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Com absorção de poluentes áreas indígenas evitam enfermidades na Amazônia

Absorção de poluentes por áreas indígenas na Amazônia evita 15 milhões de casos de doença por ano

Os serviços ecossistêmicos fornecidos pelas Terras Indígenas na Amazônia podem evitar que milhões de pessoas fiquem doentes no bioma e ainda gerar uma grande economia aos estados que estão inseridos em seus limites. Isso é o que mostra um estudo publicado por um grupo internacional de pesquisadores nesta quinta-feira (6), na revista científica Nature Communications, Earth & Envenenamento. A redução de doenças respiratórias e cardiovasculares em período de queimadas gera economia de 2 bilhões de dólares/ano para cidades inseridas no bioma, mostra estudo.

Por Cristiane Prizibisczki/O Eco

Fruto de dez anos de trabalho, o estudo revelou que os territórios indígenas podem absorver 26 mil toneladas de poluentes nocivos liberados pelas queimadas todos os anos –  principalmente o material particulado, como PM 2.5, altamente letal para a saúde humana –, evitando 15 milhões de casos de doenças cardiovasculares e respiratórias na região.

Segundo os autores, cada hectare de floresta queimada custa às cidades amazônicas ao menos 2 milhões de dólares por ano (cerca de R$ 10 milhões) no tratamento de doenças relacionadas às chamadas “doenças do fogo”. Considerando o serviço ecossistêmico de absorção de poluentes providos pelas Terras Indígenas, a economia chega a cerca de 2 bilhões de dólares (R$ 10 bilhões) em todo bioma anualmente.

A pesquisa também conclui que áreas indígenas densamente florestadas estão protegendo populações urbanas e rurais não só em seu entorno, mas também aquelas a centenas de quilômetros de distância. Inclusive as situadas na região sudeste da Amazônia, que já perdeu a maior parte de sua cobertura florestal para a agroindústria e outras atividades, legais e ilegais.

“Como os poluentes se movem por longas distâncias, mais ou menos por 500 km, eles conseguem afetar negativamente populações que vivem longe desses eventos [de queimadas]. Então, os territórios indígenas, mesmo que estejam distantes da onde os incêndios ocorrem, ainda assim conseguem fornecer o serviço, conseguem proteger as populações rurais e urbanas que moram em toda a região, não apenas próximas da onde esses territórios estão alocados”, explica Paula Prist, pesquisadora brasileira que atua na Ecohealth Alliance e autora principal do estudo.

Existem atualmente 383 territórios Indígenas reconhecidos na Amazônia Legal Brasileira, cobrindo mais de 1.160.000 quilômetros quadrados. O novo estudo concluiu que somente cinco territórios, principalmente no oeste da região densamente florestada da Amazônia Brasileira, representam 8% da capacidade da floresta de absorver partículas dos incêndios florestais. Considerando todos os territórios, essa capacidade sobe para 27%, mesmo que eles cubram apenas 22% de todo o bioma.

“No estudo sugerimos que é preciso fazer alguma coisa nesse momento, antes da nova estação de incêndios, porque proteger esses territórios indígenas não é apenas conservar a floresta e os povos indígenas, é também contribuir para a nossa saúde, para a mitigação climática. É uma questão de saúde pública e a gente tem que conversar e olhar para isso o quanto antes e o mais rápido possível”, diz Paula Prist.

A pesquisadora ainda ressalta que os números encontrados podem estar subestimados. Isso porque não existem modelos de cálculo da capacidade de absorção de poluentes para florestas tropicais. Para realizar os estudos, os autores usaram modelos criados para florestas temperadas, que são muito menos densas. Isto é, a capacidade de absorção da floresta amazônica pode ser ainda maior.

Além da organização Ecohealth Alliance, fazem parte do estudo as americanas Clark University e George Mason University, além da Universidade Nacional Autônoma do México e a Universidade de São Paulo.

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Terra Indígena Pirititi, em Roraima. Foto: Felipe Werneck/Ibama

Importância da floresta em pé

Os incêndios florestais nos países de floresta tropical são responsáveis por 90% das emissões globais de partículas liberadas pelas queimadas, incluindo aqueles situados na Bacia do rio Amazonas. Quando incendiadas, as florestas de folhas largas da Amazônia têm mais probabilidade do que as florestas de outros biomas de liberar aerossóis carbonáceos negros e orgânicos, os principais componentes das partículas finas causadoras de aumento da taxa de incidência das doenças respiratórias e cardiovasculares da região, diz a pesquisa publicada nesta quinta-feira.

As Terras Indígenas, por sua vez, têm funcionado como verdadeiros “escudos” contra o desmatamento e queimadas na floresta tropical brasileira. Segundo levantamento realizado pelo MapBiomas em abril de 2022, nos últimos 30 anos, as TIs perderam apenas 1% de sua vegetação nativa, enquanto as áreas privadas perderam 20,6%.

“Os dados de satélite não deixam dúvidas que são os indígenas que estão retardando a destruição da Floresta Amazônica. Sem seus territórios, a floresta certamente estaria muito mais perto de seu ponto de inflexão a partir do qual ela deixa de prestar os serviços ambientais dos quais nossa agricultura, nossas indústrias e cidades dependem”, explicou Tasso Azevedo, Coordenador do MapBiomas, à época da divulgação do trabalho.

Tais territórios têm, historicamente, sofrido intensos ataques, intensificados durante a gestão Bolsonaro. Além de não ter demarcado nenhuma nova área indígena, o governo anterior incentivou invasões e atividades que são proibidas por lei dentro desses territórios, como a mineração. Segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), invasões e exploração ilegal em TIs triplicaram durante o governo de Jair Bolsonaro.

Em sua campanha para a presidência, Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que retomaria a demarcação das áreas indígenas, com treze territórios prioritários para a ação.

“Para subsidiar qualquer pedido [das populações indígenas], seja no âmbito nacional ou internacional, precisamos trazer elementos científicos. Infelizmente, só a narrativa dos povos indígenas, pelo menos nos últimos quatro anos, não tem surtido efeitos no âmbito da institucionalidade. No campo da denúncia, trazer esses elementos científicos para a nossa narrativa acaba subsidiando, solidificando os elementos que trazemos com nossos conhecimentos tradicionais”, argumentou o indígena Dinamã Tuxã, durante a coletiva de imprensa para apresentação do estudo publicado na Nature. 

Segundo ele, que é assessor jurídico e coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o trabalho será usado pela organização e outras entidades indígenas para reforçar a necessidade da demarcação de seus territórios e subsidiar pedidos de fortalecimento do combate ao fogo nas TIs da Amazônia.

“Da mesma forma, quando levarmos para a comunidade internacional o estudo, apontando os riscos para a humanidade das queimadas dentro e fora de terras indígenas, podemos falar dos riscos de grandes empreendimentos, do avanço do agronegócio que se utiliza do mecanismo de queimadas dentro de nossos territórios. O estudo subsidiará não só nossos pedidos, mas também nossas denúncias”, explica.

Divulgadas apenas alguns dias antes de o presidente Lula completar seus primeiros 100 dias de mandato – o que acontecerá no próximo dia 10 – as constatações do estudo podem representar mais um fator de urgência para a promessa do governante brasileiro de reconhecer e fazer cumprir os direitos dos povos Indígenas à terra, dizem os autores do trabalho.

“A ciência evidenciou que as florestas administradas por indígenas sofrem menos com o desmatamento responsável pela mudança climática e risco de pandemia […] Esta é a primeira iniciativa de quantificar como elas beneficiam a saúde humana e da economia, indicando que os benefícios superam em muito os desafios desses territórios”, finaliza a Dra. Florencia Sangermano, coautora do novo estudo e especialista no uso de análise geoespacial e sensoriamento remoto por satélite.

Cristiane Prizibisczki – Jornalista. Fonte: O Eco. Foto: Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto, no Amazonas. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama. Este artigo não representa necessariamente a opinião da Revista Xapuri e é de responsabilidade do autor.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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