A corrida dos Munduruku para votar em Lula:

A corrida dos Munduruku para votar em Lula: “a gente não podia perder um voto sequer”

A corrida dos Munduruku para votar em Lula: “a gente não podia perder um voto sequer”

“Aluguei dois ônibus fiado pra gente conseguir votar. A gente não podia perder um voto sequer, nem um votinho”, conta a líder do Munduruku, Alessandra Korap Munduruku, sobre as dificuldades que precisou enfrentar para garantir que seus parentes votassem no domingo, 30 de outubro…

Por Cícero Pedrosa Neto

Apesar da alegria manifesta por conta da vitória nas eleições de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que prometeu acabar com as violações de direitos aos povos e territórios indígenas no país –, Alessandra reclama das limitações impostas às 13 aldeias Munduruku, localizadas em Itaituba, no Baixo Amazonas, para conseguirem exercer o direito ao voto. 

As aldeias se encontram a mais de 80 quilômetros do núcleo urbano da cidade e nenhuma urna eletrônica, segundo a líder, foi disponibilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas Terras Indígenas inscritas sobre o município. “O nosso maior sonho sempre foi tirar Bolsonaro do poder por conta de tudo o que ele fez contra nós, contra os , contra todos os povos da e contra a natureza. Então eu tive que dar meu jeito”, diz Alessandra.

Ela conseguiu fazer com que 200 pessoas chegassem aos seus colégios eleitorais no dia da eleição. Segundo ela, a prefeitura de Itaituba disponibilizou apenas um ônibus gratuito para atender a demanda das aldeias, o que nem de longe supriu a necessidade dos indígenas. Os outros dois ônibus alugados por Alessandra custaram oito mil reais no total, dinheiro que nem ela e nem os seus parentes tinham para pagar. 

“Era um daqueles momentos em que ou você recua ou vai. Eu disse: ‘eu vou pra frente; eu vou, meu povo!’. Era o único momento que a gente tinha para tirar esse homem [Jair Bolsonaro] lá de cima”, orgulha-se a líder por ter contribuído para a derrota nas urnas do presidente em exercício.

Alessandra fez um apelo no Twitter pedindo apoio para pagar os dois ônibus. A publicação viralizou e pouco tempo depois ela já tinha conseguido levantar o valor suficiente para quitar a dívida. No dia seguinte ao voto, 1 de novembro, ela gravou um vídeo agradecendo pelas contribuições que recebeu: “Eu fiquei tão feliz, porque muita gente começou a ajudar. Davam de dez centavos, dez reais, cinquenta reais, cem reais… de cada centavo que foram doando a gente conseguiu pagar o transporte”.

“Essa vitória foi pelos povos que estão no sofrimento, chorando porque perdeu seu filho para uma draga [maquinário utilizado por garimpeiros para sugar o fundo dos rios em busca de ouro], por causa das drogas invadindo os territórios, pela prostituição estimulada pelo garimpo”, declara Alessandra sem esconder a emoção. “Isso alivia um pouco a gente. A gente está voltando a respirar um pouco, a sorrir; a gente voltou a se alegrar, a pular. E a luta continua, ela não acabou, não”. Em Itaituba, Jair Bolsonaro conquistou a maioria dos votos, 35.796 votos (62,45%), enquanto Lula obteve 21.526 (37,55%).

Apesar das determinações por transporte gratuito em todo o Brasil, muitos indígenas, quilombolas e não conseguiram chegar aos seus locais de . Um dos exemplos disso ocorreu com os indígena da TI Xingu, na cidade de Querência em Mato Grosso, onde 600 indígenas foram impedidos de votar  – fato reportado ainda no domingo (30) pela Amazônia Real. 

A agência também acompanhou o drama enfrentado por quilombolas do Alto Acará, no nordeste paraense, no dia das eleições. Segundo relataram, por conta de valas cavadas pela indústria de óleo de palma Brasil Bio Fuel (BBF), na principal via de deslocamento das comunidades à cidade de Tomé-Açu, muitos deixaram de comparecer às urnas. A BBF nega as acusações.

“Para a gente tudo é difícil. Sempre é uma batalha para a gente conseguir nossos direitos. Nesse dia não foi diferente, mas nós vencemos”, reclama Alessandra.

A Amazônia Real questionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a não disponibilização de urnas eletrônicas nas aldeias dos Munduruku em Itaituba. O órgão respondeu que a 34ª Zona Eleitoral (ZÉ), que abrange os municípios de Itaituba, Aveiro e Trairão, “não recebeu requerimentos para formação de comissão de transporte dentro do prazo previsto na legislação”. 

O TSE também informou que houve uma determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para liberar o transporte gratuito, mas que “isso ficou a cargo das prefeituras e governos do ”, não tendo, portanto, o tribunal e suas ZE, gerência sobre o tema. A respeito da disponibilização de urnas eletrônicas nas aldeias Munduruku, em Itaituba, o órgão respondeu que ainda não houve nenhum pedido formal por parte dos indígenas para que esta demanda pudesse ser atendida.

A reportagem também procurou a prefeitura de Itaituba para saber os motivos que fizeram o governo municipal ofertar apenas um ônibus para os indígenas, considerando a demanda muito superior de votantes, mas ainda não houve resposta.

ESTUDANTES MUNDURUKU  

Um desafio ainda maior foi enfrentado por Maria Leusa Kaba Munduruku. Liderança conhecida mundialmente pela luta em defesa de seu povo e estudante de direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, ela e mais 25 alunos Munduruku se viram desesperados quando o dia das eleições começou a se aproximar. Foi Maria Leusa que tomou para si a responsabilidade de resolver o problema, já que não conseguiram ajuda das prefeituras para se deslocarem até seu domicílio eleitoral, na cidade de Jacareacanga. 

“Foi horrível, desde o primeiro turno foi um sacrifício para a gente conseguir chegar. Dessa vez foi ainda pior ainda com esse pessoal nas estradas, que não querem largar o poder. Por causa desse tipo de coisas que a gente fez de tudo para chegar em Jacareacanga e conseguir votar no Lula”, explica Maria Leusa, ela que foi uma vítima inconteste dos anos de Bolsonaro no poder. A líder conta que no primeiro turno das eleições a prefeitura de Jacareacanga arcou com o transporte dos indígenas, mas no segundo não se manifestou. A reportagem questionou a prefeitura de Jacareacanga sobre a não prestação do serviço aos indígenas, mas ainda não houve resposta.

A distância entre Santarém e Jacareacanga – onde estão outras 25 aldeias do povo Munduruku –  é de cerca de 750 quilômetros a um custo de 20 mil reais de frete. Leusa conseguiu levantar fundos junto à Associação de Indígenas Munduruku (Wakomborum) e, assim como Alessandra, conseguiu doações na internet por meio de uma vaquinha, que foi largamente compartilhada por amigos, ambientalistas e outros apoiadores que acompanham a trajetória de lutas de Maria Leusa. 

Ela explica que transporte é uma das coisas mais caras que existem na região por conta das estradas precárias e da alta especulação gerada pelo garimpo ilegal de ouro, vastamente praticado ali – na maioria das vezes, violando os direitos originários dos Munduruku e contaminando o rio Tapajós de mercúrio.

Segundo Leusa, foi preciso conciliar o fim da semana de aulas na universidade, o trajeto de quase 48 horas até Jacareacanga, o dia das eleições e o retorno à Santarém  – que só se deu na terça-feira e de barco, por conta dos atos antidemocráticos de bolsonaristas insatisfeitos com os resultados das eleições, que até hoje impedem a livre circulação em algumas rodovias federais e estaduais no Pará.

Aldilo Kaba Munduruku, recém-formado em Antropologia pela Ufopa, era um dos estudantes que compuseram o grupo que se deslocou até Jacareacanga para votar. Ele conta que ao chegar na cidade o grupo se dispersou e começou a “subir o rio de voadeira, cada um para sua aldeia”. Para isso, eles também precisaram pagar (cerca de 200 reais).

Diante do resultado das eleições, mesmo adoecido pelos dias de trânsito entre estradas e rios, Aldilo está feliz e sente que cumpriu uma tarefa importante. “Nós somos cidadãos também e a exige que a gente vote, assim como também é um direito nosso”.

Eleitor de Lula, ele contou à reportagem que uma das razões que o motivaram a votar foi pela melhoria das condições aos estudantes indígenas que, na sua maioria, precisam deixar suas aldeias para estudar em outras . Nos últimos anos, com os cortes promovidos na educação e com o desinvestimento do governo em ciência e tecnologia, muitas bolsas de apoio a estudantes do ensino superior foram perdidas. 

Com isso, os indígenas também foram prejudicados, pois perderam as condições materiais que garantiam suas estadas distantes das aldeias e dos seus modos de vida. 

  “Nesse governo de agora, a gente espera que tudo seja diferente, que a gente não passe fome nas cidades porque foi estudar na universidade, que a gente tenha incentivo, tenha bolsa de estudo e dignidade”, aspira Aldilo. 

Como antropólogo, ele comenta os pontos que o fizeram distinguir em quem confiar seu voto e o entusiasmaram a enfrentar as centenas de quilômetros de estrada de chão. “Os povos indígenas têm suas histórias, tem suas cosmologias, seus costumes, e o Lula se importa com isso. Por isso que todo mundo abraçou essa causa de correr para Jacareacanga para votar nele”.

“Tomara que esse presidente da Funai saia junto com ele, o Xavier [Marcelo Augusto Xavier da Silva], que ignorou todos os nossos direitos. Nós perdemos a presença das nossas lideranças na Funai. Nós passamos a não considerar mais a Funai como defensora”, resume revoltado Aldilo, referindo-se ao término do governo Bolsonaro em dezembro deste ano.

As eleições foram apertadas em Jacareacanga, mas, diferente de Itaituba, foi Lula quem conseguiu obter a maioria dos votos, 4.503 no total (53,07%) contra Bolsonaro, que recebeu 3.982 (46,93%) – uma diferença de apenas 521 votos entre os dois candidatos.

 

OS MUNDURUKU E BOLSONARO

Perseguida e ameaçada por garimpeiros e indígenas favoráveis ao garimpo, Leusa passou meses exilada depois de ter sua casa incendiada na aldeia Fazenda Tapajós. A casa da sua mãe e cacica Isaura Muo Munduruku também foi alvo do ataque, quando ambas perderam tudo. Ela e outras lideranças, como Alessandra Munduruku, são as principais vozes contra as violações de direitos humanos e ancestrais de seu povo.

“Foi um governo terrorista para nós, perdemos várias lideranças nossas para a Covid porque ele não deu vacina. Eu mesma fui uma vítima dele, os garimpeiros atacaram a minha aldeia, perdi minha casa, tive que fugir”, lembra a líder Maria Leusa, que é presidente da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakomborum), que também teve sua sede atacada em março de 2021. 

“A gente não aguenta mais nenhum ano de Bolsonaro, foi um pesadelo muito grande para nós. Ele está adoecendo a gente com mercúrio, com toda doença que os garimpeiros dele levaram”, diz Leusa referindo-se às constantes incitações do presidente Bolsonaro à prática ilegal de garimpo de ouro na Amazônia, que atinge frontalmente o povo Munduruku e seus territórios. Estudos recentes da Fiocruz indicam que boa parte das aldeias, localizadas às margens do Rio Tapajós, foi contaminada com altas concentrações de mercúrio, um metal pesado altamente cancerígeno, proveniente do garimpo ilegal de ouro praticado nesta parte da Amazônia.

“Com a vitória do Lula o que a gente tem é a certeza que pelo menos vai ter diálogo, que vai ter gente disposta a ouvir o que a gente tem a dizer sobre nossas demandas e sobre os cuidados com a floresta”, indica Alessandra Munduruku.

Aldilo Munduruku demarca as diferenças entre o governo que termina e o que está por começar. “Ele [Lula] não fala palavrão para os povos indígenas, ele quer que os povos indígenas vivam do jeito deles. Porque os indígenas estão sendo massacrados pelo governo hoje em dia e o Lula não tem essa proposta de genocídio para nós. Ele é humano, ele não é um como esse outro [Jair Bolsonaro]” .

 

Cícero Pedrosa Neto é repórter multimídia e colaborador da agência Amazônia Real (https://amazoniareal.com.br/), onde esta matéria foi publicada originalmente, desde 2018, atuando em temas relacionados ao meio-ambiente, impactos socioambientais da mineração, populações quilombolas, populações indígenas e conflitos agrários. 

Cícero Pedrosa Neto

“Aluguei dois ônibus fiado pra gente conseguir votar. A gente não podia perder um voto sequer, nem um votinho”, conta a líder do povo Munduruku, Alessandra Korap Munduruku, sobre as dificuldades que precisou enfrentar para garantir que seus parentes votassem no domingo, 30 de outubro.
Apesar da alegria manifesta por conta da vitória nas eleições de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que prometeu acabar com as violações de direitos aos povos e territórios indígenas no país –, Alessandra reclama das limitações impostas às 13 aldeias Munduruku, localizadas em Itaituba, no Baixo Amazonas, para conseguirem exercer o direito ao voto.
As aldeias se encontram a mais de 80 quilômetros do núcleo urbano da cidade e nenhuma urna eletrônica, segundo a líder, foi disponibilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas Terras Indígenas inscritas sobre o município. “O nosso maior sonho sempre foi tirar Bolsonaro do poder por conta de tudo o que ele fez contra nós, contra os povos indígenas, contra todos os povos da Amazônia e contra a natureza. Então eu tive que dar meu jeito”, diz Alessandra.
Ela conseguiu fazer com que 200 pessoas chegassem aos seus colégios eleitorais no dia da eleição. Segundo ela, a prefeitura de Itaituba disponibilizou apenas um ônibus gratuito para atender a demanda das aldeias, o que nem de longe supriu a necessidade dos indígenas. Os outros dois ônibus alugados por Alessandra custaram oito mil reais no total, dinheiro que nem ela e nem os seus parentes tinham para pagar.
“Era um daqueles momentos em que ou você recua ou vai. Eu disse: ‘eu vou pra frente; eu vou, meu povo!’. Era o único momento que a gente tinha para tirar esse homem [Jair Bolsonaro] lá de cima”, orgulha-se a líder por ter contribuído para a derrota nas urnas do presidente em exercício.
Alessandra fez um apelo no Twitter pedindo apoio para pagar os dois ônibus. A publicação viralizou e pouco tempo depois ela já tinha conseguido levantar o valor suficiente para quitar a dívida. No dia seguinte ao voto, 1 de novembro, ela gravou um vídeo agradecendo pelas contribuições que recebeu: “Eu fiquei tão feliz, porque muita gente começou a ajudar. Davam de dez centavos, dez reais, cinquenta reais, cem reais… de cada centavo que foram doando a gente conseguiu pagar o transporte”.
“Essa vitória foi pelos povos que estão no sofrimento, chorando porque perdeu seu filho para uma draga [maquinário utilizado por garimpeiros para sugar o fundo dos rios em busca de ouro], por causa das drogas invadindo os territórios, pela prostituição estimulada pelo garimpo”, declara Alessandra sem esconder a emoção. “Isso alivia um pouco a gente. A gente está voltando a respirar um pouco, a sorrir; a gente voltou a se alegrar, a pular. E a luta continua, ela não acabou, não”. Em Itaituba, Jair Bolsonaro conquistou a maioria dos votos, 35.796 votos (62,45%), enquanto Lula obteve 21.526 (37,55%).
Apesar das determinações por transporte gratuito em todo o Brasil, muitos indígenas, quilombolas e ribeirinhos não conseguiram chegar aos seus locais de votação. Um dos exemplos disso ocorreu com os indígena da TI Xingu, na cidade de Querência em Mato Grosso, onde 600 indígenas foram impedidos de votar – fato reportado ainda no domingo (30) pela Amazônia Real.
A agência também acompanhou o drama enfrentado por quilombolas do Alto Acará, no nordeste paraense, no dia das eleições. Segundo relataram, por conta de valas cavadas pela indústria de óleo de palma Brasil Bio Fuel (BBF), na principal via de deslocamento das comunidades à cidade de Tomé-Açu, muitos deixaram de comparecer às urnas. A BBF nega as acusações.
“Para a gente tudo é difícil. Sempre é uma batalha para a gente conseguir nossos direitos. Nesse dia não foi diferente, mas nós vencemos”, reclama Alessandra.
A Amazônia Real questionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a não disponibilização de urnas eletrônicas nas aldeias dos Munduruku em Itaituba. O órgão respondeu que a 34ª Zona Eleitoral (ZÉ), que abrange os municípios de Itaituba, Aveiro e Trairão, “não recebeu requerimentos para formação de comissão de transporte dentro do prazo previsto na legislação”.
O TSE também informou que houve uma determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para liberar o transporte gratuito, mas que “isso ficou a cargo das prefeituras e governos do Estado”, não tendo, portanto, o tribunal e suas ZE, gerência sobre o tema. A respeito da disponibilização de urnas eletrônicas nas aldeias Munduruku, em Itaituba, o órgão respondeu que ainda não houve nenhum pedido formal por parte dos indígenas para que esta demanda pudesse ser atendida.
A reportagem também procurou a prefeitura de Itaituba para saber os motivos que fizeram o governo municipal ofertar apenas um ônibus para os indígenas, considerando a demanda muito superior de votantes, mas ainda não houve resposta.
ESTUDANTES MUNDURUKU
Um desafio ainda maior foi enfrentado por Maria Leusa Kaba Munduruku. Liderança conhecida mundialmente pela luta em defesa de seu povo e estudante de direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, ela e mais 25 alunos Munduruku se viram desesperados quando o dia das eleições começou a se aproximar. Foi Maria Leusa que tomou para si a responsabilidade de resolver o problema, já que não conseguiram ajuda das prefeituras para se deslocarem até seu domicílio eleitoral, na cidade de Jacareacanga.
“Foi horrível, desde o primeiro turno foi um sacrifício para a gente conseguir chegar. Dessa vez foi ainda pior ainda com esse pessoal nas estradas, que não querem largar o poder. Por causa desse tipo de coisas que a gente fez de tudo para chegar em Jacareacanga e conseguir votar no Lula”, explica Maria Leusa, ela que foi uma vítima inconteste dos anos de Bolsonaro no poder. A líder conta que no primeiro turno das eleições a prefeitura de Jacareacanga arcou com o transporte dos indígenas, mas no segundo não se manifestou. A reportagem questionou a prefeitura de Jacareacanga sobre a não prestação do serviço aos indígenas, mas ainda não houve resposta.
A distância entre Santarém e Jacareacanga – onde estão outras 25 aldeias do povo Munduruku – é de cerca de 750 quilômetros a um custo de 20 mil reais de frete. Leusa conseguiu levantar fundos junto à Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakomborum) e, assim como Alessandra, conseguiu doações na internet por meio de uma vaquinha, que foi largamente compartilhada por amigos, ambientalistas e outros apoiadores que acompanham a trajetória de lutas de Maria Leusa.
Ela explica que transporte é uma das coisas mais caras que existem na região por conta das estradas precárias e da alta especulação gerada pelo garimpo ilegal de ouro, vastamente praticado ali – na maioria das vezes, violando os direitos originários dos Munduruku e contaminando o rio Tapajós de mercúrio.
Segundo Leusa, foi preciso conciliar o fim da semana de aulas na universidade, o trajeto de quase 48 horas até Jacareacanga, o dia das eleições e o retorno à Santarém – que só se deu na terça-feira e de barco, por conta dos atos antidemocráticos de bolsonaristas insatisfeitos com os resultados das eleições, que até hoje impedem a livre circulação em algumas rodovias federais e estaduais no Pará.
Aldilo Kaba Munduruku, recém-formado em Antropologia pela Ufopa, era um dos estudantes que compuseram o grupo que se deslocou até Jacareacanga para votar. Ele conta que ao chegar na cidade o grupo se dispersou e começou a “subir o rio de voadeira, cada um para sua aldeia”. Para isso, eles também precisaram pagar (cerca de 200 reais).
Diante do resultado das eleições, mesmo adoecido pelos dias de trânsito entre estradas e rios, Aldilo está feliz e sente que cumpriu uma tarefa importante. “Nós somos cidadãos também e a Constituição exige que a gente vote, assim como também é um direito nosso”.
Eleitor de Lula, ele contou à reportagem que uma das razões que o motivaram a votar foi pela melhoria das condições aos estudantes indígenas que, na sua maioria, precisam deixar suas aldeias para estudar em outras cidades. Nos últimos anos, com os cortes promovidos na educação e com o desinvestimento do governo em ciência e tecnologia, muitas bolsas de apoio a estudantes do ensino superior foram perdidas.
Com isso, os indígenas também foram prejudicados, pois perderam as condições materiais que garantiam suas estadas distantes das aldeias e dos seus modos de vida.
“Nesse governo de agora, a gente espera que tudo seja diferente, que a gente não passe fome nas cidades porque foi estudar na universidade, que a gente tenha incentivo, tenha bolsa de estudo e dignidade”, aspira Aldilo.
Como antropólogo, ele comenta os pontos que o fizeram distinguir em quem confiar seu voto e o entusiasmaram a enfrentar as centenas de quilômetros de estrada de chão. “Os povos indígenas têm suas histórias, tem suas cosmologias, seus costumes, e o Lula se importa com isso. Por isso que todo mundo abraçou essa causa de correr para Jacareacanga para votar nele”.
“Tomara que esse presidente da Funai saia junto com ele, o Xavier [Marcelo Augusto Xavier da Silva], que ignorou todos os nossos direitos. Nós perdemos a presença das nossas lideranças na Funai. Nós passamos a não considerar mais a Funai como defensora”, resume revoltado Aldilo, referindo-se ao término do governo Bolsonaro em dezembro deste ano.
As eleições foram apertadas em Jacareacanga, mas, diferente de Itaituba, foi Lula quem conseguiu obter a maioria dos votos, 4.503 no total (53,07%) contra Bolsonaro, que recebeu 3.982 (46,93%) – uma diferença de apenas 521 votos entre os dois candidatos.

OS MUNDURUKU E BOLSONARO
Perseguida e ameaçada por garimpeiros e indígenas favoráveis ao garimpo, Leusa passou meses exilada depois de ter sua casa incendiada na aldeia Fazenda Tapajós. A casa da sua mãe e cacica Isaura Muo Munduruku também foi alvo do ataque, quando ambas perderam tudo. Ela e outras lideranças, como Alessandra Munduruku, são as principais vozes contra as violações de direitos humanos e ancestrais de seu povo.
“Foi um governo terrorista para nós, perdemos várias lideranças nossas para a Covid porque ele não deu vacina. Eu mesma fui uma vítima dele, os garimpeiros atacaram a minha aldeia, perdi minha casa, tive que fugir”, lembra a líder Maria Leusa, que é presidente da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakomborum), que também teve sua sede atacada em março de 2021.
“A gente não aguenta mais nenhum ano de Bolsonaro, foi um pesadelo muito grande para nós. Ele está adoecendo a gente com mercúrio, com toda doença que os garimpeiros dele levaram”, diz Leusa referindo-se às constantes incitações do presidente Bolsonaro à prática ilegal de garimpo de ouro na Amazônia, que atinge frontalmente o povo Munduruku e seus territórios. Estudos recentes da Fiocruz indicam que boa parte das aldeias, localizadas às margens do Rio Tapajós, foi contaminada com altas concentrações de mercúrio, um metal pesado altamente cancerígeno, proveniente do garimpo ilegal de ouro praticado nesta parte da Amazônia.
“Com a vitória do Lula o que a gente tem é a certeza que pelo menos vai ter diálogo, que vai ter gente disposta a ouvir o que a gente tem a dizer sobre nossas demandas e sobre os cuidados com a floresta”, indica Alessandra Munduruku.
Aldilo Munduruku demarca as diferenças entre o governo que termina e o que está por começar. “Ele [Lula] não fala palavrão para os povos indígenas, ele quer que os povos indígenas vivam do jeito deles. Porque os indígenas estão sendo massacrados pelo governo hoje em dia e o Lula não tem essa proposta de genocídio para nós. Ele é humano, ele não é um animal como esse outro [Jair Bolsonaro]” .

Cícero Pedrosa Neto é repórter multimídia e colaborador da agência Amazônia Real (https://amazoniareal.com.br/), onde esta matéria foi publicada originalmente, desde 2018, atuando em temas relacionados ao meio-ambiente, impactos socioambientais da mineração, populações quilombolas, populações indígenas e conflitos agrários.

Cícero Pedrosa Neto

“Aluguei dois ônibus fiado pra gente conseguir votar. A gente não podia perder um voto sequer, nem um votinho”, conta a líder do povo Munduruku, Alessandra Korap Munduruku, sobre as dificuldades que precisou enfrentar para garantir que seus parentes votassem no domingo, 30 de outubro.
Apesar da alegria manifesta por conta da vitória nas eleições de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que prometeu acabar com as violações de direitos aos povos e territórios indígenas no país –, Alessandra reclama das limitações impostas às 13 aldeias Munduruku, localizadas em Itaituba, no Baixo Amazonas, para conseguirem exercer o direito ao voto.
As aldeias se encontram a mais de 80 quilômetros do núcleo urbano da cidade e nenhuma urna eletrônica, segundo a líder, foi disponibilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas Terras Indígenas inscritas sobre o município. “O nosso maior sonho sempre foi tirar Bolsonaro do poder por conta de tudo o que ele fez contra nós, contra os povos indígenas, contra todos os povos da Amazônia e contra a natureza. Então eu tive que dar meu jeito”, diz Alessandra.
Ela conseguiu fazer com que 200 pessoas chegassem aos seus colégios eleitorais no dia da eleição. Segundo ela, a prefeitura de Itaituba disponibilizou apenas um ônibus gratuito para atender a demanda das aldeias, o que nem de longe supriu a necessidade dos indígenas. Os outros dois ônibus alugados por Alessandra custaram oito mil reais no total, dinheiro que nem ela e nem os seus parentes tinham para pagar.
“Era um daqueles momentos em que ou você recua ou vai. Eu disse: ‘eu vou pra frente; eu vou, meu povo!’. Era o único momento que a gente tinha para tirar esse homem [Jair Bolsonaro] lá de cima”, orgulha-se a líder por ter contribuído para a derrota nas urnas do presidente em exercício.
Alessandra fez um apelo no Twitter pedindo apoio para pagar os dois ônibus. A publicação viralizou e pouco tempo depois ela já tinha conseguido levantar o valor suficiente para quitar a dívida. No dia seguinte ao voto, 1 de novembro, ela gravou um vídeo agradecendo pelas contribuições que recebeu: “Eu fiquei tão feliz, porque muita gente começou a ajudar. Davam de dez centavos, dez reais, cinquenta reais, cem reais… de cada centavo que foram doando a gente conseguiu pagar o transporte”.
“Essa vitória foi pelos povos que estão no sofrimento, chorando porque perdeu seu filho para uma draga [maquinário utilizado por garimpeiros para sugar o fundo dos rios em busca de ouro], por causa das drogas invadindo os territórios, pela prostituição estimulada pelo garimpo”, declara Alessandra sem esconder a emoção. “Isso alivia um pouco a gente. A gente está voltando a respirar um pouco, a sorrir; a gente voltou a se alegrar, a pular. E a luta continua, ela não acabou, não”. Em Itaituba, Jair Bolsonaro conquistou a maioria dos votos, 35.796 votos (62,45%), enquanto Lula obteve 21.526 (37,55%).
Apesar das determinações por transporte gratuito em todo o Brasil, muitos indígenas, quilombolas e ribeirinhos não conseguiram chegar aos seus locais de votação. Um dos exemplos disso ocorreu com os indígena da TI Xingu, na cidade de Querência em Mato Grosso, onde 600 indígenas foram impedidos de votar – fato reportado ainda no domingo (30) pela Amazônia Real.
A agência também acompanhou o drama enfrentado por quilombolas do Alto Acará, no nordeste paraense, no dia das eleições. Segundo relataram, por conta de valas cavadas pela indústria de óleo de palma Brasil Bio Fuel (BBF), na principal via de deslocamento das comunidades à cidade de Tomé-Açu, muitos deixaram de comparecer às urnas. A BBF nega as acusações.
“Para a gente tudo é difícil. Sempre é uma batalha para a gente conseguir nossos direitos. Nesse dia não foi diferente, mas nós vencemos”, reclama Alessandra.
A Amazônia Real questionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a não disponibilização de urnas eletrônicas nas aldeias dos Munduruku em Itaituba. O órgão respondeu que a 34ª Zona Eleitoral (ZÉ), que abrange os municípios de Itaituba, Aveiro e Trairão, “não recebeu requerimentos para formação de comissão de transporte dentro do prazo previsto na legislação”.
O TSE também informou que houve uma determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para liberar o transporte gratuito, mas que “isso ficou a cargo das prefeituras e governos do Estado”, não tendo, portanto, o tribunal e suas ZE, gerência sobre o tema. A respeito da disponibilização de urnas eletrônicas nas aldeias Munduruku, em Itaituba, o órgão respondeu que ainda não houve nenhum pedido formal por parte dos indígenas para que esta demanda pudesse ser atendida.
A reportagem também procurou a prefeitura de Itaituba para saber os motivos que fizeram o governo municipal ofertar apenas um ônibus para os indígenas, considerando a demanda muito superior de votantes, mas ainda não houve resposta.
ESTUDANTES MUNDURUKU
Um desafio ainda maior foi enfrentado por Maria Leusa Kaba Munduruku. Liderança conhecida mundialmente pela luta em defesa de seu povo e estudante de direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, ela e mais 25 alunos Munduruku se viram desesperados quando o dia das eleições começou a se aproximar. Foi Maria Leusa que tomou para si a responsabilidade de resolver o problema, já que não conseguiram ajuda das prefeituras para se deslocarem até seu domicílio eleitoral, na cidade de Jacareacanga.
“Foi horrível, desde o primeiro turno foi um sacrifício para a gente conseguir chegar. Dessa vez foi ainda pior ainda com esse pessoal nas estradas, que não querem largar o poder. Por causa desse tipo de coisas que a gente fez de tudo para chegar em Jacareacanga e conseguir votar no Lula”, explica Maria Leusa, ela que foi uma vítima inconteste dos anos de Bolsonaro no poder. A líder conta que no primeiro turno das eleições a prefeitura de Jacareacanga arcou com o transporte dos indígenas, mas no segundo não se manifestou. A reportagem questionou a prefeitura de Jacareacanga sobre a não prestação do serviço aos indígenas, mas ainda não houve resposta.
A distância entre Santarém e Jacareacanga – onde estão outras 25 aldeias do povo Munduruku – é de cerca de 750 quilômetros a um custo de 20 mil reais de frete. Leusa conseguiu levantar fundos junto à Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakomborum) e, assim como Alessandra, conseguiu doações na internet por meio de uma vaquinha, que foi largamente compartilhada por amigos, ambientalistas e outros apoiadores que acompanham a trajetória de lutas de Maria Leusa.
Ela explica que transporte é uma das coisas mais caras que existem na região por conta das estradas precárias e da alta especulação gerada pelo garimpo ilegal de ouro, vastamente praticado ali – na maioria das vezes, violando os direitos originários dos Munduruku e contaminando o rio Tapajós de mercúrio.
Segundo Leusa, foi preciso conciliar o fim da semana de aulas na universidade, o trajeto de quase 48 horas até Jacareacanga, o dia das eleições e o retorno à Santarém – que só se deu na terça-feira e de barco, por conta dos atos antidemocráticos de bolsonaristas insatisfeitos com os resultados das eleições, que até hoje impedem a livre circulação em algumas rodovias federais e estaduais no Pará.
Aldilo Kaba Munduruku, recém-formado em Antropologia pela Ufopa, era um dos estudantes que compuseram o grupo que se deslocou até Jacareacanga para votar. Ele conta que ao chegar na cidade o grupo se dispersou e começou a “subir o rio de voadeira, cada um para sua aldeia”. Para isso, eles também precisaram pagar (cerca de 200 reais).
Diante do resultado das eleições, mesmo adoecido pelos dias de trânsito entre estradas e rios, Aldilo está feliz e sente que cumpriu uma tarefa importante. “Nós somos cidadãos também e a Constituição exige que a gente vote, assim como também é um direito nosso”.
Eleitor de Lula, ele contou à reportagem que uma das razões que o motivaram a votar foi pela melhoria das condições aos estudantes indígenas que, na sua maioria, precisam deixar suas aldeias para estudar em outras cidades. Nos últimos anos, com os cortes promovidos na educação e com o desinvestimento do governo em ciência e tecnologia, muitas bolsas de apoio a estudantes do ensino superior foram perdidas.
Com isso, os indígenas também foram prejudicados, pois perderam as condições materiais que garantiam suas estadas distantes das aldeias e dos seus modos de vida.
“Nesse governo de agora, a gente espera que tudo seja diferente, que a gente não passe fome nas cidades porque foi estudar na universidade, que a gente tenha incentivo, tenha bolsa de estudo e dignidade”, aspira Aldilo.
Como antropólogo, ele comenta os pontos que o fizeram distinguir em quem confiar seu voto e o entusiasmaram a enfrentar as centenas de quilômetros de estrada de chão. “Os povos indígenas têm suas histórias, tem suas cosmologias, seus costumes, e o Lula se importa com isso. Por isso que todo mundo abraçou essa causa de correr para Jacareacanga para votar nele”.
“Tomara que esse presidente da Funai saia junto com ele, o Xavier [Marcelo Augusto Xavier da Silva], que ignorou todos os nossos direitos. Nós perdemos a presença das nossas lideranças na Funai. Nós passamos a não considerar mais a Funai como defensora”, resume revoltado Aldilo, referindo-se ao término do governo Bolsonaro em dezembro deste ano.
As eleições foram apertadas em Jacareacanga, mas, diferente de Itaituba, foi Lula quem conseguiu obter a maioria dos votos, 4.503 no total (53,07%) contra Bolsonaro, que recebeu 3.982 (46,93%) – uma diferença de apenas 521 votos entre os dois candidatos.

OS MUNDURUKU E BOLSONARO
Perseguida e ameaçada por garimpeiros e indígenas favoráveis ao garimpo, Leusa passou meses exilada depois de ter sua casa incendiada na aldeia Fazenda Tapajós. A casa da sua mãe e cacica Isaura Muo Munduruku também foi alvo do ataque, quando ambas perderam tudo. Ela e outras lideranças, como Alessandra Munduruku, são as principais vozes contra as violações de direitos humanos e ancestrais de seu povo.
“Foi um governo terrorista para nós, perdemos várias lideranças nossas para a Covid porque ele não deu vacina. Eu mesma fui uma vítima dele, os garimpeiros atacaram a minha aldeia, perdi minha casa, tive que fugir”, lembra a líder Maria Leusa, que é presidente da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakomborum), que também teve sua sede atacada em março de 2021.
“A gente não aguenta mais nenhum ano de Bolsonaro, foi um pesadelo muito grande para nós. Ele está adoecendo a gente com mercúrio, com toda doença que os garimpeiros dele levaram”, diz Leusa referindo-se às constantes incitações do presidente Bolsonaro à prática ilegal de garimpo de ouro na Amazônia, que atinge frontalmente o povo Munduruku e seus territórios. Estudos recentes da Fiocruz indicam que boa parte das aldeias, localizadas às margens do Rio Tapajós, foi contaminada com altas concentrações de mercúrio, um metal pesado altamente cancerígeno, proveniente do garimpo ilegal de ouro praticado nesta parte da Amazônia.
“Com a vitória do Lula o que a gente tem é a certeza que pelo menos vai ter diálogo, que vai ter gente disposta a ouvir o que a gente tem a dizer sobre nossas demandas e sobre os cuidados com a floresta”, indica Alessandra Munduruku.
Aldilo Munduruku demarca as diferenças entre o governo que termina e o que está por começar. “Ele [Lula] não fala palavrão para os povos indígenas, ele quer que os povos indígenas vivam do jeito deles. Porque os indígenas estão sendo massacrados pelo governo hoje em dia e o Lula não tem essa proposta de genocídio para nós. Ele é humano, ele não é um animal como esse outro [Jair Bolsonaro]” .

Cícero Pedrosa Neto é repórter multimídia e colaborador da agência Amazônia Real (https://amazoniareal.com.br/), onde esta matéria foi publicada originalmente, desde 2018, atuando em temas relacionados ao meio-ambiente, impactos socioambientais da mineração, populações quilombolas, populações indígenas e conflitos agrários.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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