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CERRADO: IDEIAS PARA UMA HISTÓRIA

CERRADO: IDEIAS PARA UMA HISTÓRIA

Cerrado: ideias para uma história

A região dos cerrados é um ponto de encontro entre a Amazônia, o Nordeste e o Sul. O planalto, revestido de cerrado, é recortado pelos rios das três grandes bacias brasileiras (do Amazonas, do Paraná e do São Francisco), acompanhadas de matas de galeria, ora mais ora menos largas.

Por Altair Sales Barbosa

No encontro dos rios das três bacias formou-se uma extensão maior de floresta, conhecida como Mato Grosso de Goiás. As áreas de matas oferecem solos para cultivos, a serem instalados no começo das chuvas de verão; o Cerrado é muito rico em caça e em grandes e variados frutos que podem complementar a agricultura no começo das chuvas; os rios proporcionam muito peixe no começo da seca.

Muito antes dos horticultores ceramistas, os caçadores/coletores pré-cerâmicos se haviam esparramado pelo território, utilizando os recursos de acordo com suas necessidades e com sua tecnologia. Não se tem ainda nenhuma ideia de quando e como se instalaram os cultivos.

Aparentemente eles não surgiram nesta área, porque as diversas tradições tecnológicas até agora estudadas pertencem a horizontes mais amplos e as datas mais altas para horticultores já instalados se encontram fora da região.

Faz exceção a Tradição Uru, até agora só conhecida no oeste de Goiás, mas que certamente ultrapassa os seus limites em direção ao Mato Grosso, ainda não pesquisado.

Os cultivos poderiam ter chegado através da migração de grupos horticultores, ou pela aculturação dos caçadores/coletores anteriormente aí presentes, que os poderiam ter recebido de vizinhos. É possível que ambos os fenômenos tenham ocorrido.

Certamente não se pode mais resumir todo o jogo do povoamento em deslocamentos de grupos já prontos, porque sobra a pergunta: onde eles se formaram? Certamente, como nas outras áreas do mundo, os sistemas agrícolas desenvolvidos por populações indígenas, como as de Goiás, são o resultado final de um longo processo de experimentação, de coleta, cultivo e domesticação, desenvolvimento e empréstimo de técnicas de um ajustamento da sociedade.

Talvez a transição do período úmido e quente do altitermal para um período mais seco e ameno fosse a ocasião de povoamento.

O fato é que, àquela altura, no centro do Brasil ainda se desconhece por completo todo o processo, e depois dos caçadores se encontram de repente, em grupos já formados, os horticultores ceramistas num tempo em que o ambiente supostamente já era o atual. O mais antigo até agora detectado é o da Fase Pindorama, supostamente horticultor, que já tem cerâmica ao menos desde 500 a.C.

Depois aparece a Tradição Aratu/Sapucaí, a Una, a Uru e a Tupi-guarani.

As diferentes Tradições (cerâmicas) de horticultores exploram ambientes e cultivos diversos.

A Tradição Una coloniza vales enfurnados, geralmente pouco férteis, com predominância de cerrados, usando como habitação os abrigos e grutas naturais, e como economia uma forte associação de cultivos, onde predomina o milho, com a caça e com a coleta.

Imagina-se que a população se distribuía em pequenas sociedades, mais aptas para explorar os recursos diversificados que poderiam alcançar do seu ponto de instalação: o rio próximo, a pequena mata de galeria, o cerrado e muitas vezes o campo no alto do chapadão.

Os primeiros aldeões conhecidos são os da Tradição Aratu/Sapucaí.

Seu domínio são os contrafortes baixos das serras do centro-sul e leste de Goiás, especialmente as áreas férteis e mais florestadas do Mato Grosso de Goiás, onde podem instalar uma economia mais fortemente dependente de cultivos, mas provavelmente explorando os frutos do Cerrado, a caça e a pesca.

Sua população é numerosa e nenhum outro grupo conseguiu infiltrar-se no seu território, que por seus recursos deveria ser muito ambicionado.

Suas aldeias populosas poderiam permanecer longamente no mesmo lugar e quando era desejado poderiam se deslocar para um espaço próximo, porque o território era fértil e estava sob domínio.

Também o sistema de cultivo baseado em tubérculos e provavelmente no milho pôde resistir aos avanços dos grupos mandioqueiros da Tradição Uru e Tupi-guarani.

A Tradição Uru chega mais tarde e domina o centro-oeste do estado. Avançando ao longo dos rios, ocupa terrenos mais baixos, provavelmente de pouca utilidade para os aldeões ali antes instalados, mas importante para eles por causa da locomoção e principalmente da pesca.

Dessa forma se criou entre os dois grupos uma fronteira bastante estável, mas talvez não sempre pacífica, onde aparentemente a Tradição Aratu é mais receptiva, aceitando elementos tecnológicos selecionados, entre os quais não está a mandioca e seu processo de transformação, aceito apenas em locais restritos.

A Tradição Tupi-guarani parece a mais recente das populações de aldeias, tendo um certo domínio sobre o vale do Paranaíba e, a partir do rio, acompanha os afluentes, indo acampar nos abrigos anteriormente habitados pela Tradição Uru.

Também há aldeias dispersas na bacia do Alto Araguaia, mas aparentemente sem muita autonomia, convivendo às vezes na mesma aldeia com grupos horticultores de outras Tradições.

O Tupi-guarani da bacia do Tocantins tem aldeias ainda mais dispersas e, recentemente, como se realmente fosse, tal qual se imagina, populações vindas já no período colonial e que ali enfrentariam não os demais índios aldeões já instalados, mas também os colonizadores brancos que os teriam trazido.

Se a Tradição Uru e Tradição Tupi-guarani, mandioqueiros, parecem mais próximos às culturas amazônicas, embora talvez não tenham procedência imediata de lá, a Tradição Aratu/Sapucaí faz parte de uma Tradição mais de centro-nordeste.

A Tradição Una, com menos domínio sobre áreas abertas, antes disputadas, se comprime numa faixa entre estes e as populações coletoras-cultivadoras do planalto meridional, conhecidas por suas aldeias de casas subterrâneas.

Não obstante esta sua posição marginal, é nela, fora da Amazônia, que estão as datas mais antigas para a cerâmica; talvez seja ela uma forma de cultura anterior ao desenvolvimento dos aldeões e, quem sabe, a origem deles.

Talvez, exceto o Tupi-guarani, as outras Tradições viveram no território durante séculos sem muita movimentação, como numa terra que era deles – entre 70 e 100 gerações de horticultores sem maiores mudanças, a não ser as normais adaptações de fronteiras, onde populações mais antigas aceitem novas tecnologias recém-vindas.

Isso até o dia em que irromperam na área, em grandes destacamentos armados, homens diferentes, não interessados em plantar, colher e caçar, nem em construir aldeias entre o Cerrado e a mata, ou à beira da lagoa ou do rio. Queriam levar gente, pedras brilhantes e ouro. Para muito longe. Meados do século XVII.

Era o caos. As roças pilhadas, as aldeias demolidas, as mulheres violentadas, as terras de cultivo invadidas, as pessoas morrendo de doenças desconhecidas. A guerra foi a solução ditada pelo desespero. A derrota leva a aldeamento, a desmoralização, a extinção ou a fuga, as consequências.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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