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As Amazonas

As Amazonas

As

Foi Frei Gaspar de Carvajal, cronista da viagem do espanhol Francisco Orellana, o primeiro a percorrer o curso inteiro destas águas. Em 1639, ele registrou a existência das lendárias índias guerreiras, que deram o nome ao rio: as Amazonas.

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A narrativa de Carvajal é minuciosa. Conta que as índias eram “muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido, entrançado e enrolado na cabeça”. Eram muito membrudas, andando nuas em pelo. Valentes, boas de arco e flecha, atacaram os bergamins do Orellana.

Contou mais: “Que entre todas estas há uma senhora que domina, e tem todas as demais debaixo de sua mão e jurisdição, a qual senhora se chama Conhori”.

A tribo de mulheres guerreiras vivia na Serra do Espelho da Lua, no Nhanmundá, afluente do Amazonas.

Na beira do Lago da Lua, cujas águas paradas estão recobertas de pequenas vitórias-régias em flor, converso com um caboclo de fala vagarosa, o antigo sangue luzindo no olhar.

– Desde quando tu ouviste falar nas Amazonas?

– Desde quando sou gente. Eu digo que todo já nasce sabendo delas, das Icamiabas, que é o nome delas mesmo.

– O que é que o povo daqui fala?

– Fala tudo o que elas foram, toda a verdade. Só eram índias fêmeas. Só no 25 de dezembro é que iam lá do outro lado, onde já é o Pará, e de lá traziam os índios. Só os que elas queriam, para fazer o desejo delas, que era só uma vez por ano.

– Os índios vinham forçados?

– Eu digo que só podiam vir achando bom. Quando voltavam, ainda traziam presentes delas, chamados “muiraquitãs”, feitos de pedra verde, que elas faziam com as mãos. Até hoje, de repente, a gente ainda encontra aí pelo chão que era o dela.

– E os filhos, quando nasciam?

– Se fosse filho macho elas entregavam pros pais; só criavam as indiazinhas fêmeas.

– Para onde é que essas índias foram?

– Para que direção eu digo que não sei, não. Mas que foram embora, eu digo que foram. Os brancos não mataram as guerreiras, não. Os homens tinham era muito pavor delas. Os índios, sei que eles foram lá pra cima, num lugar onde fica a primeira cachoeira grande do Nhanmundá.

Thiago de Mello – maior da Amazônia, em Amazonas: Águas, Pássaros, Seres e Milagres. Editora Salamandra, 1998.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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