Mês das mulheres: as águas de março

Mês das muheres: as águas de março

Por: ISPN

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Além de celebrar a pela igualdade de gênero, março também marca o Dia Mundial da Água. Unimos essas temáticas para falar sobre a trajetória das mulheres rurais e suas conexões com os recursos hídricos.

A relação das mulheres do campo com as águas é um ciclo de trocas: ao mesmo tempo que esse recurso provê , alimentos e condições de vida dignas para as agricultoras, elas se revelam importantes agentes para a proteção dessa riqueza cada vez mais escassa no Brasil e no mundo. Com experiências de reaproveitamento e proteção das águas, além da promoção da agroecologia para a conservação, as mulheres do campo mostram que as dinâmicas sociais de são enfrentadas por meio do seu emponderamento político, econômico e produtivo, que sustentam a promessa de água e de vida.

Antes de tudo: a hídricaMulheres aguas demar%C3%A7o peter caton ispnPlantio de Monocultura. Foto: Acervo ISPN/Peter Caton

No Brasil, há diversos fatores que ocasionam a falta de água para o consumo e a produção, que afeta, primeiro e principalmente, o campo. Os grandes cultivos de monoculturas, como o eucalipto e a soja, em geral causam severos impactos na zona rural. Eles aceleram o desmatamento, que contribui diretamente para mudanças no clima e altera as frequências de chuvas. Um lugar que antes garantia períodos chuvosos regulares, hoje vê a diminuição. Além disso, há a problemática das crescentes privatizações de corpos d’água no país que, muitas vezes, restringe à uma determinada população rural o acesso à água, direito humano fundamental.

Indo para o âmbito internacional, o relatório especial do Painel Intergovernamental das , das Nações Unidas, divulgado ano passado, mostrou que, se a temperatura global subir mais de 1,5°C, cerca de 350 milhões de pessoas em todo o mundo ficarão expostas a períodos de seca por, mais ou menos, 40 anos. Além do desmatamento, outros fatores contribuem para esse fenômeno, como a queima de combustíveis fósseis (derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural) para geração de energia, atividades industriais e transportes; conversão do uso do solo; agropecuária e descarte de . Estas atividades emitem grande quantidade de CO² e de gases formadores do efeito estufa, principal causador do aumento da temperatura na Terra.

As experiências de vida para as águas

Mulheres agua cinza ispnÁgua cinza é a que vem das atividades domésticas, como lavar louça, roupa e tomar banho. No sistema que faz seu reuso, ela passa por processos de filtragem e, na produção rural, pode ser usada para irrigar frutas e hortaliças. Foto: Acervo ISPN

O município de Solidão é localizado no sertão pernambucano, no bioma Caatinga, onde o clima Semiárido é caracterizado por chuvas irregulares e longos períodos de estiagem. As mulheres sertanejas vêm em uma crescente articulação para garantir políticas e projetos que geram mudanças significativas para suas comunidades no sentido do acesso aos recursos hídricos.

Uma das iniciativas desenvolvidas no município é o projeto Reuso da Água Cinza, sistema implementado pela ONG Casa da do Nordeste entre 2017 e 2018, com recursos do PPP-ECOS. O projeto garantiu que 44 mulheres tivessem acesso à tecnologia e as capacitou para o repasse da construção do sistema, potencializando esse recurso na Caatinga.

O reuso da água cinza vem sendo suficiente para aumentar a irrigação nas plantações e garantir mais autonomia para as mulheres. A agricultora Maria Celeste Galdino já percebe o empoderamento que o mecanismo vem gerando. “Quero plantar bastante pé de mamão, maracujá e goiaba. Dobrar minha produção. O reuso da água vem me dando mais independência financeira, meu marido fica fora, e eu sou responsável pela roça e pela casa. Não quero depender mais do dinheiro dele”, explica Celeste.

Zilda Simões, uma das primeiras a receber o sistema em Solidão, também percebe as transformações em seu cotidiano. Se antes sua função nas plantações era auxiliar o marido, agora, os papéis se inverteram. Ela aumentou sua produção e recebe apoio do companheiro não só no roçado, mas também dentro de casa. Zilda caminha para estabelecer uma dinâmica de trabalho doméstico igualitário. Além disso, por meio do aumento produtivo, vindo da maior disponibilidade de água, já consegue se sustentar sozinha.

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A Agrofloresta combina vegetações e cultivos variados para consumo e comercialização. Essa diversidade garante maior aproveitamento dos recursos naturais, como solo, água e luz. Foto: Acervo pessoal de Roberta Alves

Além do sistema com a água cinza, as mulheres sertanejas, historicamente, lutam e conquistam, por meio da inserção nos espaços públicos,políticas de Convivência com o Semiárido, como a implementação de cisternas. Elas garantem o armazenamento da água da chuva para períodos de estiagem, permitindo o consumo humano e a produção em de seca. A água captada nas cisternas tem boa qualidade, o que diminui o número de e poupa as mulheres de caminharem grandes distâncias em busca de água.

“Água para gente é mais que vida, é vida com dignidade”, conta Zilda.

Enquanto no Sertão pernambucano encontramos a otimização da utilização da água feita pelas mulheres, no Cerrado mineiro nos deparamos com a luta das trabalhadoras rurais para proteger as nascentes. Agricultora familiar e geraizeira, Maria Lúcia de Oliveira vive na comunidade Água Boa, em Rio Pardo de Minas (MG). Com pequenas nascentes no entorno de sua região, Dona Lúcia e as mulheres de sua comunidade desenvolveram um sentimento protetor em relação às águas. Tanto que em 2013, quando um empresário local comprou a área das nascentes, elas se mobilizaram e se autodenominaram “guardiães das nascentes”.

“As mulheres foram para frente das máquinas, dos policiais, debatiam e dialogavam, mas não desistiam”, conta Dona Lúcia. O empresariado, além de negar o acesso às nascentes, iniciou um processo de desmatamento. Das 12 fontes de água que cercavam a região, as mulheres salvaram cinco depois de dois anos de luta. Elas temiam que o mesmo processo degradador que vinha acontecendo no entorno chegasse à comunidade. “Muitos desses empresários começaram a desenvolver monoculturas em regiões próximas, o que desgastou o meio ambiente e ocasionou desequilíbrios. Regiões que tinham água suficiente, hoje não possuem mais”, conta.

No momento mais crítico desta jornada, as agricultoras puxaram uma greve de fome e de sede de 36 horas em Brasília em 2014. Elas mobilizaram parceiros da sociedade civil e fizeram pressão até que o então poder público as recebesse para dar rumo à situação. “Tinham pessoas de outras regiões nos apoiando, além de indígenas, quilombolas, professores universitários, sindicatos e mais. Foi um intenso processo que resultou na vitória”, conta Lúcia.

Assim como as mulheres de Solidão, Dona Lúcia e suas companheiras possuem cisternas nos terrenos e também fazem sistemas de economia. “A mesma água que enxaguamos roupa usamos para lavar a casa e irrigar algumas plantas”, explica. Além disso, elas trabalham na perspectiva da agroecologia, com agroflorestas que contribuem para o enriquecimento do solo, garantindo saúde ambiental. Unindo a proteção das nascentes com o sistema de economia de água e a agroecologia, Dona Lúcia nos conta que esse bem está sempre disponível e elas permanecerão atentas para ele não acabar.

“Pela água a gente faz tudo, enfrentamos qualquer consequência para proteger nossas nascentes”, finaliza Dona Lúcia.

Agroecologia para o nascer das águas e conquista do espaço político

“Hoje em dia, a preocupação maior é cultivar a água, ao invés de cultivar a terra. Antes de chegar a preocupação com a água, é preciso olhar a qualidade e o preparo do solo, ele é quem garante a água depois”. No Vale do Jequitinhonha, a agricultora e quilombola Roberta Alves nos explica um princípio agroecológico fundamental para a manutenção dos recursos hídricos. Ela defende a agroecologia como forma de manter a vida e a água no terreno e “muitas vezes, são as mulheres que estão à frente dessa prática”, diz.

“As agricultoras criam um microclima, um microambiente, fazem a cobertura morta no solo para reter a água na terra, reutilizam a água, inclusive a doméstica [como a água cinza]”, pontua. Essas mesmas práticas de produção desenvolvidas pelas mulheres sertanejas e pelas “guardiãs das nascentes”, segundo Roberta, precisam ser defendidas diante das práticas que degradam o solo e, em consequência, o meio ambiente, como os monocultivos.

Segundo Alves, é nesse contexto que as mulheres começam a ter mais espaço, o que gera um empoderamento político e social. A partir dessas experiências, percebe-se transformações nas próprias estruturas sociais.

“A partir do momento que elas assumem essas lutas, colocando sua figura de forma mais imponente, elas começam a ganhar mais espaço em grupos e associações, porque cultivar hoje em dia exige essa articulação social, o empoderamento político, esse conhecimento sobre o que vem acontecendo para defender seu espaço e seus direitos”, conta Roberta.

Com o fenômeno das Mudanças Climáticas, as experiências dessas mulheres passam a despertar interesse por serem exemplos de convivência com a seca e luta pela garantia de água. Se de um lado, grandes empreendimentos e desenvolvimentos agrícolas desordenados ameaçam as condições climáticas e a disponibilidade dos recursos hídricos, de outro, as mulheres do campo ensinam que é preciso valorizar e garantir esse direito básico, essa promessa de vida.

Dia Internacional da Mulher

Celebrado em 08 de março, o Dia Internacional da Mulher vem ganhando dimensões cada vez mais relevantes e, assim, ao invés de um único dia, os movimentos em defesa dos direitos das mulheres e pelo fim da violência de gênero fazem ações para marcar a data durante todo o mês de março. Com diversas versões sobre sua , estima-se que a data tenha surgido no início do século XX. Com o canto de vários movimentos – “sozinha eu ando bem, mas com vocês ando melhor” –  o 8 de março consolida a importância do fortalecimento coletivo entre mulheres.

Dia Mundial da Água

Criada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 21 de fevereiro de 1993, essa data vem para conscientizar sociedade, empresas e governos sobre a importância ecológica e social da água e, com isso, salientar a urgência em preservá-la e diminuir os índices de poluição que afetam o acesso e consumo desse bem. Mesmo sendo um direito humano fundamental, segundo a Organização das Nações Unidas no Brasil (ONU Brasil), cerca de 2 bilhões de pessoas não têm acesso à água de qualidade, uma problemática social ainda não superada no século XXI.

Fonte: ISPN – Mês das mulheres: as águas de março

TFCA - Tropical Forest Conservation ActFundo AmazôniaPNUD - Programa das Na��es Unidas para o DesenvolvimentoGEF

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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