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CORA CORALINA: O MAIS IMPORTANTE É O DECIDIR

Cora Coralina: o mais importante é o decidir

“Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”

Por Cora Coralina 

“Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice.
E digo pra você, não pense.
Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha. Eu não digo.
Eu não digo que estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco.
É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso.
Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê.
O bom é produzir sempre e não dormir de dia.
Também não diga pra você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.
Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima.
Eu não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa.
Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica.
Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio!
Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha, não. Você acha que eu sou?
Posso dizer que eu sou a e nada mais quero ser.
Filha dessa abençoada terra de Goiás.
Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos.
Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.
Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.
Mesmo quando
tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”
 
Observação: Segundo o que se registra, essa foi a resposta de Cora Coralina a um repórter, em uma reflexão sobre o envelhecer. O texto a seguir é da escritora, poetisa e estudiosa da oba de Cora Coralina, Iêda Vilas Boas.
 
CORA CORALINA: O MAIS IMPORTANTE É O DECIDIR
Foto: Divulgação/Internet
 
CORA CORALINA – UMA DOCE REBELDIA 
 
Cora Coralina, nome fictício da escritora Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, simples, portadora de imensa veia poética. Cora Coralina faz-se doutora de vida e mestra de mestres. Essa mulher é estrela de primeira grandeza no cenário da literatura brasileira.
 
Impossível falar da obra e vida de Cora Coralina sem ressaltar seu espírito libertário, seu caráter firme e suas atitudes instigadoras. A escritora nasceu em 20 de agosto de 1889, na cidade de Goiás (Goiás Velho), então capital do estado. Filha de Jacintha Luiza do Couto Brandão Peixoto e do desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães, a Ana que virou Cora e foi rejeitada pela cidade, a moça que escrevia desde os 15 anos e foi tida como plagiadora do parente importante, criou asas e ganhou fama.
Ana, que foi ficando moça velha, apegada aos livros, culta, inteligente, perspicaz e sem casamento, ousou obedecer aos arroubos de seu coração e fugiu com seu amado, após a passagem deste pelo norte de Goiás: homem separado, com filhos em e uma filha mestiça. Era Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, com quem teve seis filhos, quinze netos e nove bisnetos. Ao partir, levou consigo não mais que sonhos, que se desfizeram na rotina conjugal.
Esses problemas, vividos em total sensibilidade pela poeta, repercutiram em sua obra. Podemos observar embutidos em seus textos a atual e emblemática questão do gênero. A poeta vivia em uma patriarcal e machista, fato difícil de ser enfrentado nos séculos retrasado e passado e, com alguma abertura, essa dificuldade ainda é vigente neste século XXI.
Por esse viés, podemos entender todo o referencial feminino na obra de Cora, justificando sua preocupação em fazer emergir de seus poemas as vozes das excluídas de seu tempo. Cora cantou em sua lírica inovadora e de próprio estilo a , as adversidades, e nos apresentou a sua fortaleza diante dos percalços vividos.
Mulher, mãe, poeta, , doceira, brigona, por vezes mal humorada, deve ser entendida e admirada como um ser iluminado. Pessoa extremamente sensível, de conversa fácil e pensamento complexo. Impossível de ser esquecida, tinha suas manias, o dicionário como livro de cabeceira, seus dizeres, seus ditados… Antes de trazer seus poemas para a palavra escrita fez poesias usando seu inventário de vida.
Cora tinha censores intra e extracasa, mas sua extrapolava estes e outros e tantos limites. Essa fantástica Cora Coralina compõe-se de várias mulheres: a Ana revolucionária, feminista, religiosa e líder política que enviuvou, viveu em terras distantes por 45 anos, plantou rosas e depois retornou à Goiás de sua meninice.
 
Aos 76 anos, publicou seu primeiro livro, reconquistou a Casa Velha da , construiu um belo nome de doceira e fez poesia. Faleceu em 10 de abril de 1985, em Goiânia – Goiás, aos 96 anos de idade.
Dentro do sistema patriarcal e tradicional, era esperado que a mulher se sujeitasse à superioridade masculina. Ao homem cabia o papel de independência, decisões racionais, competência, diligência e poderio. A mulher deveria seguir um modelo preestabelecido de emoção e sentimentalismo, sendo legitimadora do padrão machista. Os versos de seu poema Das Pedras traduzem sua angústia em obedecer aos conceitos que não se acomodavam em seu peito:
 
Ajuntei todas as pedras que vieram sobre mim. Levantei uma escada muito alta e no alto subi. (…) Uma estrada, um leito, uma casa, um companheiro. Tudo de pedra. Entre pedras cresceu a minha poesia. Minha vida… Quebrando pedras e plantando flores. Entre pedras que me esmagavam Levantei a pedra rude dos meus versos.
Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor. Eu sou a fonte original de toda a vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta do teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranquila ao teu esforço. (…) Eu sou a grande Mãe universal.

A esta altura, cabe indagar: quem é essa mulher? Quem é, afinal, Cora Coralina? Ousamos responder por sua própria voz: A poética de Cora Coralina é a encarnação da tessitura dos encontros e confrontos das energias entre Eros e Thanatos. Sua poesia traz a força e a delicadeza das coisas naturais.

Cora se intitula “cabocla velha” em Todas as Vidas. Por essa velhice passa a transcendência da vida. O verso serve de ponte para que nos lancemos a um inesgotável e antigo questionamento. Afinal… Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?

Seus poemas em ou verso chegam-nos como a mais deliciosa história. Têm início, reflexões em seu meio, e o fim que deixa quase sempre, na alma de quem a lê, um sentimento de quero mais. A obra de Cora serve de instrumento de socialização da língua portuguesa.

Neste sentido a linguagem de Cora é a sua casa. Nela a linguagem entra e se sente à vontade para colocar as alpercatas e se espalhar na velha cadeira de balanço que, de sentinela, vigia a passagem do corredor sempre aberto para os aposentos internos da Casa Velha da Ponte. Estão imbricadas: a linguagem, Cora e a Casa. E dessa tríade nasce a mais pura das poesias.

A poética de Cora pode ser entendida como um fenômeno que consegue resgatar os finos limiares entre sentimento, poesia e sociedade.

A poeta goiana desvenda-nos seu mundo intrassubjetivo e vai construindo paragens, paisagens, portos, ancoradouros – utópicos, alegóricos ou não – de onde conclama seu povo, sua cidadezinha, seus leitores, que são muitos, pelo mundo afora, a olhar, com ela e por ela, da mesma janela da Casa Velha da Ponte, para que, juntos, possam vislumbrar a mesma visagem, ainda que sob perspectivas difusas e diferentes.

CORA CORALINA: UMA DOCE REBELDIA. Texto brilhante de nossa companheira e conselheira Iêda Vilas-Boas, precocemente encantada em 8 de abril de 2023. Como ela nos faz falta!

 

 
 

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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