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“Agro é fogo”: incêndios no Brasil estão ligados ao agronegócio

“Agro é fogo”: incêndios no estão ligados ao agronegócio e ao avanço da fome, diz dossiê

Por Gabriela Moncau/ Brasil de Fato

O fogo no Brasil está sendo usado como arma para o avanço da grilagem de terras e a expulsão de comunidades de seus territórios, provocando impactos ambientais tais como seca e .

Isso mesmo durante a pandemia e com o endosso do governo Bolsonaro. Esse cenário, seus mecanismos, impactos e conflitos locais estão descritos no dossiê Agro é Fogo, que tem sua segunda fase lançada nessa quarta-feira (24). 
A Articulação Agro é Fogo, que fez o documento composto por sete artigos e sete casos territoriais, se constituiu como reação aos incêndios florestais que assolam o país nos últimos dois anos. A rede reúne cerca de 30 movimentos, organizações e pastorais sociais que atuam há décadas na defesa da , do Cerrado e do

Fome e agronegócio: ambos crescem juntos  

De acordo com o dossiê, a ampliação da fome no Brasil (que já atinge de forma aguda 19 milhões de pessoas) é proporcional ao avanço do agronegócio.
A área que poderia ser destinada a plantar alimentos presentes no cotidiano da população foi reduzida na última década. Atualmente o arroz, o trigo e o feijão representam apenas 8% da produção nacional de grãos. 
No lugar de produzirem alimentos como esses, as terras no país estão majoritariamente destinadas à concentração de commodities de soja e milho, que representam 88% da última safra de grãos do país.  

Pantanal queimando sob fogo provocado  

A exuberante da maior área alagável contínua do mundo. Para muitos, essa é a paisagem que vem à mente quando se fala no Pantanal que, do lado de cá das fronteiras brasileiras, se estende pelo Mato Grosso (MT) e Mato Grosso do Sul (MS).  
De janeiro a outubro de 2020, incêndios atingiram 4,1 milhões de hectares do Pantanal, o que responde a 26% da sua área. Em comparação com o fogo de 2019, houve um aumento de quase três vezes de área queimada.  
O artigo de Cláudia de Pinho destaca que, apesar de muito ter se falado sobre a tragédia das chamas na fauna e na flora desse ecossistema, pouca atenção tem sido dada aos impactos para as populações tradicionais que ali vivem.
“Quando o Pantanal queima, o que pega fogo é a casa dessas comunidades”, afirma Pinho, coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras.  
A partir do cruzamento de dados tais como focos de calor e mapeamento de áreas atingidas, o Instituto Centro de Vida identificou que, no Mato Grosso, entre julho e agosto do ano passado, os incêndios começaram em cinco fazendas de gado. 
A Repórter Brasil apurou que os pecuaristas em questão vendiam gado para o grupo Amaggi, do ex-ministro e ex-senador Blairo Maggi e para o grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi, um dos maiores produtores de soja do planeta. Ambas as empresas abastecem as multinacionais JBS, Minerva e Marfrig.  
De acordo com relatório do Ministério Público do MS e do MT, cerca de 60% dos focos de incêndio no Pantanal em 2020 foram provocados por ações humanas. No Mato Grosso do Sul, imagens de satélite sugerem que as chamas começaram em quatro propriedades rurais. 
A partir de 2013 foram criadas brigadas indígenas dentro do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), que faz parte do Ibama. Em 2020 havia 41 brigadas com cerca de mil brigadistas indígenas envolvidos na proteção de mais de 14 milhões de hectares de terras pertencentes aos povos originários.  

O roteiro das invasões abertas pelas chamas 

O uso do fogo com instrumento para o avanço do agronegócio sobre terras cobiçadas não é particularidade da área do Pantanal. Isso se explicita nas descrições de conflitos feitas pelo dossiê Agro é Fogo, tais como o avanço da fronteira agrícola em Piatã (BA); os desmatamentos na Terra Indígena (TI) Araribóia entre o Cerrado e a Amazônia; ou os incêndios provocados no território quilombola de Cocalinho (MA). 
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O cacique Antônio José da TI Valparaíso, do Apurinã, descreve um padrão usual praticado por invasores dos seus territórios, localizados na cidade de Boca do Acre (AM).
“Primeiro entra o madeireiro e derruba as madeiras de lei para vender. No ano seguinte, no verão, eles ateiam fogo na área que foi derrubada. Quando chega o inverno, já entra o fazendeiro que utiliza avião para semear o capim“, relata em depoimento colhido por Ivanilda dos Santos e Antonia Silva.  
“O último passo é cercar e colocar o gado”, diz o cacique Apurinã: “Dessa forma todo ano tem derrubada com roubo de madeiras, queimadas e formação de pastos e fazendas”.  
De acordo com as autoras, essa região localizada no sul do estado amazonense está vivendo uma expansão da pecuária, com invasões feitas em sua maioria por pessoas vindas de outros estados, tais como Mato Grosso, Santa Catarina e Rondônia. “Com o apoio do atual governo, a grilagem na TI Valparaíso tem se agravado”, afirmam.  

A boiada com casco de ouro 

Com destaque para os ataques vividos pelos povos Yanomami e Munduruku, a mineração também é central nas denúncias recolhidas pelo dossiê Agro é Fogo.
Apesar dessa prática dentro de território indígena ser ilegal, em novembro de 2020 havia na Agência Nacional de Mineração (ANM) mais de 3 mil requerimentos ativos para pesquisa ou lavra em terras de povos originários. Destes, 58 já haviam sido aprovados. 
De acordo com artigo de Luis Ventura Fernández, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 13 dos requerimentos de mineração aprovados afetam a TI Sawré Muybu do povo Munduruku, no médio rio Tapajós.  
O Projeto de Lei (PL) 191/2020, proposto pelo governo Bolsonaro e em vias de ser votado, pretende regulamentar a mineração e a exploração de hidrocarbonetos em de terras indígenas.
Ao citá-lo, Fernández salienta um fenômeno que se retroalimenta: “A expectativa de regulamentação incentiva o mercado minerador e, ao mesmo , o aumento de pedidos por parte do mercado alimenta a narrativa de ‘legitimidade e urgência’ da iniciativa de regularização”.  
O crescimento de pedidos por mineração regularizada, no entanto, não significa que, concomitantemente, a extração mineral não esteja acontecendo de forma ilegal.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que 72% de todo o garimpo realizado na Amazônia entre janeiro e abril de 2020 aconteceu dentro de áreas protegidas.  
Um levantamento feito pela Federal de Minas Gerais e o Ministério Público Federal estimou que entre 2019 e 2020 um volume de 100 toneladas de mercúrio foram usados em garimpos ilegais na Amazônia.  
O conteúdo desta matéria não necessariamente expressa a opinião da e é de responsabilidade da autora.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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