Salles for sale

Salles for Sale

Salles for Sale

Quando soube da operação contra Salles, Saraiva postou no Twitter o Salmo 96:12, da Bíblia: “Regozijem-se os campos e tudo que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta”…

Por Márcio Santilli

“Excepcional ministro”! Assim reagiu Jair Bolsonaro à deflagração da Operação Akuanduba, pela Polícia Federal, para investigar a exportação ilegal de madeira ilegal (desculpem a redundância) promovida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e outros detentores de funções de confiança da área ambiental federal. A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e não foi informada à Procuradoria-Geral da República, para evitar vazamentos. Bolsonaro elogiou Salles no Palácio do Planalto, logo após a operação, na presença dele e do diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, aparentemente surpreso, mais perdido que cego em tiroteio.

A pedido de Salles e por ordem de Bolsonaro, Maiurino demitiu o delegado Alexandre Saraiva, da Superintendência da PF no Amazonas, por causa da apreensão de milhares de toras de madeira nativa extraídas ilegalmente de áreas públicas. O ministro empenhou-se na exoneração de Saraiva e na liberação da madeira, a pedido da AIMEX, associação dos grandes madeireiros sediada no Pará. No ano passado, Salles e Bim haviam editado um “despacho” para liberar a exportação de madeiras nativas sem comprovação de origem, no bojo das desregulamentações promovidas na área ambiental, para “passar a boiada”, conforme referência feita em reunião ministerial de abril de 2020.

Maiurino é tido como politiqueiro e é visto na corporação como alguém que conspira contra o profissionalismo da atividade policial e flerta com o uso político, ideológico e familiar que Bolsonaro vem fazendo da PF. Embora a operação tenha sido determinada por Moraes, em segredo de Justiça, tem sido lida como resposta da PF ao ato pusilânime do diretor-geral.

É nesse contexto que Maiurino propôs, sexta-feira passada (21), que seja retirada a autonomia dos delegados da PF em investigações que envolvam autoridades com foro privilegiado, cabendo, nesses casos, ao diretor-geral decidir sobre seus rumos, criando dois pesos e duas medidas e acochambrando politicamente as investigações que lhe interessem.

Moscas na sopa

Quando soube da operação contra Salles, Saraiva postou no Twitter o Salmo 96:12, da Bíblia: “Regozijem-se os campos e tudo que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta”. Em seguida, para ressaltar a resistência corporativa à interferência , publicou: “as funções da PF (Art 144, CF) transcendem às pessoas, pois possuem padrões de comportamento recorrentes, valorizados e estáveis”. Em seguida, citou Raul Seixas: “e não adianta nem me dedetizar, porque você mata uma e vem outra em meu lugar…”

Mas a decisão de Alexandre Moraes foi além de autorizar a operação e suspendeu os efeitos do tal “despacho”, com que Bim e Salles liberaram a exportação ilegal. A PF identificou movimentação anormal de dinheiro pelo escritório de advocacia do ministro e quer saber se há conexão com propinas pagas por empresas madeireiras, a título de prestação de serviços jurídicos.

E o pior é que a operação da PF originou-se de uma denúncia vinda dos , decorrente da apreensão pelas autoridades alfandegárias de lá de toras de madeiras nativas sem a devida documentação. Diante disso tudo, é de se perguntar que conceito fica de Salles para os interlocutores norte-americanos, como John Kerry, que negociam acordos sobre a questão climática e a proteção de florestas com o governo brasileiro.

A decisão de Moraes também afastou Bim e diversos outros assessores de confiança dos respectivos cargos, desmontando a burocracia policial recrutada por Salles. Não tem precedente o afastamento de um presidente do Ibama por crime ambiental, com suspeita de . A entropia operacional do órgão, que já era grande, tende a ser total. Na operação, sigilos telefônicos e fiscais foram quebrados e celulares e computadores foram apreendidos, inclusive os do ministro.

Para completar a cena, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou, na sexta-feira, a taxa consolidada oficial de desmatamento na , entre agosto de 2019 e julho de 2020, 9,5% acima do salto de 45% já havido nos 12 meses anteriores. Mais 10,5 mil km2 foram derrubados, além da degradação causada pela extração de madeira. A taxa preliminar já havia sido divulgada no final do ano passado.

Além disso, abril deste ano teve o maior índice de desmatamento para esse mês, desde 2015, conforme o sistema Deter do Inpe, que não é responsável pela taxa oficial, mas apenas serve para subsidiar em quase real operações de fiscalização do Ibama. Os dados disponíveis sobre os últimos meses indicam que a tendência de alta da destruição da floresta prossegue, portanto, desnudando Bolsonaro.

Quem está amando essa é o vice-presidente Hamilton Mourão, escanteado por Bolsonaro da agenda amazônica e preterido na reunião de cúpula sobre mudanças climáticas convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, em abril. Mourão disse que a contundência e a extensão da decisão de Moraes devem significar que ele dispõe de “indícios fortes” contra Salles. Na véspera da operação, Salles insinuou, em entrevista à Revista Exame, que o vice-presidente falhou na condução das operações de fiscalização na Amazônia.

A insolvência socioambiental do já impacta as negociações comerciais entre o Mercosul e a União Européia, para o acesso do país à OCDE e também repercutirá nas conversas iniciadas com o governo Biden sobre a questão climática. Situação que se agrava com a operação da PF e o novo recorde de desmatamento em abril.

Os excepcionais

Guerrilha na PF, acefalia no Ibama, vergonha diplomática, destruição das florestas, além das mais de 450 mil vítimas do negacionismo sanitário. Nada disso importa muito a Bolsonaro. A pressão externa certamente o incomoda, por isso se dispõe a ler qualquer discurso que lhe seja oferecido para ganhar tempo, enrolar dirigentes estrangeiros e chegar às eleições de 2022.

Bolsonaro tem toda razão quando diz que Salles é um ministro excepcional. Em pouco mais de dois anos, Salles implementou uma gestão policialesca, espalhou o medo, cerceou e desautorizou a atuação de funcionários, desestruturou as agências, os orçamentos e os fundos ambientais, liberou todo tipo de tóxica e de crimes ambientais, além de atropelar as leis com uma boiada. Entre outras consequências, o desmatamento na Amazônia é o maior em 12 anos. Um desempenho excepcional mesmo!

Mas o estrago provocado pela dupla Bolsonaro-Salles vai além das fronteiras e traduz-se em aumento das emissões de gases estufa na atmosfera, na contramão dos esforços internacionais para ampliar as metas de redução já assumidas no âmbito do . Ainda há controvérsias técnicas para se medir os estoques de carbono em cada formação florestal, mas, tomando por base 499 toneladas por hectare (adotada pelo Fundo Amazônia), houve um aumento de 56% na média anual de emissões por desmatamento no atual mandato (5,23 gigatoneladas de CO2) em relação à média dos cinco anos anteriores (3,35 gigatoneladas).

A denúncia de que Salles anda se vendendo para facilitar a venda de madeira ilegal mundo afora é uma pá de cal na credibilidade do Brasil nas negociações internacionais em curso. Mas Bolsonaro não terá dificuldades para encontrar outro oportunista para o ministério. A própria bancada ruralista, que bancou Salles e o seu desgoverno, poderá oferecer nomes que atrapalhem menos a empulhação aos incautos. Porém não será fácil encontrar um predador tão ávido e determinado como Ricardo Salles.

Dificuldades terão a , para manter o ciclo de duas safras anuais; o sistema elétrico, para operar com represas vazias; e as grandes cidades, para garantirem o abastecimento de água; diante da tendência de redução do volume de chuvas por causa do aumento do desmatamento e da contaminação dos rios, muito agravados na gestão da dupla Bolsonaro-Salles.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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