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Encantou-se seu Antonio de Paula, um sábio seringueiro

Encantou-se seu Antonio de Paula, um sábio seringueiro

“A na é um sem fim de coisas e a gente nunca sabe tudo” 

“Seu Antonio Francisco de Paula foi seringueiro –  Foi guarda-livro dos seringais. Na minha companhia,  ele foi assessor de finanças e contabilidade operacional dos armazéns da SAREAJ. Foi agente de saúde. Foi coordenador do Programa de Saúde que realizamos no Vale do Juruá. Foi secretário da Asareaj Do Alto Juruá.

Foi presidente da Asareaj Do Alto Juruá. Atualmente ele era diretor da Margem, lutando pelas águas limpas. Deixa para todos que lhe conheceram uma grande saudade. Saudade ter se ter conhecido um homem íntegro e de uma disposição jamais vista na maioria dos demais seres humanos que já conheci. Descansa em paz, Antonio de Paula. Lamentamos muito a sua partida desta vida para a outra dimensão,  mas com certeza você será muito bem recebido no Céu.”

Seu Antonio de Paul a

foto: http: www.juruaemtempo.com.br

Foi com essas palavras que Antônio Luiz Batista de Macêdo, também seringueiro, sertanista e indigenista das terras do Alto Juruá, no estado do Acre, comunicou o encantamento de seu Antonio de Paula, soldado da borracha, sábio ancião da floresta, pioneiro da luta socioambiental no coração da Amazônia.

Cearense, seu  Antonio veio pro Acre cortar seringa, no começo dos anos 1950.  Contava que veio de navio até , parou uns dias pelo caminho, depois pegou uma “gaiola” para Tarauacá, pra um Seringal de nome Alagoas, onde teve que ficar  por mais de  ano para tratar de uma malária.

Da região, seu Antonio não mais saiu. Foi pra outro Seringal, no Rio Tejo, casou, teve filhos – muitos – 13. De “letra boa”, foi guarda-livros, uma espécie de contador,  e gerente de seringal. O tempo livre, gastou nos varadouros, nos igarapés dos rios, fuçando com os mistérios da .

Das dificuldades na mata, das picadas de cobra, das ferradas de arraia,  dos pernilongos imensos, das malárias violentas, seu Antonio dizia fazer parte da aventura. Ou  parte do compromisso na luta em defesa da Amazônia e dos povos que nela vivem.

Quando, nos anos 70, os seringais começaram a perder  espaço pros  desmatamentos do agronegócio vindo do sul do País, atraídos pela propaganda da terra boa ao custo de expulsar os a ferro e fogo,  seu Antonio tomou o lado dos oprimidos e entrou para o movimento dos seringueiros, liderado por Chico Mendes.

No Alto do Juruá, onde morava, seu Antonio de Paula fez empates, organizou a resistência. No Acre, somou forças com Chico Mendes, com indígenas e seringueiros para formar a Aliança dos Povos da Floresta. No Brasil e no mundo, seu Antonio tornou-se voz respeitada em defesa da Amazônia e de seus povos.

O nome, gostava de usar assim mesmo, no composto: Antonio de Paula. Como composto era o saber dele. Entendia de plantas, de medicinas caseiras. De caça, de pesca, de corte de seringa.  De de lua, de sol. Entendia de tudo um muito. Um muito de vida, um muito de natureza.

De quando em vez, dava de filosofar, ou de ventilar ciência:  “Quando o rio enche, os peixes vão para as represas e igarapés atrás de ou para passear. Quando inicia a vazante, o percebe e coaxa avisando, então os peixes têm tempo de voltar para o rio antes que as águas baixem e eles fiquem isolados ou morram”.

Aprendizado da vida, da observação curiosa e atenta das coisas da floresta,  porque foi de pouco estudo, como a imensa maioria dos seringueiros que construíram a história da borracha no Acre no século XX. Dizia que da escola se despediu aos  14 anos, mas da lições da mata e das tarefas da luta não conseguiu se desvencilhar nunca.

O que seu Antonio gostava mesmo de fazer era de conscientizar corações e mentes para a defesa dos povos, dos seres, da natureza. Foi liderança importante e respeitada do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).  Nos últimos anos de vida, virou ongueiro – fundou a ONG Amigos das Águas do Juruá, dedicada a proteger o rio Juruá e as águas que o alimentam.

Seu Antonio quase chegou à nona década (morreu aos 88) como sempre viveu: na militância. Por conta disso, ganhou o reconhecimento de muitos e o Prêmio Chico Mendes de Cidadania,  a maior honraria que o estado do Acre concede a quem defende os direitos humanos e o  meio ambiente.

mais que justa e merecida.  Seu Antonio de Paula, o amigo das águas,  o defensor da floresta, foi um dos criadores da Reserva Extrativista do Alto Juruá, a primeira Reserva Extrativista do Brasil.

Missão cumprida aqui no planeta Terra, neste 30 de junho seu Antonio de Paula embarcou nas asas da quimera,  rumo aos jardins do infinito. Boa viagem, amigo.

seu antonio - www.avozdonorte.com.br

foto: www.avozdonorte.com.br

Reserva Extrativista do Alto Juruá

Reserva Extrativista (Resex) é uma área utilizada por populações tradicionais, cuja sobrevivência se baseia no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Tem como objetivos básicos proteger os meios da vida e a cultura dessas populações, além de  assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

No dia 23 de janeiro de 1990, em parceria com a Associação de Seringueiros e Pequenos Agricultores da Alto Juruá (Asareaj) e Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), um decreto presidencial criou a Reserva Extrativista do Alto Juruá. O sertanista Antônio Macêdo, o professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Mauro Almeida, e só seringueiros Antonio de Paula e Chico Ginú estavam à frente do movimento.

“Estudei até o terceiro ano de antigamente. Aprendi mais com a escola da vida, da qual ainda sou aluno. Quero dizer às futuras gerações: cuidem das florestas, dos rios, igarapés e lagos, da fauna, ou seja, de todos os recursos naturais. Este é o legado que a nossa geração deixa para um dos locais mais bonitos do mundo, que a nossa região”, apregoou o sábio, guardião, ativista e mestre da floresta.

Soldados da borracha

Seu Antônio de Paula vê com apreensão a votação da PEC 5556/2002. A proposta concede aposentadoria especial aos soldados da borracha, a exemplo do que já ocorrem com os ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, os chamados pracinhas. Pelo texto, que encontra resistência do governo federal, os benefícios previdenciários da categoria seriam ampliados, passando dos atuais R$1.356,00 para R$ 4.500,00, entre outras vantagens.

No entanto, o governo federal acena apenas com a possibilidade de acrescentar mais um salário, o décimo terceiro e um bônus. Quanto a este, são duas propostas: uma de R$ 50 mil para os seis mil combates vivos ou R$ 25 mil, que comtemplaria todas as viúvas pensionistas. “Ficou preocupado em não se ganhar nada”, opinou ele, para quem considera “uma injustiça” cometida pelo governo federal. “A União enganou os arigós e não quer recompensar pelos danos causados”.

Soldados da borracha, que são reconhecidos como Heróis da Pátria, foi o nome dados aos brasileiros que entre 1943 e 1945 foram alistados e transportados para a Amazônia com o objetivo de extrair látex para os Estados Unidos da América (Acordos de Washington) na II Guerra Mundial.

Estes foram os peões do Segundo Ciclo da Borracha e da expansão demográfica da Amazônia. O contingente de soldados da borracha é calculado em mais de 50 mil, sendo na grande maioria nordestinos e, por sua vez, cearenses.

Depois de alistados, examinados e dados como habilitados nos alojamentos em Fortaleza, recebiam um kit básico de na mata, que era constituído de: uma calça de mescla azul, uma camisa branca de morim, um chapéu de palha, um par de alpercatas, uma mochila, um prato fundo, um talher (colher-garfo), uma caneca de folha de flandes, uma rede e um maço de cigarros Colomy.

Textos sobre Reserva Extrativista e Soldado da borracha: Jorge Natal – Tribuna do Juruá 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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