Brumadinho: Lucro acima de tudo, lama acima de todos

Brumadinho: Lucro acima de tudo, lama acima de todos

Da: Carta Capital –

O desastre da Vale em Brumadinho foi uma tragédia anunciada. Em dois sentidos: primeiro porque o lobby das mineradoras barra legislação para evitar o pior. Segundo, em um sentido mais profundo, porque tragédias ambientais são da lógica do , principalmente depois das reformas neoliberais que mudaram o mundo desde os anos 1980.

O desastre com a barragem da Samarco em (MG) em novembro de 2015 também é responsabilidade da Vale. A Samarco é um joint venture da Vale com a anglo-australiana BHP Billiton. A última era a maior empresa de mineração do mundo em 2013, perdendo a posição para outra anglo-australiana (a Rio Tinto), que por sua vez teria perdido a posição para a Vale há duas semanas.

Depois do desastre em Mariana, a comoção levou a promessas de mudança de conduta por parte da empresa, de um lado, e de dureza na legislação e na fiscalização, de outro. As promessas foram vãs, pois as mineradoras financiaram lobby para barrar reformas protetoras do meio-ambiente.

Um projeto com regras severas de licenciamento ambiental para novas barragens e fiscalização mais dura das existentes está paralisado na Assembleia Legislativa de há um ano. O projeto aumentava o custo das mineradoras, tanto por aumentar investimento em prevenção quanto exigir a formação de um fundo para danos futuros.

Foi vetado pelos deputados Tadeu Martins (MDB), Gil Pereira (PP) e Thiago Cota (MDB). O último afirmou à BBC Brasil que o projeto “inviabilizaria a mineração em Minas Gerais… não teríamos mais como sonhar com o retorno da Samarco. Isso seria terrível para Mariana, Ouro Preto e toda uma região.”

O lobby das mineradoras também barrou projeto no Senado que aumentava a fiscalização, as exigências de e as punições por não cumpri-las. Também exigia a contratação de seguro ou garantia financeira para cobertura de danos. A exigência de seguro complementaria a fiscalização pública com a avaliação da seguradora privada.

Enquanto o projeto do Senado foi arquivado em 2018, três projetos da Câmara de Deputados estão parados desde 2016. No Ministério Público, a cobrança no valor de R$ 155 bilhões contra a Samarco está suspensa por conta de negociações com a empresa, que quer diminuir o valor.

A contra a indenização pelo desastre de Brumadinho já começou. Na segunda-feira o advogado da Vale, Sérgio Bermudes, afirmou que a empresa “não enxerga razões determinantes de sua responsabilidade” no estouro da barragem. A repercussão negativa levou a empresa a desautorizá-lo, mas ele já pediu à Justiça mineira o fim do bloqueio de R$ 11 bilhões para indenizações.

A Vale também é conhecida por lutar contra impostos. Como outras empresas, pratica elisão fiscal através de preços de transferência: exporta para uma coligada em um paraíso fiscal, que depois revende pelo preço de mercado. Assim, não recolhe tributos devidos no Brasil (nem no paraíso fiscal).

Sem limitar-se à Vale, um estudo do economista Guilherme Morlin atestou uma diferença sistemática entre o preço do minério de ferro exportado pelo Brasil e a cotação internacional de mercado entre 2009 e 2015. A depender da base de dados, o subfaturamento totalizou algo entre US$ 39 e 49 bilhões entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2015. Mais de 80% das exportações brasileiras de ferro foram adquiridas por empresas sediadas na Suíça, um ponto de revenda que só se justifica por ser conhecido paraíso fiscal.

A perda de arrecadação tributária foi estimada em nada menos que US$ 12,5 bilhões apenas em impostos sobre os lucros, sem contar rendimentos financeiros e a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais). Outro estudo do INESC calculou que a Vale pagou 40% a menos do que o devido CFEM em 2013.

Para dizer o mínimo, a Vale não devolve o que deveria para a coletividade que a abriga. A empresa é uma expressão perfeita do capitalismo neoliberal. A concorrência impõe a lógica do capitalismo sobre cada empresa: reduzir custos por todos os meios e se apropriar gratuitamente de recursos coletivos e naturais não renováveis até seu esgotamento. Já o exalta a empresa e deslegitima o poder público que poderia impor regras e custos para as empresas.

Muitas empresas não têm compromisso nacional e preferem se deslocar para territórios com menores custos tributários, trabalhistas, ambientais ou regulatórios. Quando não podem, seus lobistas, políticos, advogados, intelectuais e publicitários procuram recriar condições “mais livres” em suas próprias sedes usando os argumentos neoliberais de sempre.

A má notícia para os brasileiros é que a melhor expressão mundial da pulsão neoliberal talvez seja Jair Bolsonaro, para quem a do empresário é difícil por causa das leis trabalhistas, dos impostos e das normas ambientais (a “indústria da multa”).

A notícia pior é que o novo desastre da Vale é fichinha diante dos desastres que serão produzidos pelo , produto maior daquilo que nosso presidente chamou de “dejeitos” da atividade econômica. Apesar de Brumadinho, o mais provável é que Bolsonaro continue considerando o combate à degradação ambiental e à um complô do “marxismo cultural” contra o capitalismo.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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