A MEMÓRIA NAS PAREDES

A MEMÓRIA NAS PAREDES

A MEMÓRIA NAS PAREDES

Nas montanhas da Antioquia, na Colômbia, uma cidade escolheu não afundar com suas casas. Guatapé, hoje famosa pelas fachadas coloridas e harmoniosamente decoradas, já foi território de dor e deslocamento. Nos anos 1970, boa parte do povoado original foi submersa para dar lugar a uma das maiores hidrelétricas do país.

Por Antenor Pinheiro

A grandiosa obra, em nome do tal progresso, chegou em forma de energia, mas com ela vieram o êxodo, o silenciamento e a ameaça à memória. Entretanto, ao chegar na cidade hoje, o que se observa é a vitória silenciosa de uma forma rara de resistência cultural. Em vez de se apagar, Guatapé decidiu se redesenhar. As paredes de suas casas, com os célebres zócalos, passaram a contar suas histórias.

São relevos pintados à mão que retratam ofícios antigos, animais, instrumentos, cenas cotidianas e símbolos religiosos da região. Cada muro é um gesto de lembrança, uma recusa ao esquecimento. O solo foi alagado, sim, mas sua identidade não. A singela cidade é o retrato de como a transformação ecológica não afeta apenas florestas e rios, mas também culturas inteiras.

É sabido que quando um território é alterado, vidas e saberes tradicionais também se vão, mas a pequena Guatapé respondeu a isso com arte, baixos-relevos e cor, muita cor. Ao caminhar por suas ruas floridas, encontra-se o testemunho vivo de como uma comunidade pode reagir ao apagamento criando memória, fazendo da arte uma forma peculiar de resistência ambiental e cultural. Os zócalos de Guatapé não são enfeites, mas raízes fincadas nas paredes que nos ensinam a resistir e preservar o espírito de um lugar. Um jeito poderoso de transformar fachadas em memória para que o mundo veja.

Guatape colombia travel penol
Foto: Kuoda Travel/Divulgação.

antenorAntenor Pinheiro – Geógrafo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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