DITADURA NUNCA MAIS: AO CONDENAR GOLPISTAS DE 8 DE JANEIRO O BRASIL ACERTA CONTAS COM SEU PASSADO

DITADURA NUNCA MAIS: AO CONDENAR GOLPISTAS DE 8 DE JANEIRO O BRASIL ACERTA CONTAS COM SEU PASSADO

DITADURA NUNCA MAIS: AO CONDENAR GOLPISTAS DE 8 DE JANEIRO O BRASIL ACERTA CONTAS COM SEU PASSADO

O que há de inédito nesta ação penal 

é que nela pulsa o Brasil que me dói. 

A presente ação penal é quase um encontro do Brasil 

com seu passado, 

com seu presente e com seu futuro.” 

Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal,  durante o julgamento da trama golpista no STF. 

Por Zezé Weiss 

Ataque bolsonarista ao Congresso Nacional do Brasil
Foto: TV BrasilGov/Wikimédia

Em um julgamento histórico para a democracia brasileira, neste 11 de setembro, por 4 votos a 1, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o ex-presidente da República e seus aliados (entre eles, cinco integrantes das Forças Armadas de alta patente) pela tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito.  

Os votos da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Alexandre de Moraes, Flavio Dino e Cristiano Zanin reconheceram que Jair Messias Bolsonaro e parte da cúpula de seu governo tentaram golpear a democracia brasileira. A condenação dos réus torna-se um divisor de águas entre um Brasil marcado pela impunidade e um país capaz de afirmar a democracia como seu valor maior, portanto não negociável.  

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São Paulo (SP), 07/09/2025 – Pessoas participam do evento Reaja Brasil, na Avenida Paulista. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O ex-presidente, que já estava inelegível por crime contra a Justiça eleitoral, foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de golpe de Estado; organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; dano qualificado pela violência e grave ameaça; e deterioração de patrimônio tombado. 

Além do ex-presidente, estiveram entre os réus – e foram condenados – nomes de peso da antiga cúpula militar e política: Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), com parte das acusações suspensas por prerrogativa de foro (crimes cometidos após a diplomação como deputado federal) e respondendo a três dos cinco crimes; almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; generais Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Netto, ex-ministro chefe da Casa Civil e candidato a vice-presidente em 2022; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente.  

Os réus foram condenados por usar a Presidência e os braços administrativos do Estado, como a Abin, para tramar um golpe de Estado e monitorar jornalistas, opositores e políticos. A gravidade dos fatos deu o tom do horizonte que se abria: enfrentar os monstros do passado para afirmar a força da Constituição do Brasil.

A partir das 884 páginas do relatório da Polícia Federal (PF), a Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou ao STF denúncia contra o ex-presidente e outras 33 pessoas por tentativa de Golpe de Estado, agrupando os denunciados em cinco núcleos, conforme suas atribuições: 1. núcleo crucial (decisório); 2. oferecer apoio jurídico, operacional e de inteligência; 3. executar ações táticas; 4. espalhar desinformação contra urnas eletrônicas e instituições e promover ataques virtuais contra militares que não aderissem ao golpe; 5. núcleo com apenas um integrante, Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, residente fora do país, o que dificultou a notificação e o prosseguimento dos trâmites, razão pela qual a análise ainda não foi concluída pelo STF, e o denunciado ainda não é considerado réu. Paulo Figueiredo tinha, segundo a PGR, as mesmas atribuições descritas no núcleo 4.

A denúncia foi admitida por unanimidade no STF que, neste 11 de setembro, julgou os integrantes do chamado núcleo crucial, condenando os oito réus. 

ACERTO DE CONTAS COM O PASSADO 

O julgamento do processo que, pela primeira vez na história do Brasil condenou um ex-presidente por atentar contra a democracia, não fala apenas de 2022 ou de 8 de janeiro de 2023, mas, de certa forma, nos dizeres da ministra Cármen Lúcia, resulta de “um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro”.

O país que não puniu seus torturadores e ditadores do passado, apesar dos gritos de “Ditadura nunca mais” e “não vai ter golpe”, encarou, por fim, por meio do STF, o fantasma de uma tentativa violenta de ruptura democrática, com relatos e registros, inclusive, de planos que incluíam o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.  

Essas condenações representam o enfrentamento de  uma linhagem de autoritarismo que sobreviveu intacta por décadas, mas que vêm à tona à revelia de seus autores: crimes da ditadura sem julgamento, violações registradas no relatório Brasil: Nunca Mais (1985), que documentou centenas de casos de tortura a partir de arquivos militares, e a criação da Comissão Nacional da Verdade (2011–2014), que identificou 434 mortos e desaparecidos (2.489, segundo Gilney Viana) e responsabilizou 377 agentes do Estado. Nenhum deles, contudo, foi condenado.

Essa ausência de responsabilização foi reforçada pela Lei da Anistia, de 1979, que blindou agentes da ditadura e garantiu décadas de impunidade. Apenas em 2021, mais de 40 anos depois, ocorreu a primeira condenação relacionada ao período: um torturador punido por crime de sequestro, considerado contínuo. A demora histórica ajuda a dimensionar a importância do julgamento deste quase-início de primavera.

IMPUNIDADE NUNCA MAIS

O Deputado Federal Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do PT na Câmara dos Deputados, analisa: 

Hoje, ao contrário do passado, quando crimes políticos frequentemente ficavam impunes e sem apuração, as investigações lideradas pela Polícia Federal (PF) e pela Procuradoria-Geral da República foram rigorosas e baseadas em evidências concretas. 

Mensagens interceptadas mostram articulações para coagir o STF, incluindo, mais recentemente, pressões via governo dos EUA para aplicar sanções a ministros brasileiros. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, foi indiciado por coação no curso do processo e atentado à soberania nacional após atuar nos EUA para influenciar políticas contra o Brasil.

Assim, hoje o caso transcende fronteiras. Eduardo Bolsonaro, ao negociar com o governo Trump para impor tarifas comerciais e sanções a autoridades brasileiras, cometeu atos que, se praticados por um cidadão americano, poderiam ser classificados como traição, punível com morte nos EUA. Por isso mesmo, protocolei projeto de lei, que prevê penas de 20 a 40 anos para “alta traição à pátria”, para fechar lacunas legais para crimes contra a soberania nacional. 

A campanha de desinformação contra instituições como o Banco do Brasil, orquestrada por bolsonaristas, e as tentativas de terrorismo econômico mostram que os métodos da extrema direita evoluíram, mas sua essência permanece: semear o caos para desestabilizar a democracia.

O julgamento de Bolsonaro é mais que um processo penal; é um teste decisivo para a democracia brasileira. A histórica impunidade de golpistas – desde os militares de 1964 até os terroristas do Riocentro – encorajou a escalada de violência que culminou nos eventos de 8 de janeiro. 

Punir exemplarmente os responsáveis é romper com esse ciclo perverso e enviar uma mensagem clara: ataques à democracia não serão tolerados. A sociedade brasileira deve apoiar as instituições judiciais neste momento crítico. Permitir que criminosos escapem da Justiça seria repetir os erros do passado e arriscar o futuro da nação. 

O Brasil tem a oportunidade única de consolidar o Estado de Direito e garantir que extremistas nunca mais desafiem a vontade popular impunemente. O Brasil não pode se curvar a ameaças, pressões ou chantagens de quem vive de instabilidade e caos. 

É hora de reafirmar: nossas instituições são mais fortes que os surtos autoritários de qualquer clã. O país não será refém da alucinação de uma família em colapso

O JULGAMENTO 

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Foto: Antonio Augusto/Foto Pública

O julgamento começou às 9 horas do dia 2 de setembro, uma segunda-feira, em sessão marcada pela leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes e pela peça acusatória apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. A liturgia deu o tom da manhã, mas foram os bastidores que revelaram o clima da Corte.

A jornalista Kriska Carvalho, que acompanhou a sessão da galeria da Primeira Turma, descreveu o ambiente como de “pré-festa”: expectativa de desfecho e sensação de que o resultado já estava encaminhado. A ausência da maioria dos réus decepcionou a imprensa — mais de 500 jornalistas estavam credenciados em Brasília — e frustrou quem esperava confronto direto.

Na saída da primeira parte, o advogado do ex-presidente, Celso Villardi, evitou jornalistas. Já o defensor de Mauro Cid, Cezar Bitencourt, mostrou-se efusivo: afirmou estar feliz por “defender o Estado Democrático de Direito” e não escondeu a preocupação com a delação premiada de seu cliente. Ao cumprimentar os ministros, exagerou nos elogios e chegou a chamar Luiz Fux de “atraente”, arrancando risos e comentários irônicos entre repórteres.

Outros defensores também buscaram teatralidade. O advogado de Alexandre Ramagem tentou dissociar seu cliente da trama golpista com tom quase cinematográfico: “eles arquitetaram, planejaram, organizaram, tentaram…, mas Ramagem não”. Recebeu, porém, corte seco da ministra Cármen Lúcia: “Uma coisa é eleição com processo auditável, outra é voto impresso. Vossa senhoria usa como se fosse a mesma coisa. Isso é dito para criar confusão na cabeça do brasileiro e colocar em xeque o sistema eleitoral”.

O advogado do almirante Almir Garnier gastou longos minutos elogiando o currículo dos ministros do STF, em tom interpretado como bajulação. Chegou a lembrar que cigarros funcionam como moeda de troca nas prisões, oferecendo-se a levar o produto para Bolsonaro, caso condenado.

A defesa de Anderson Torres, conduzida por Eumar Novacki, buscou robustez nos argumentos: negou envolvimento de seu cliente e apresentou documentos de viagem planejada meses antes do 8 de janeiro. Afirmou ainda que a “minuta do golpe” não tinha valor jurídico. O discurso, porém, não afastou a lembrança de que o ex-ministro era secretário de Segurança do Distrito Federal quando ocorreu a invasão aos Três Poderes.

No plenário, Moraes foi incisivo. Afirmou que o julgamento não pode ser confundido com autoritarismo: “A pacificação depende do respeito à Constituição, das leis e do fortalecimento das instituições, e não da covardia do apaziguamento”. O ministro ainda rebateu pressões externas: “A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida”.

Coube ao procurador Paulo Gonet reforçar a espinha dorsal da acusação. “Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”, disse.

Gonet listou manuscritos, mensagens, gravações de reuniões ministeriais e discursos públicos como provas. Ressaltou que não punir tentativas de golpe é abrir espaço para novos atentados contra a democracia. “O recrudescimento do autoritarismo ocorre quando não há responsabilização”, afirmou.

MORAES: VOTO HISTÓRICO PELA CONDENAÇÃO

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Foto: Rosinei Coutinho/STF

No terceiro dia do julgamento do ex-presidente inelegível e de seus sete aliados, coube ao ministro Alexandre de Moraes abrir a rodada de votos com uma exposição que reorganizou o tabuleiro político e jurídico do país. 

Em mais de quatro horas, o relator descreveu uma engrenagem que operou muito antes de 8 de janeiro de 2023, vinculando atos preparatórios e executórios à tentativa de golpe de Estado.

 “O que está em julgamento não é discurso político, não são especulações. São crimes documentados, com provas robustas”, afirmou o ministro. E cravou: “Esse julgamento não discute se houve ou não tentativa de golpe. Isso é fato. O que se discute é a autoria”.

Moraes repetiu pelo menos 21 vezes ao longo do voto: Bolsonaro era o líder da organização criminosa. Sua imagem aparecia em destaque nos slides projetados no plenário. “O réu Jair Messias Bolsonaro deu sequência a essa estratégia golpista estruturada pela organização criminosa, sob a sua liderança, para já colocar em dúvida o resultado das futuras eleições, sempre com a finalidade de obstruir o funcionamento da Justiça Eleitoral, atentar contra o Poder Judiciário e garantir a manutenção do seu grupo político no poder”.

O ministro destacou que a trama não começou no dia da invasão às sedes dos Três Poderes, mas em discursos e atos públicos desde 2021, quando Bolsonaro afirmou que só deixaria o poder “morto, preso ou com a vitória”.

Moraes citou a minuta golpista encontrada na agenda do general Augusto Heleno, descrevendo-a como um roteiro explícito de ruptura. Relembrou a reunião ministerial de julho de 2022, que classificou como uma “confissão coletiva de golpe”, e o encontro com embaixadores em que Bolsonaro atacou o sistema eleitoral diante de diplomatas estrangeiros.

Também detalhou a tentativa frustrada de explosão no Aeroporto de Brasília, que, se consumada, poderia ter matado centenas de pessoas. “Não se trata de fantasia ou paranoia. Foram atos reais, planejados e articulados”, sublinhou.

Um dos momentos mais duros do voto do ministro Alexandre foi a análise do chamado Plano Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato de autoridades, entre elas o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes. “Isso não foi impresso em uma gruta ou em um porão de terroristas. Foi impresso no Palácio do Planalto”, afirmou.

Ironizando a versão defensiva, acrescentou: “É ridicularizar a inteligência do tribunal dizer que se imprimiu esse plano para fazer barquinhos de papel”.

Para Moraes, o golpe só não se consumou porque foi contido a tempo. Mas a utilização da máquina pública foi inequívoca. Ele lembrou que Bolsonaro atrasou a divulgação do relatório das Forças Armadas sobre as urnas, usando a estrutura militar para manter a narrativa de fraude.

O relator também classificou como “acintosa” a atuação da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno das eleições, quando operações dificultaram o acesso de eleitores às urnas no Nordeste.

Ao tratar de mensagens entre Bolsonaro e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, Moraes foi categórico: “Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro. Isso é uma mensagem do diretor da Abin para o então presidente da República”. O conteúdo das conversas, usado em lives oficiais, reforçou a tentativa de desacreditar as urnas.

O relator também rebateu críticas às delações, especialmente a de Mauro Cid. “São oito depoimentos sobre fatos diversos, não contraditórios. Alegar o contrário beira a litigância de má-fé. O juiz não é uma samambaia jurídica”.

FLÁVIO DINO: SEM ANISTIA, SEM RELATIVIZAÇÃO 

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Foto: Rosinei Coutinho/STF

O ministro Flávio Dino acompanhou Moraes na condenação de todos os réus, mas diferenciou os graus de participação de Augusto Heleno, Alexandre Ramagem e Paulo Sérgio Nogueira. Para Dino, eles tiveram atuação de “menor importância”, ainda que inserida na engrenagem golpista.

Ele foi direto ao ponto sobre a pauta da anistia: chamou projetos nesse sentido de “no mínimo pornográficos” e lembrou que crimes contra o Estado Democrático de Direito são imprescritíveis e não podem ser objeto de indulto ou perdão.

Dino também criticou a intimidação digital e pressões externas: “Me espanto com alguém imaginar que alguém chega ao Supremo e vai se intimidar com um tuíte. Será que alguém acredita que um cartão de crédito ou o Mickey vão mudar um julgamento no Supremo?”

Rebatendo a tese de que atos preparatórios não configuram crime, Dino foi claro: “O nome do plano não era Bíblia Verde e Amarela, era Punhal Verde e Amarelo. Os acampamentos não foram em portas de igreja, foram em portas de quartéis. Se reza nos quartéis é a fuzis, metralhadoras e tanques”.

Para ele, a Justiça não pode ser torcida organizada: “Quando o árbitro marca pênalti para o meu time, é um herói; quando marca para o outro, é o pior. Mas o árbitro é o mesmo e as regras são as mesmas”.

CÁRMEN LÚCIA: O VOTO DECISIVO

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Brasília (DF), 11/09/2025 – A ministra Cármen Lúcia durante sessão na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que realiza o quinto dia de julgamento dos réus do Núcleo 1 da trama golpista, formado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A maioria para condenar os 7 réus foi formada, por algum desígnio da história, com o voto de uma mulher, a ministra Cármen Lúcia, neste emblemático 11 de setembro.  Em sua manifestação, a ministra disse que o julgamento da trama golpista remete ao passado do Brasil, com rupturas institucionais. 

“O que há de inédito nesta ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro na área das políticas públicas dos órgãos de Estado”, afirmou.

Em seu voto, a ministra destacou que Bolsonaro e os demais réus não podem questionar a legitimidade da Lei 14.197/21, norma que definiu os crimes contra a democracia e que foi usada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para basear a acusação.  

A norma foi sancionada pelo ex-presidente e pelos réus Anderson Torres, Braga Netto e Augusto Heleno, ex-integrantes do governo. “Não é apenas legitima [a lei], como ainda não se pode dizer que se desconhecia que tentaram atentar contra a democracia. Quatro dos oito réus são exatamente os autores, os que têm a autoria do autógrafo”, disse. 

Cármen Lúcia destacou que a Procuradoria-Geral da República reuniu provas consistentes de que o ex-presidente comandou um grupo formado por integrantes do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, responsável por um plano sistemático de ataque à democracia. “No caso, de organização criminosa que buscava o poder, que queria atingir e sequestrar a alma da República, impedindo a validade do processo eleitoral, isso é muito mais grave e muito mais espalhado na sociedade”.

Segundo o voto da ministra, os atos golpistas foram fruto de um “conjunto de acontecimentos” contra a democracia:  “O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear”. Cármen Lúcia afirmou ainda que há “prova cabal” da participação do ex-presidente e dos demais acusados em uma “empreitada criminosa”. 

“A procuradoria fez prova cabal de que o grupo liderado [pelo ex-presidente, composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas, com a finalidade de prejudicar a alternância legitima de poder nas eleições de 2022, minar o exercício dos demais poderes constituídos, especialmente o Poder Judiciário”, concluiu a ministra. 

O voto da ministra Cármen Lúcia é visto como um marco no julgamento, ao reafirmar que a lei é igual para todos e que o Brasil não pode tolerar ataques contra sua democracia.

ZANIN:  CONTA FECHADA 

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Foto: Rosinei Coutinho/STF

Ao votar para condenar o ex-presidente inelegível e os outros sete réus na trama golpista, o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, afirmou que uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente tentou dar um golpe após a eleição de 2022. 

Com a manifestação, Zanin sentenciou sete acusados pelos cinco crimes atribuídos pela Procuradoria-Geral da República (PGR): tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. 

A exceção é o deputado Alexandre Ramagem, que não responde por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

De acordo com Zanin, as provas da Polícia Federal demonstram que o grupo atuou de forma articulada para “romper o Estado Democrático de Direito, valendo-se diretamente da intenção expressa de uso das Forças Armadas”. O ministro disse, ainda, que o ex-presidente Jair era o maior beneficiário das ações da organização criminosa. 

Em seu voto, Zanin negou as alegações de cerceamento de defesa e afirmou que todo o material probatório havia sido liberado para análise dos advogados: “Não há negativa de que foi disponibilizado todo o material probatório. Ao contrário, se houve alguma dificuldade de manipulação dos dados, caberia aos advogados buscarem auxílio técnico”. 

Zanin considerou que não houve vício ou atos que pudessem configurar suspeição do relator, ministro Alexandre de Moraes, por ter feito mais perguntas que os demais. Segundo Zanin, a legislação processual permite que o magistrado atue na condução de depoimentos e interrogatórios, inclusive com questionamentos aos réus.


FUX: O DIVERGENTE VOTO DA VERGONHA

Optamos por não comentar o voto do ministro Luiz Fux, que absolveu o ex-presidente e mais cinco aliados e votou pela condenação de seus subordinados, Mauro Cid e Braga Netto, pelo crime de abolição do Estado Democrático de Direito. Há plena informação e uma quantidade sem fim de análises nas redes sociais. Nós passamos. 

OS VOTOS E A DOSIMETRIA DAS PENAS

RÉU Alexandre de Moraes Flávio Dino Luiz Fux Cármen Lúcia Cristiano Zanin PENA
Jair Bolsonaro Condenado Condenado Absolvido Condenado Condenado 27 anos e 3 meses e 124 dias-multa
Walter Braga Netto Condenado Condenado Condenado Condenado Condenado 26 anos e 100 dias-multa
Almir Garnier Condenado Condenado Absolvido Condenado Condenado 24 anos e 100 dias-multa
Anderson Torres Condenado Condenado Absolvido Condenado Condenado 24 anos, 100 dias-multa e perda do cargo de delegado da Polícia Federal.
Augusto Heleno Condenado Condenado Absolvido Condenado Condenado 21 anos e 84 dias-multa
Paulo Sérgio Nogueira Condenado Condenado Absolvido Condenado Condenado 19 anos e 84 dias-multa
Alexandre Ramagem Condenado Condenado Absolvido Condenado Condenado 16 anos, 1 mês e 15 dias e 50 dias-multa, com perda do mandato de deputado federal e do cargo de delegado da Polícia Federal.
Mauro Cid (delator) Condenado Condenado Condenado Condenado Condenado 2 anos 

Fonte: STF 

Além dos 27 anos e três meses para o chefe da tentativa de golpe, as penas aplicadas aos demais réus dimensionam o alcance da decisão do Supremo Tribunal Federal. 

 Walter Braga Netto, condenado a 26 anos de prisão, e Anderson Torres e Almir Garnier, com 24 anos cada, receberam as maiores punições depois do ex-presidente, evidenciando a participação ativa de militares e do aparato de segurança na conspiração. Torres perde também o cargo de delegado da Polícia Federal.

Augusto Heleno foi sentenciado a 21 anos, confirmando o envolvimento de uma das figuras mais próximas ao ex-presidente. 

Já o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira recebeu 19 anos, enquanto Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e hoje deputado federal, foi condenado a 16 anos, 1 mês e 15 dias, com a perda do mandato e do cargo de delegado da Polícia Federal. 

Todas essas penas privativas de liberdade foram definidas com regime inicial fechado. 

Mauro Cid, em consequência do acordo de delação premiada, teve a pena menor, 2 anos, em regime aberto, com devolução de bens e valores apreendidos e extensão do acordo a seu pai, esposa e filha maior de idade.

Ademais, conforme a lei da Ficha Limpa, condenados por órgão colegiado ficam impedidos de disputar eleições por oito anos após o cumprimento da pena, situação que atinge os oito réus condenados pela Primeira Turma do STF. 

AS CONSEQUÊNCIAS DO JULGAMENTO 

Essas condenações vão além da prisão. Especialistas em direito militar lembram que, em caso de penas superiores a dois anos, os réus militares podem perder patentes. O processo envolve trâmites em Conselhos de Justificação das Forças, mas o efeito político é imediato: o Brasil pode assistir à primeira perda formal de postos militares de alta patente por crimes contra a democracia.

Com sentença decretada no mesmo ano em que a redemocratização completa 40 anos, Cármen Lúcia verbalizou, ao votar, que o julgamento ultrapassa o campo jurídico. A ministra lembrou que o país carrega um melancólico histórico de incidentes antidemocráticos e advertiu para a necessidade de proteger as instituições diante de sucessivas tentativas de ruptura.

A responsabilização do ex-presidente pelo STF aponta para um Brasil menos resignado diante de ataques contra a democracia. Ao longo da história, golpes de Estado, conspirações militares e rupturas institucionais encontraram terreno fértil na passividade nacional e na falta de punição dos seus artífices.

Dessa vez, porém, o tribunal sinalizou que não há espaço para tolerar a subversão das urnas e a tentativa de instalar o arbítrio, em um julgamento que também redefine o futuro do bolsonarismo. O principal réu, que   já estava inelegível até 2030, entra para a história como o primeiro ex-presidente condenado por tentativa de golpe.

Para analistas, a responsabilização rompe um ciclo de impunidade que atravessou gerações, do golpe de 1964 aos atentados do Riocentro em 1981, ponto de vista contemplado no voto do ministro Flávio Dino, que afastou as acusações de arbitrariedade dirigidas ao Supremo: “Estamos aqui fazendo o que nos cabe, cumprindo nosso dever. Isso não é ativismo judicial, não é tirania, não é ditadura. Pelo contrário, é a afirmação da democracia que o Brasil construiu”.

zezeZezé Weiss – Jornalista, editora da Revista Xapuri. Com informações (incluindo frases e textos) das seguintes fontes:

 

 

 

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/segundo-a-votar-ministro-flavio-dino-defende-condenacao-de-reus-por-tentativa-de-golpe/

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-09/carmen-lucia-forma-maioria-pela-condenacao-de-bolsonaro-e-aliados

https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2025/09/11/julgamento-voto-de-carmen-lucia-consolida-maioria-para-condenacao-de-bolsonaro/

https://www.poder360.com.br/poder-justica/zanin-vota-para-condenar-bolsonaro-e-7-reus-por-golpe-de-estado/

https://www.cartacapital.com.br/mundo/julgamento-historico-imprensa-europeia-reage-a-condenacao-de-bolsonaro/

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/condenacao-de-bolsonaro-por-plano-de-golpe-repercute-na-imprensa-mundial/

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Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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