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Afro-indígena: um debate não recente e necessário

Afro-indígena: um debate não recente e necessário

Afro-indígena: um debate não recente e necessário

Importante reflexão publicada originalmente em 22 de abril pelo ativista Juarez Silva Junior. A imagem que abre este artigo é uma composição de dois retratos do Jardel Juruna, liderança da aldeia São Francisco, no Pará…

Por Juarez Silva Jr/via Amazônia Real

O tema escolhido para esta coluna, escrita em um feriadão espremido entre o “dia dos ”, o feriado de Tiradentes e um fim de semana seguinte, vem justamente de uma reflexão sobre a questão indígena, os usos práticos do passado (Tiradentes) e do tempo que um feriadão proporciona para ler coisas interessantes como o texto do caro historiador Benedito Emílio da Silva, sobre a questão afro-indígena a partir da análise e crítica do discurso de Darcy Ribeiro.

O debate sobre isso não é recente, e em especial aqui na onde, além do discurso da “caboclitude/mestiçagem” apropriado para fins políticos e anti-indígena e anti-negro, temos o constante questionamento “índio de verdade”, que por fim se soma à uma histórica negação da presença negra na região.

O interessante é que apesar de contrariar teorias antropológicas estanques que atribuem características étnicas definidas para os diversos grupos ou refutam identidades mistas como a teoria da hipodescêndência (que diz que o produto de miscigenação é sempre alocado do lado menos valorizado socialmente de sua ascendência múltipla, negando portanto o “mestiço social”), temos no caso da relação entre afros e índígenas na Amazônia e, mais recentemente, uma tentativa de “costura” entre essas pertenças.

O fato é que a presença indígena nunca foi contestada na Amazônia; a “caboclitude” sempre foi mais uma tentativa de “aproximação branqueadora” do indígena ao ideal branco que o inverso, enquanto a negritude amazônica vinha sido invisibilizada sistematicamente. No entanto, não apenas na região amazônica, mas em todo território do atual os grupos não hegemônicos, isto é, não-brancos, de modo geral sempre interagiram em insurgência à dominação branca, prova está nos e mocambos que abrigavam todos esses marginalizados pela sociedade colonial e imperial.

Para além do fato que tanto afros quanto indígenas eram “negros” para o antigo regime. Aliás, oficialmente ao menos até às alterações pombalinas do XVIII, uma questão histórica, antropológica e sociologicamente as manifestações culturais miscigenadas são registradas desde então, sem necessariamente anular as identidades “originais”.

O comum sentimento de “não lugar” dos indivíduos produzidos por caldeamento passou a dar lugar à uma reivindicação por um complicado “lugar misto independente”. Ou então, a uma percepção de identidades múltiplas, porém unidas, o que é muito mais razoável.

Lembrei e resgatei, por exemplo, a união vivenciada pelos movimentos indígenas e negros no por volta de 2005 na época das preparações para a I Conferência Nacional de Igualdade Racial e no seu pós. A imagem que ilustra este artigo possui elementos de matéria em “A Crítica” sobre as comemorações da em 2006, em que essa união é sintetizada por uma imagem negro-indígena e uma foto da nossa querida cantora Márcia Siqueira, obviamente muito associada com o “caboclo/indígena”, mas que tem uma “identidade negra” muito latente em todos os sentidos, em pose comigo, associado obviamente à negritude.

Ignorar ou negar essa relação entre indígenas e negros, tem produzido problemas práticos como no caso de reconhecimento de remanescentes de quilombos, dado a grande miscigenação e variedade fenotípica e cultural nesses lugares fora do mainstrem da sociedade branca-envolvente. Causa também, dúvidas pessoais de pertencimento, que em primeiro momento parecem complicadas de decidir, mas basta atentar para a prática agora usual do reconhecimento indígena, o conhecimento de sua própria condição ancestral, mas também o viés cultural majoritário da pessoa e principalmente o reconhecimento da nação em que se insere. Fora disso é muito mais fácil ser “negr@”, que historicamente aceita muito menos “homogeneidade étnica-cultural” e fenotípica, tampouco dificulta uma natural e estratégica aliança afro-indígena. #pazentrenosguerraaossenhores

juarez

 

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e afrobrasileira e africana, movimentos sociais e . Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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