O mundo sem Trump

O mundo sem Trump

Emir Sader avalia o avanço de Trump ter perdido as eleições e com sua derrota cai também a hegemonia norte-americana no mundo e o modelo neoliberal. A vitória do Biden foi a vitória de todas as forças que se uniram, transformando as eleições em referendo contra o Trump

Por Emir Sader

O governo Trump representou um passo significativo no processo de decadência da hegemonia norte-americana no mundo. Esta havia se iniciado com a adoção pelos do modelo neoliberal.

Este, ao contrário do modelo vigente desde o fim da Segunda mundial até o anos 1970, não está centrado em um setor produtivo – o de grandes corporações monopolistas internacionais, de que a indústria automobilística foi a mais importante –, mas tem no capital financeiro seu eixo. Não um capital financeiro que financie a produção, a pesquisa ou o consumo. Mas um capital financeiro que vive da venda e compra de papéis, sem induzir a produção de bens, nem gerar empregos.

É, assim, um modelo sem capacidade hegemônica. Se passou de um ciclo longo expansivo do a um ciclo longo recessivo.

Os Estados Unidos não têm um modelo econômico a propor, como exemplo, com resultados de sucesso. As economias europeias, a do Japão, as latino-americanas, que seguem subservientemente esse modelo, mergulham em longos processos recessivos, com crises sociais profundas e governos com instabilidade política.

A essas dificuldades estruturais se somou o governo Trump que, com o lema de “America First”, retomou a tradição isolacionista de política externa dos Estados Unidos em grande estilo. Abandonou organismos internacionais, abandonou seus aliados históricos europeus, deixou a América Latina sem lugar na sua política externa.

Ao abandonar o Tratado do Pacífico com que os Estados Unidos pretendiam limitar o expansionismo da política externa chinesa, deu de presente toda essa imensa zona para a China, que não demorou a estender a nova Rota da China e consolidou um grande Tratado de Livre Comércio em toda a Asia.

Além de que as posições retrógradas de Trump em relação à pandemia, promovendo o negacionismo, só conseguiu adesão de governos ultra conservadores, entre eles o do Brasil, como único aliado relativamente importante. Mas uma demonstração a mais do desprestigio  norte-americano em escala mundial.

Quando se projetava a vitória de Biden, houve quem subestimou as mudanças que o novo governo poderia introduzir, a ponto de postular que tanto faria a vitória de Trump ou de Biden. Pela critica das posições históricas dos democratas, especialmente seus engajamentos bélicos, assim como do próprio Biden, não captavam a importância da derrota do Trump. Não se davam conta da virada significativa que ele tinha implementado na política interna e externa dos Estados Unidos.

A vitória do Biden foi a vitória de todas as forças que se uniram, transformando as eleições em referendo contra o Trump, fazendo com que Biden tenha sido eleito nem tanto pelo que ele é, mas por ter assumido o papel do anti-Trump.

O que será o mundo sem o Trump? A radicalidade das politicas de Trump bastam para mostrar as diferenças para um governo que simplesmente se propõe a retomar as políticas internas e externas de Obama.

As primeiras medidas anunciadas por Biden já permitem perceber as diferenças, a começar pelo retorno dos Estados Unidos ao , cujo abandono foi tão simbólico da virada na política norte-americana por Trump. Mas também a importância no combate à pandemia, em que a postura de Trump marcou profundamente seu governo e teve peso decisivo na sua derrota eleitoral.

Os aliados tradicionais dos Estados Unidos na Europa já acenam para a retomada das alianças com Washington, Cuba manifesta com benevolência a possibilidade de retomada dos tipos de relação que tinham tido no governo Obama, o México se sente aliviado de não ter a pressão intensa do governo Trump sobre o seu vizinho do Norte.

No polo oposto, o próprio Bolsonaro acusou o golpe, mesmo se finge desconhecer a vitória de Biden. Já fez declarações desencontradas, até mesmo especulando com que talvez nem se candidate à reeleição – seu objetivo político maior.

Mas ele sabe que agora o isolamento internacional do seu governo será enorme, que ele receberá forte pressão do novo governo norte-americano sobre a e sobre os direitos humanos.

O mundo sem Trump será distinto. Os Estados Unidos não deixam de ser a potência imperialista que são, nem renunciarão a seus interesses econômicos e a seu modelo neoliberal. Mas, só em pensar na derrota da alternativa de extrema na maior potência mundial, já dá para nos darmos conta das mudanças.

EmiEmir Saderr Sader – Sociólogo.

 

 

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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