Cinzas para as amazônias não virarem cinzas: o legado de Carlos Walter Porto Gonçalves
No último dia 7 de setembro, encantou-se o professor doutor Carlos Walter Porto Gonçalves, baluarte da geografia na graduação e na pós-graduação da Universidade Federal Fluminense.
Por Gomercindo Rodrigues
Carlos Walter conheceu Chico Mendes lá pelos idos de 1986/87, em uma das muitas viagens de Chico para o Rio de Janeiro para apresentar a proposta das Reservas Extrativistas, lançada pelos seringueiros em Brasília, em 1985, como um modelo adequado de Reforma Agrária para a Amazônia.
Logo de início, o professor de origem humilde entendeu o caráter revolucionário da proposta que, além de defender um modelo de desenvolvimento sustentável a partir das populações tradicionais, questionava um dos pilares da sociedade colonialista/capitalista brasileira: a propriedade privada.
Carlos Walter tornou-se um entusiasta das Resex e, enquanto ajudava a aprimorá-la, passou a ciceronear Chico Mendes em vários encontros dentro da academia, não só na UFF, mas, inclusive, levando-o para a USP, onde trabalhava seu amigo, o também geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB.
Juntos, Carlos Walter e Ariovaldo promoveram uma antológica palestra de Chico Mendes em São Paulo, onde Chico expôs o caos em que a vida na Amazônia se transformou a partir dos anos 1960, com a devastação de milhares de hectares de floresta, a destruição das castanheiras e seringueiras na região do alto Acre e a expulsão de milhares de famílias de seringueiros para as periferias urbanas, especialmente para Rio Branco, ou para as florestas da Bolívia.
A partir da amizade que estabeleceu com Chico Mendes, Carlos Walter veio inúmeras vezes à Amazônia e muitas delas ao Acre, onde, inclusive, assessorou um projeto de cooperação italiana com os “campesinos” bolivianos do Departamento de Pando, na fronteira com o Brasil, região do Acre.
Percorreu, estudou e escreveu sobre a Amazônia, tendo, inclusive, defendido que não havia uma só Amazônia, mas Amazônias, dadas as diversidades tanto ambientais quanto culturais, conflituais e populacionais dessa ampla região brasileira.
Mais do que um professor, Carlos Walter era um construtor de ideias, um problematizador, um companheiro de luta para todas as horas. Foi defensor ferrenho das populações tradicionais, aliado de primeira hora nas lutas contra as violências e as propostas de “uso” da floresta amazônica que expusessem ou expulsassem suas populações tradicionais de seus territórios.
Incansável defensor e difusor das ideias de todas as populações tradicionais que ocupam a Amazônia ou as Amazônias de forma sustentável e as preservam para o benefício do planeta, como seu último desejo, Carlos Walter deixou nos deixou um enorme legado: pediu à sua companheira Márcia que suas cinzas fossem divididas em três partes: uma, para ficar na sua amada UFF; outra no Cerrado, seu último “campo de batalha”; e outra, na Amazônia, dentro de uma Reserva Extrativista.
O simbolismo de querer parte de si enterrada na floresta que tanto amou é de uma sensibilidade sem par. Foi seu reconhecimento, respeito e carinho para com as populações da floresta, mas foi, também, seu recado de que suas cinzas devem servir para continuar despertando consciências para que as AMAZÔNIAS NÃO VIREM CINZAS!
Gomercindo Rodrigues – Engenheiro Agrônomo. Advogado. Amigo e assessor de Chico Mendes. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.
<
p style=”text-align: justify;”>Foto: Divulgação/ Agência ALESC.