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Itiquira: Fartura das Águas

ÁGUAS DO CERRADO: OS MANANCIAIS QUE NOS RESTAM

Águas do Cerrado: os mananciais que nos restam

O Planalto Central Brasileiro tornou-se conhecido por estudiosos e do século XVIII como “o berço das águas”, por abrigar nascentes de três importantes bacias fluviais: Paraná/Prata, São Francisco e Araguaia/Tocantins. Uma fartura que ainda hoje enche nossos olhos com maravilhas da natureza como o Salto do Itiquira, cartão postal do município de , .

Por Jaime Sautchuk

O salto de 168 metros de queda livre, cujo nome em tupi- significa água em abundância, ou fartura das águas, encontra-se protegido pelo Parque Municipal do Itiquira, em local de fácil acesso, distante 120 km de Brasília, com visitação controlada e serviços básicos de alimentação e hotelaria nas proximidades da reserva de 200 hectares.

Também o singelo encontro de nascedouros das três bacias na Reserva de Águas Emendadas, no Distrito Federal, com distâncias de poucos metros entre eles, chega a ser intrigante. São pequenas fontes que já no berço se despedem pra seguirem rumos diferentes, uma pro Sul, outra pro e a terceira pro norte amazônico.

Cerca de 200 km ao norte dali, mas como parte do mesmo conjunto, estão as incontáveis nascentes de córregos e rios da Chapada dos Veadeiros. Esses descaem em saltos, corredeiras e desfiladeiros, dentro e fora dos 65 mil hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

A região do Planalto Central é merecedora, enfim, do apelido que ganhou dos viajantes do passado. Mas essas são amostras de um farto leque de mananciais de superfície que vêm minguando com espantosa rapidez.

Dos 41 cursos d’água da área onde hoje está o DF, por exemplo, vários secaram por completo, e os demais definham a olhos vistos, raquíticos e poluídos.

ÁGUAS DO CERRADO: OS MANANCIAIS QUE NOS RESTAM
Foto: EBC

IRRIGAÇÃO VERSUS ENERGIA

Históricos aliados nas políticas oficiais brasileiras, a água e a energia elétrica entram agora em choque, pelo que revelam os debates em andamento nos comitês de bacia que funcionam. Em Goiás, fica clara a contraposição do uso dos recursos hídricos para a agropecuária às barragens que movem usinas hidrelétricas.

O conflito começa por determinações de operadores de hidrelétricas que impedem, com respaldo legal, o uso dos lagos de barragens como reservatório de água pros outros fins.

Ou seja, não se pode retirar água desses lagos pra irrigação, por exemplo. O argumento central pra isso é o de que a maior parte das usinas opera no limite e, portanto, precisa de todo o líquido dos barramentos pra girar suas turbinas.

Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), não é viável a construção de grandes barragens no Planalto Central. Mas estão previstas dezenas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em rios da região, um prenúncio de conflitos com moradores e irrigantes.

Na Chapada dos Veadeiros, a contenda já está instalada, mas neste caso é com o setor de turismo, principal fonte de renda dos municípios da área.

ÁGUAS DO CERRADO: OS MANANCIAIS QUE NOS RESTAM
Reprodução

GESTÃO DA ÁGUA

A gestão da água é hoje, mais do que nunca, um tema internacional. Em reunião na França, em novembro passado, a Organização para Cooperação e Econômico (OCDE) concluiu volumoso documento em que analisa a situação do nessa área.

Aqui, em tese, da área federal sai o dinheiro pra estudos, planos e investimentos, além da proteção dos parques nacionais. Os estados atuam no planejamento regional e em obras que normalmente abarcam vários municípios. E as prefeituras cuidam das redes de distribuição e dos investimentos localizados, de menor vulto.

A OCDE aponta, contudo, a sobreposição de atribuições da União, de estados e municípios como um dos nossos principais problemas, apesar da ampla legislação sobre o tema. Há, segundo o documento, falha na comunicação entre os órgãos federais e os municípios, de modo que as prefeituras mal são informadas da construção de uma hidrelétrica, por exemplo.

O documento ressalta a existência dos comitês de bacias, mas demonstra que a esmagadora maioria desses colegiados tem função meramente burocrática. E recomenda maior participação das bases, da chamada civil organizada, e que seja dada força de lei às decisões desses órgãos.

A criação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, prevista no Brasil, seria uma maneira de fazer funcionar o Pacto Nacional de Gestão das Águas, já existente.

ÁGUAS DO CERRADO: OS MANANCIAIS QUE NOS RESTAM
Jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris) fotografado em Conceição da Barra, Espírito Santo – Sudeste do Brasil.

NEM JACARÉ ESCAPA

Estudos de órgãos federais, do Distrito Federal e de estados do Centro-Oeste, demonstram que praticamente todos os mananciais da região estão comprometidos por algum tipo de poluição.

Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), nem a água, nem a flora e nem a fauna aquática dos rios que formam o Pantanal Mato-grossense se salvam da contaminação por agrotóxicos.

Pesquisa da empresa revela que, já em 2001, das amostras coletadas em 16 rios pantaneiros, inclusive o Cuiabá e o Paraguai, 83% continham teores de herbicida ou inseticida, alguns de uso proibido.

E atribui a contaminação ao uso exagerado de agrotóxicos e ao manejo inadequado da agropecuária extensiva, que não impede que a água da chuva leve os venenos até os cursos d’água.

Nas áreas urbanas, mesmo em pequenas, estão presentes também as bactérias de esgotos domésticos, o lixo do dia a dia e os dejetos industriais. As populações humanas da região são contaminadas pelo contato direto com essas águas – inclusive pela ingestão – e pelo peixe, que é pescado ou adquirido em mercados.

Das águas de março que vão deixando o verão, ficam poucas promessas de vida para os mananciais que nos restam nesse pedação de chão do Planalto Central Brasileiro.

Jaime Sautchuk – Jornalista (in memoriam). Fundador da . Faleceu em 14 de julho de 2021. Matéria publicada originalmente em março de 2021. 

ÁGUAS DO CERRADO: OS MANANCIAIS QUE NOS RESTAM
Imagem: Otoniel Fernandes Neto
 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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