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Vigência do marco temporal é injusta e imoral

VIGÊNCIA DO MARCO TEMPORAL É INJUSTA E IMORAL

Vigência do é injusta e imoral

A Carta de 1988 trata direitos originários dos à terra como indisponíveis, inalienáveis e imprescritíveis

Por Leonardo Steiner

Os povos indígenas estão, mais uma vez, diante de um momento crucial de luta pela preservação dos direitos conquistados com esforço e mobilização na Constituição Federal de 1988. Está previsto para amanhã o início das audiências de conciliação, determinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mevndes. Foram convocados representantes de diversos órgãos de Estado e setores da sociedade — alguns com interesses particulares nos territórios indígenas — que discutirão direitos já consagrados em nosso marco de convivência.

Em setembro do ano passado, o STF, por 9 votos a 2, afastou a tese do marco temporal — que estabelece o direito apenas às terras que eles já ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. O Supremo confirmou a constitucionalidade dos direitos indígenas, já previstos na Carta como fundamentais.

Não poderia ser diferente, já que a Constituição de 1988 trata esses direitos originários à terra como indisponíveis, inalienáveis e imprescritíveis, cabendo à União proteger e demarcar. Isso significa que são direitos insubmissos a negociatas, barganhas ou escambos.

Mesmo assim, o aprovou — à revelia do que foi decidido pela Corte — a Lei 14.701/2023, que institui o marco temporal e submete os territórios indígenas a interesses de terceiros. Com a promulgação da lei, o Congresso demonstra ter perdido o horizonte ético e o sentido da justiça.

Todos sabemos que a vigência do marco temporal é injusta e imoral, pois representa um decreto de impunidade a todas as atrocidades até então cometidas contra os povos indígenas, colocando em risco a vida de comunidades inteiras em função do rompimento com seus territórios tradicionais. O resultado tem sido a onda de contra comunidades indígenas, a exemplo do que ocorre neste momento em Mato Grosso do Sul e no Paraná.

Os dados alarmantes de 2023 do Relatório de Violência contra os Povos Indígenas — que o Conselho Indigenista Missionário publicou em julho deste ano — também dão o tom do que a lei põe em curso.

Embora o STF já tenha afastado o marco temporal por inconstitucionalidade, o assunto volta à análise da Corte. E, desta vez, o relator das ações, Gilmar Mendes, decidiu pela constituição de uma comissão especial de conciliação formada por órgãos do governo e diversos setores da sociedade.

Mais uma vez, a Corte tem nas suas mãos as condições de, em primeiro lugar, manter a decisão de setembro de 2023; depois, de não permitir que se negociem direitos indisponíveis dos povos indígenas. O STF não pode deixar prevalecer os interesses dos mais apoderados sobre a singela gente da terra.

O afirma que é indispensável uma atenção especial aos povos indígenas. “Com efeito, para eles a terra não é um bem econômico, mas um dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado (…) Eles, quando permanecem em seus territórios, são quem melhor os cuida”, afirma na encíclica Laudato Si.

O pontífice também destaca que os esforços até então empreendidos para diminuir os impactos negativos das têm sido inadequados. Isso porque, “muitos daqueles que detêm mais recursos e poder econômico ou político parecem concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas”.

Assim como o Papa nos ensina, estamos esperançosos na garantia dos direitos dos indígenas e em que o STF mantenha a decisão de setembro de 2023. É fundamental que toda a sociedade brasileira, todas as igrejas e segmentos acompanhem com atenção este momento crucial para a vida dos povos indígenas, para que a paz e a justiça sejam o horizonte do convívio entre os povos.

*Leonardo Steiner é arcebispo de . Fonte: O Globo

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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