A MEMÓRIA NAS PAREDES
Nas montanhas da Antioquia, na Colômbia, uma cidade escolheu não afundar com suas casas. Guatapé, hoje famosa pelas fachadas coloridas e harmoniosamente decoradas, já foi território de dor e deslocamento. Nos anos 1970, boa parte do povoado original foi submersa para dar lugar a uma das maiores hidrelétricas do país.
Por Antenor Pinheiro
A grandiosa obra, em nome do tal progresso, chegou em forma de energia, mas com ela vieram o êxodo, o silenciamento e a ameaça à memória. Entretanto, ao chegar na cidade hoje, o que se observa é a vitória silenciosa de uma forma rara de resistência cultural. Em vez de se apagar, Guatapé decidiu se redesenhar. As paredes de suas casas, com os célebres zócalos, passaram a contar suas histórias.
São relevos pintados à mão que retratam ofícios antigos, animais, instrumentos, cenas cotidianas e símbolos religiosos da região. Cada muro é um gesto de lembrança, uma recusa ao esquecimento. O solo foi alagado, sim, mas sua identidade não. A singela cidade é o retrato de como a transformação ecológica não afeta apenas florestas e rios, mas também culturas inteiras.
É sabido que quando um território é alterado, vidas e saberes tradicionais também se vão, mas a pequena Guatapé respondeu a isso com arte, baixos-relevos e cor, muita cor. Ao caminhar por suas ruas floridas, encontra-se o testemunho vivo de como uma comunidade pode reagir ao apagamento criando memória, fazendo da arte uma forma peculiar de resistência ambiental e cultural. Os zócalos de Guatapé não são enfeites, mas raízes fincadas nas paredes que nos ensinam a resistir e preservar o espírito de um lugar. Um jeito poderoso de transformar fachadas em memória para que o mundo veja.

Antenor Pinheiro – Geógrafo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.





