À mestra Dionízia, com carinho

À mestra Dionízia, com carinho
Morreu ontem em Inhumas, , aos 88 anos, a minha tia Dionízia Ferreira de Brito, depois de sofrer um AVC…
Antônio Carlos Queiroz (ACQ)
A tia Dionízia foi a primeira pessoa genial do meu convívio. A segunda foi o Frei Paulo Osborne, meu de Ciências no Colégio São Francisco. Mas foi a Tia quem me despertou a curiosidade científica.
Filha de um grande raizeiro, o Manoel Ferreira de Britto, que preparava as garrafadas da Santa Dica de Lagolândia, a Tia tinha os três volumes do  As Plantas Curam, cujos verbetes ilustrados me deixavam fascinado pela botânica. 
Me lembro quando, ainda pirralho, saía com ela para o meio do Cerrado, com um enxadão em punho, para coletar raízes, folhas e cascas de canela-de-perdiz, douradinha, angico-do-cerrado e outras espécies da fitoterapia goiana. 
Foi a Tia que me apresentou o mecanismo de ataque e defesa do poraquê, o peixe elétrico. Com ela aprendi a observar o comportamento dos e até a discutir o parentesco deles conosco. 
Aos domingos, quando íamos visitar o tio Bernardo e saborear a famosa galinhada da Helena, quem primeiro nos saudava era o Cacique, o da família. A Tia logo me chamava a atenção: “Veja como ele ri para nós com o rabo e o arreganho dos dentes”!
De fato, o Cacique era como um primo. Quando a gente se despedia, ele nos fazia um bota-fora estendido, nos acompanhando até em casa, de onde voltava sozinho.
Essas observações etológicas, cujas bases científicas eu iria estudar muitos anos depois no livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, do Charles Darwin, me valeram um dia uma bronca das grandes. A Tia Dionízia havia comentado que os cães, pela convivência, ficam obviamente parecidos com os donos. Eu caí na besteira de dizer isso à Tia Estermir, comparando-a com o seu sestroso pastor alemão. É claro que ela ficou contrariada e me passou um memorável carão!
Me lembro ainda que a Tia falava tanto do Zepelim, o balão dirigível inventado pelos alemã
es, o mesmo da música Geni do Chico Buarque, que até hoje imagino ter visto um desses objetos sobrevoando os céus de Anápolis.
Mas, com certeza absoluta, eu vi muitos satélites artificiais passando sobre as nossas cabeças, numa época em que a poluição luminosa era pequena. A gente morava na Rua 10 de Março, e ela conosco, ajudando a Baby a nos criar. Eu devia ter uns sete anos, e o ano devia ser 1963, por aí. Por volta das sete horas, a Tia costumava nos chamar, a mim e à minha irmã Ana Maria, pra gente ver essas maravilhas brilhantes da era inaugurada pelo Sputnik.
A Tia era também uma inventora de mão cheia de utilidades e geringonças domésticas. Se tivesse tido a oportunidade, poderia ter sido engenheira mecânica. Uma vez construiu uma mala de lona, que, desdobrada, virava uma cama de campanha!
Pra completar, ela era uma grande contadora de causos, alguns fantásticos. Numa de suas histórias, o povo ironizava o rei local traído pela . Muito cruel, ele mandava prender ou matar os gozadores. A própria natureza, no entanto, tratou de fazer justiça. Da floresta, certo dia, veio uma voz que berrava: “Cornudo! Cornudo”! O rei mandou os guardas reais prenderem o atrevido, mas chegando lá, eles não encontraram ninguém. Como o xingamento continuou, procuram aqui, procuram ali, finalmente acham a fonte da difamação: a voz saía de uma folha que oscilava ao e sobre a qual deslizava um espinho como se fosse uma agulha na ranhura de um disco de vinil! Até as árvores  conheciam a desdita do pobre rei chifrudo!
Agora que a Tia virou saudade, vou me lembrar dela com muito carinho, grato por tudo o que significou na minha formação. 
Talvez o nome dela, cujo sentido eu só fui descobrir quando tinha uns 20 anos, resuma o seu valor: Dionízia é a seguidora do antigo deus grego Dioniso, o deus dos ciclos da , das festas, do vinho, do delírio e do teatro. 
Evohé!

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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