Ameaça Usina Hidrelétrica em Brasília

A AMEAÇA DE UMA USINA TERMELÉTRICA EM BRASÍLIA

A Ameaça de uma Usina Termelétrica em Brasília: Conflitos de Interesse, Riscos Ambientais e Impactos Sociais

Nos últimos meses, a população do Distrito Federal foi surpreendida com o anúncio da construção de uma usina termelétrica pela empresa Termo Norte Energia Ltda, de propriedade do empresário Carlos Seabra Suarez — ex-sócio da construtora OAS e figura recorrente em denúncias envolvendo trabalho escravo e corrupção

Por Iolanda Rocha

Conhecido como o “Rei do Gás”, Suarez controla diversas distribuidoras do setor energético em todo o país.

A proposta de instalação dessa termelétrica está inserida em um projeto energético retrógrado, herdado da gestão Bolsonaro (2018–2022), que, por meio da privatização da Eletrobras, abriu brechas legislativas — os chamados jabutis — para autorizar a construção de usinas termelétricas, muitas vezes à revelia de análises técnicas, ambientais e sociais.

A área escolhida para a construção, localizada na Região Administrativa de Samambaia, nas proximidades de Ceilândia, Recanto das Emas e Sol Nascente, é uma das mais densamente povoadas e vulneráveis do DF. Essa escolha acende o alerta sobre os impactos socioambientais profundos que esse projeto pode causar. Em resposta, diversos movimentos sociais e entidades ambientais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento Salve o Rio Melchior, a Alternativa Terra Azul, o Instituto Arayara, o Fórum das Águas do DF, o Comitê Popular de Lutas de Samambaia, associações de trabalhadores rurais, além de representantes da EC Guariroba e parlamentares, têm se articulado para barrar o licenciamento e impedir o avanço desse empreendimento.

Um dos maiores absurdos relacionados ao projeto é o desmonte da Escola Classe Guariroba, que atende mais de 300 estudantes da área rural próxima. Em vez de políticas públicas que valorizem a educação e o meio ambiente, o Governo do Distrito Federal segue uma lógica de despejo e desassistência. Vale lembrar que essa região já abriga a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e o Aterro Sanitário, cuja instalação deveria ter sido acompanhada de compensações ambientais não cumpridas até hoje.

Além disso, há o risco iminente de colapso do Rio Melchior, um curso d’água já gravemente impactado pela poluição dos esgotos tratados e lançados em seu leito. A proposta da Termo Norte inclui o uso de suas águas — o que, segundo ambientalistas, pode representar o fim definitivo do rio, hoje símbolo de luta por recuperação ambiental na região.

A proposta de construção de uma termelétrica em Brasília torna-se ainda mais alarmante quando considerada sob a perspectiva da devastação do Cerrado, um dos biomas mais ricos em sociobiodiversidade e essenciais para a manutenção do equilíbrio hídrico do país. Atualmente, o Distrito Federal já perdeu cerca de 70% de sua vegetação nativa, o que resultou na degradação de inúmeras nascentes, córregos e rios, comprometendo a segurança hídrica da região.

A área destinada à instalação da usina está localizada nas proximidades da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE JK) e integra a bacia do Rio Descoberto, responsável por abastecer quase metade da população do DF. A destruição dessa região não apenas compromete recursos naturais essenciais, como também representa uma ameaça direta à vida das populações humanas e não humanas que dela dependem.

É inaceitável e contraditório que, enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP 30 — uma conferência internacional voltada justamente para o enfrentamento da crise climática —, o Distrito Federal siga na contramão dos compromissos climáticos globais, ao considerar a instalação de um empreendimento altamente poluente e insustentável. Apostar na expansão de fontes fósseis de energia, em plena emergência climática, não apenas ignora os alertas científicos como também expõe a população aos riscos de um futuro ambiental e socialmente inviável.

Diante de tantos alertas, espera-se que os órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental cumpram seu papel com seriedade e responsabilidade, realizando estudos rigorosos sobre os efeitos na qualidade da água, no lençol freático, no ar, na manutenção do ecossistema e na saúde da população. O que está em jogo não é apenas a legalidade do empreendimento, mas sim o direito coletivo à vida digna, ao meio ambiente equilibrado e a políticas públicas que respeitem a população do Distrito Federal.

 

Iolanda Rocha – Socioambientalista e conselheira da Revista Xapuri

Uma resposta

  1. Muito importante estes esclarecimentos!!
    Sugiro autorização para compartilhamento.

    Os grupos de WhatsApp de Samambaia, em sua maioria, só servem para espalhar fack news.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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