do território do país, uma meta ousada e que já está em execução. Em todo o país, 80 projetos de restauração foram implementados desde 2011. 

De acordo com o monitoramento realizado pela IUCN, através do Barômetro da Restauração, Ruanda já havia cumprido mais de um terço da sua meta em 2018.

A agenda da restauração e o combate à degradação do solo anda junto com a melhoria da qualidade de vida na zona rural. Com a capacitação de agricultores, empoderamento das mulheres no campo e conscientização sobre os benefícios que a floresta gera, um projeto liderado pela The Albertine Rift Conservation Society (ARCOS) já implementou dez viveiros no país. A iniciativa, que emprega 107 pessoas, sendo 65 mulheres, tem como objetivo restaurar 2.125 hectares.

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Ruanda comprometeu-se a restaurar as paisagens desmatadas e degradadas em cerca de 75% do seu território. Foto: IUCN/Donatha Dukuzumuremyi

 

Os desafios da restauração na África

O monitoramento efetivo da restauração que está sendo feita pelos países é apenas um dos desafios desta agenda. De acordo com o gerente da IUCN, o maior obstáculo é a competição pelo uso da terra. “Uma família de cinco a seis pessoas aqui na África Central possui em média meio hectare. Na maioria desses países, quando falamos pequenos proprietários, eles são pequenos mesmo. Varia de 0,5 a 2 hectares, o que é muito pouco para atender as necessidades de subsistência. Especialmente porque mais de 80% depende de carvão vegetal para cozinhar e como fonte energética, e eles precisam tirar isso da propriedade deles”, explica Ndoli, que atua em dez projetos de restauração no continente.

A demanda por carvão vegetal

A maioria dos países africanos ainda dependem da extração de madeira como fonte de energia. De acordo com os dados mais recentes da FAO, das Nações Unidas, foram produzidas mais de 35 milhões de toneladas de carvão vegetal em 2020 no continente africano. Obter o carvão vegetal é, consequentemente, um dos maiores vetores de desmatamento no continente.

Em Ruanda, o governo buscou uma solução intermediária para o problema com o plantio de bosques de eucalipto, árvores de crescimento rápido, em meio às áreas rurais. Se por um lado os eucaliptos têm um impacto negativo na questão hídrica, por outro permite que os moradores locais cortem a madeira deles – e não das árvores de florestas conservadas – para obter carvão vegetal, que ainda responde por mais da metade da matriz energética do país.

A própria crise climática é um desafio para a restauração, alerta a pesquisadora Niwaeli Kimambo, do Middlebury College, nos Estados Unidos. “Onde antes era só plantar as sementes que crescia tudo, hoje as condições são muito mais adversas, mais seco, e a restauração está ficando mais difícil”, conta a pesquisadora, que atua em projetos de restauração na Tanzânia.

Na corrida contra o da desertificação, obter financiamento em larga escala é fundamental. Para diminuir esse gargalo, um grupo de doadores internacionais montou o TerraFund. Criado com o objetivo de apoiar os compromissos do AFR100, a primeira chamada do TerraFund foi lançada em 2023 e selecionou para financiar 100 iniciativas de restauração – a maioria (80) de organizações comunitárias e outros 20 de empresas – em 27 países africanos.

Uma das iniciativas apoiadas é do Rwanda Environmental Conservation Organization (Organização de Conservação do Ambiental de Ruanda, em tradução livre, ou RECOR, na sigla original). A ONG atua há duas décadas no país. Um dos seus projetos promove práticas agroecológicas, com o plantio de 35 mil árvores ao leste de Ruanda, região mais seca e com maior escassez de recursos. Entre as árvores plantadas está, por exemplo, o abacate, que possui alto valor de mercado.

“A restauração precisa ser positiva pro ambiente e para as pessoas”, resume o gerente regional da IUCN, Alain Ndoli.

Esta reportagem foi feita com apoio da Earth Journalism Network, através da oportunidade “Scholarships for Journalists to Cover Biodiversity Conferences”. A bolsa financiou a cobertura do International Congresso for Conservation Biology (ICCB) 2023.

Duda Menegassi Jornalista. Fonte: O Eco. Foto: AFR100/ARCOS/Divulgação.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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