Raoni e Angela Mendes e a Aliança dos Povos da Floresta
Raoni e Ângela Mendes, filha de Chico Mendes, anunciam ‘Aliança dos Povos da Floresta’ contra ameaças do governo
O Encontro Mebengokré – convocado pelo cacique Raoni e organizado pelo Instituto Raoni e diversos parceiros não governamentais, em uma aldeia kayapó, no Xingu, durante quatro dias – reúne mais de 450 indígenas de 47 etnias de diversos estados, mas também ribeirinhos, seringueiros e outros povos que vivem na mata e garantem sua preservação.
O encontro termina hoje, 17/1, com a divulgação de uma carta aberta, que será encaminhada ao Congresso e ao Ministério Público. Mas, já no segundo dia, 15/1, Ângela Mendes, liderança ambiental e uma das filhas de Chico Mendes (na foto acima, com Raoni), fez uma proposta preciosa, que trouxe ainda mais força para esse documento, que é o objetivo central de tanta mobilização.
Em conversa com Raoni e Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), uma das principais organizações indígenas do país (foto abaixo), Ângela propôs a retomada da Aliança dos Povos da Floresta, idealizada por seu pai e o líder indígena Ailton Krenak entre outros, na década de 80 (em 1989, três meses depois do assassinato de Chico, esses povos se encontraram para fortalecer sua união e homenageá-lo).
E assim foi. Os três anunciaram a criação dessa coalizão para que, a partir de agora, os povos que vivem nas florestas lutem juntos contra as ameaças e os retrocessos promovidos pelo governo Bolsonaro. “Hoje o cenário nos preocupa muito mais do que há 30 anos. Mais do nunca se faz necessária uma grande aliança. Nos juntar, somar nossas forças – minha, como filha de Chico Mendes, que continuo na luta e na defesa do legado dele, dos extrativistas, que lutaram ao lado dele – ao grande legado e à grande história dos povos indígenas”, disse Ângela.
União de forças
Assim, Ângela propôs unificar forças para que possam resistir aos ataques do governo e de seus apoiadores, e declarou de um jeito poético, que quem vive na floresta entende muito bem: “Eles têm o poder e a autoridade do Estado a favor deles, mas nós temos uns aos outros e a força das águas, das florestas e dos nossos ancestrais“.
Júlio Barbosa, líder extrativista e amigo de Chico Mendes (sentado ao lado de Ângela Mendes no canto direito da foto acima), também se manifestou a respeito da importância da Aliança:
“O problema que os povos indígenas enfrentam, hoje, com essa política neoliberal de desmonte do governo federal não é diferente do que estamos passando com as reservas extrativistas. E chegamos à conclusão de que cada um de nós isolado, cuidando da própria casa, não vai conseguir avançar muito com esse sistema político aí instalado”.
E destacou a realidade dos territórios desejados para exploração, que já estão sendo reivindicados para exploração na Câmara dos Deputados: “Temos, hoje, 682 territórios destinados a populações extrativistas e, desses, 350 estão na mesa da Câmara com pedido de desafetamento (redução de áreas) ou até de revogação da criação desses territórios”.
Isto sem falar no Projeto de Lei que o governo prepara para liberar terras indigenas para exploração – mineração, gás e petróleo, agronegócio… – sem que esses povos sejam consultados. Assim que os parlamentares voltarem do recesso, em 1 de fevereiro, Onix Lorenzoni, chefe da Casa Civil, vai envia-lo para o Congresso para votação. União urgente!!!
Aliança, um momento histórico
Para Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), uma das principais organizações indígenas do país, “essa aliança firmada hoje, entre os povos indígenas e o Conselho Nacional de Extrativistas, é um reconhecimento ao legado de Chico Mendes, é um momento histórico para marcar o início do ano de 2020″.
E ela completou: “Nós não vamos deixar barato e não vamos aceitar negociar nossas vidas. E somente juntos – povos indígenas e populações tradicionais e outros movimentos de mulheres, de quilombolas, LGBT, de mulheres da periferia – é que vamos conseguir fortalecer essa unidade na luta”.
Herança dos ancestrais
Idealizada nos anos 1980 para garantir a preservação da Amazônia e a defesa dos territórios, a aliança foi imprescindível para impulsionar a criação das reservas extrativistas, que ajudam a preservar áreas indígenas e a floresta. Também possibilitou a colheita não predatória de castanhas e látex, garantindo o trabalho dos seringueiros.
Agora, o movimento ressurge em novo cenário – mais violento e veloz – e com novos líderes e o apoio das redes digitais. Tem tudo para ajudar a combater a política desenvolvimentista do governo, que ameaça, ataca e visa tomar e aniquilar as terras e as riquezas dos povos tradicionais.
Carta aberta
Desde que foi idealizado, o Encontro Mebengokré tem como objetivo principal produzir um documento – uma carta aberta – como uma resposta dos povos indígenas aos ataques de Bolsonaro. Com a Aliança, essa carta ganha novos contornos, incluindo todos os povos que vivem na floresta.
No primeiro dia, o cacique kayapó declarou que o objetivo do encontro não era o de promover uma guerra contra o governo ou contra os brancos. No dia seguinte, ele confirmou o que já havia dito e destacou a produção de uma carta aberta, que, como comentei no início deste texto, será encaminhada ao Congresso e ao Ministério Público.
“Acho que todo mundo sabe, o Brasil inteiro deveria saber, ele (Bolsonaro) está atacando todo mundo, não só os índios. Ele ataca os índios mais forte ainda… Por isso, eu fiz este encontro e deste encontro vai sair um documento para mandar para fora (da terra indígena), para o Brasil ver o que estamos fazendo, defender a nossa terra. Para ele parar de falar mal da gente”, declarou Raoni no primeiro dia.
“Nós estamos reunidos aqui nesta mobilização para elaborar um documento e eu quero pegar essa equipe, esse grupo de líderes, para levarmos esse documento ao Congresso e eu quero perguntar para ele (Bolsonaro) por que ele está falando mal dos índios”, completou.
Mulheres em caravana
No mesmo dia do anúncio da Aliança dos Povos da Floresta, mulheres indígenas se reuniram para planejar a realização de uma caravana pelos territórios de diversas etnias, este ano.
Seu objetivo é conectar mulheres de todas as regiões do país, conversar e refletir a respeito dos assuntos que lhe são caros para promover e gerar ações e atividades de formação.
Agora, assista ao vídeo produzido pelo DW que apresenta alguns dos principais momentos das declarações de Raoni e de Ângela no segundo dia do Encontro Mebengokré.
Fonte: Conexão Planeta
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