A Lenda do Cabeça de Cuia

A Lenda do Cabeça de Cuia, cujo corpo ninguém nunca viu

A do Cabeça de Cuia, cujo ninguém nunca viu

O Cabeça de Cuia, um jovem que maltratou a mãe e foi por ela encantado nas águas do Rio Parnaíba, é lenda antiga, registrada na pelo menos desde o final do século 19. Tanto nas versões mais antigas, registradas na obra do folclorista Câmara Cascudo, quanto em suas versões mais atuais, como o cordel de Pedro Costa, publicado pela revista Piauí no ano de 2007, a Lenda do Cabeça do Cabeça de Cuia traz uma mesma moral: pra quem maltrata a mãe, tem castigo. Mas, como toda mãe é boa, ao final do tempo do castigo, a figura desencanta.

A cabeça de cuia é outra lenda conhecida no Piauí. Um majestoso rio, o Parnaíba, que tem curso de mais de 500 léguas e cuja largura é bem incrível, separa as províncias do Piauí e Maranhão, banhando-as de sul a norte.  O Parnaíba, com suas águas salutares, é o refrigério de todas as povoações que demoram em suas margens. Pela manhã e à noite, há sempre muita gente que aí vai tomar magníficos banhos.  Conta-se, e grande número de pessoas o atestam, que, em certos dias da semana, costumava aparecer no rio, à noite, um monstro – a que chamam Cabeça de Cuia. Esse ser desconhecido vai traiçoeiramente se aproximando, pouco a pouco do indivíduo, e se este, porém, não se evadir em tempo,  será apanhando por ele e submergido incontinenti. É representado por uma figura animada que tema cabeça de uma cuia. Ninguém, porém, ainda conseguiu ver-lhe o corpo.  João Alberto Freitas – Superstições e Lendas do Norte do Brasil – Recife, 1884. Registro encontrado em Luís da Câmara Cascudo –  Geografia dos Mitos Brasileiro – Editora Global, 2001. 

Cabeça de Cuia: No Piauí, intimidam-se as crianças com este nome. É um sujeito que vive dentro do Rio Parnaíba. É alto, magro, de grande cabelo que lhe cai pela testa e, quando nada o sacode, faz as suas excursões na enchente do rio e poucas vezes durante a . Come de 7 em 7 anos uma moça de nome Maria. Às vezes, porém, também devora os meninos quando nadam no rio, e por isso as mães proíbem que aí se banhem. Há homens que deixam de se lavar no rio, sobretudo nas , com medo de serem seguros pelo tal sujeito encantado. Originou-se de um rapaz que não obedecendo a sua mãe,maltratando-a, e não e abandonando sua família, foi pela mãe amaldiçoado e condenado a viver 49 anos nas águas do Parnaíba. Depois que ele comer as 7 Marias, retornará ao seu estado natural, desencantando-se. Conta-se que sua mãe existirá enquanto ele viver nas águas do rio. Vale Cabral – Achegas ao do brasileiro – publicado pela Gazeta Literária – Rio de Janeiro, 1884. Registro encontrado em Luís da Câmara Cascudo –  Geografia dos Mitos Brasileiro – Editora Global, 2001. 

Em sua edição de setembro de 2017, a revista Piauí atualizou a Lenda do Cabeça de Cuia  nos versos do cordelista Pedro Costa:

A LENDA DO CABEÇA DE CUIA
Pedro Costa
 I.
O povo que não acredita
Em história de pescador,
De vaqueiro e cachaceiro,
De cantador.
Motorista e seringueiro,
Marinheiro e caçador.
Dizem que toda mentira
Deturpa sempre a verdade,
Por menos que ela seja
Dita na sociedade,
Contada por muita gente,
Se torna realidade.
Uma história de verdade
Contada de uma maneira
Deturpada, duvidosa,
Como fosse brincadeira,
Por mais que seja real,
Nunca será verdadeira.
Existe história lendária
Que virou verdade pura,
Com o tempo ganhou fama
Com personagem e figura
Inserida no folclore,
Enriquecendo a cultura.
II.
Entre todas criaturas
Sempre o homem é o mais forte,
Enfrenta feras nas selvas,
Escapa no fio da sorte.
Tem o instinto voraz.
Só quem o vence é a morte
O homem tem enfrentado
Perigos no alto-mar,
Nos espaços siderais,
Monta usina nuclear,
Não domina o universo
Porque Deus não vai deixar.
Existe homem no
Que desconhece o amor
E contra pais e irmãos
As palavras do Senhor.
Xinga Terra, Sol e astros
As coisas do Criador.
Muitos anos atrás
Existiu no Piauí
Um pescador que pescava
No Parnaíba e Poty.
A sombra da maldição
Estava perto de si.
III.
O seu nome era Crispim,
Cresceu sem religião,
Sem pai pra lhe dar conselho,
Sem amigo e sem irmão,
Sua mãe muito velhinha,
Sem mágoa no coração,
Acontece que Crispim
Não aprendeu a trabalhar.
Para sustentar a mãe,
Ele tinha que pescar.
Quando não pescava nada,
Danava a esbravejar.
Devido à necessidade,
Ele só vivia aflito,
Ameaçava sua mãe,
Dava soco, dava grito,
Agredia todo mundo,
Chamava o rio maldito.
Sua mãezinha chorava,
Muito tristonha e velhinha,
Sem esperança de vida,
Em sua pobre casinha,
O sofrimento do filho,
Com a pobreza que tinha.
IV.
Vendo o filho em desespero,
A mãe se compadecia.
Assim vivia Crispim,
Sem ter sorte em pescaria,
Xingava até sua sombra
E a roupa que vestia.
Um certo dia Crispim
Voltou pra casa zangado.
Não tinha pescado nada,
Crispim ficou irritado.
Xingando os rios e os peixes,
Tudo que tinha ao seu lado.
A mãe lhe disse: “Filhinho,
Não pense mais em mazela,
Coma um pirão com uma ossada
Que tem naquela panela”.
Crispim pega um corredor,
Bateu na cabeça dela.
A pancada foi tão grande,
Levou a velha ao chão.
A mãe antes de morrer
Jogou-lhe uma maldição:
“Serás transformado em monstro,
Num ente sem coração”.
V.
“Filho maldito e ingrato,
Tu foste muito ruim.
Matar tua genitora,
Te amaldiçôo, Crispim.
Serás um monstro maldito,
Triste será teu fim.
Nas águas desses dois rios,
Tu vais ficar a vagar.
Serás um monstro assombroso,
Até você devorar
As sete Marias virgens,
Mas nunca irás encontrar.”
Os anjos disseram amém
Na hora em que a mãe falou.
Sua madrinha não ouviu,
Jesus no céu escutou.
E de repente Crispim
No monstro se transformou.
Ficou todo transformado,
Com a cara muito feia.
A cabeça cresceu tanto,
Que dava uma arroba e meia.
Caiu nos rios e aparece
Em noite de lua cheia.
VI.
A velha foi sepultada
Como se fosse uma indigente.
Não ficou nem um registro,
Não apareceu parente.
E Crispim ainda vive
Querendo voltar a ser gente.
Até mesmo os pescadores
Nele não querem falar.
Quando falam sentem medo,
Passam noites sem pescar.
Todos temem a qualquer hora
Com Crispim se encontrar.
Cabeça de Cuia vive
Cumprindo sua trajetória.
Uma velha diz que viu,
Porém perdeu a memória,
Se assombra, fica louca
Quando escuta essa história
Todo final de semana,
Sempre, sempre é registrado
Nas águas desses dois rios
Alguém morrer afogado,
Deixando cada vez mais
Banhista desesperado.
VII.

Crispim Cabeça de Cuia
Vive ainda à procura
Das sete Marias virgens,
Cumprindo sua desventura
Rio abaixo e rio arriba,
Em noite clara ou escura.
Passaram séculos e séculos,
A história permanece.
Dizem quando os rios enchem,
Na correnteza ele desce,
Dando gargalhadas estranhas
Toda vez que aparece.
Ele vaga pelas águas
Do Parnaíba e Poty
E no encontro dos rios
Tem sua estátua ali
Descrevendo esta lenda
Folclórica do Piauí.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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