Alienada, revista Vogue Brasil ‘glamouriza’ a pandemia do coronavírus: espelho do país   

Alienada, revista Vogue ‘glamouriza’ a pandemia do coronavírus: espelho do país   

As revistas Vogue e Marie Claire são dedicadas ao público feminino. E procuram traduzir os temas da atualidade, transformada pela pandemia do coronavírus. Mas as semelhanças param por aí. A Vogue Brasil estampa a expressão novo normal, complementando-a com a frase “simplificar a vida e se concentrar no essencial são os caminhos para um mais ético e saudável”, em cima da foto da top model Gisele Bündchen glamourosa e sexy num vestido esvoaçante de uma marca de luxo.

Aposta no apelo comercial e promove as grifes Prada e Chloé, nas duas capas da edição de aniversário da publicação. É incapaz de abandonar o ranço do consumo para interpretar o espírito do tempo.

No entanto, não adianta esbravejarmos. A capa da Vogue Brasil apenas retrata a forma como a população poderosa deste país – que dita as regras na política, na e em boa parte da comunicação – vê a vida e seu lugar no mundo. O olhar e a postura de Gisele Bundchen na foto, neste momento, traduz como essa elite olha para os brasileiros que, sabemos, são maioria, não minoria como o presidente repete, de forma enganosa. Esta capa é, portanto – a meu ver, que fique claro! – um espelho do país. Mas não surpreende. É mais do mesmo.

Não é à toa que a revista tem recebido críticas ferozes nas redes sociais. Seus seguidores não pouparam nos comentários indignados e, em alguns casos, fizeram relatos muito bem embasados sobre a falta de noção de seus editores e da direção da empresa responsável pela publicação ao aprovar essa capa. Não é a primeira vez que a revista polemiza no quesito humanidade: em fevereiro do ano passado, uma de suas diretoras foi criticada por foto em que que aparece ao lado de duas mulheres negras, em festa promovida em sua casa na Bahia. Ela se demitiu, em seguida.

Tempo e sabedoria perdidos

É revoltante e triste ver no que o país está se transformando, apesar de não ser o que a maioria deseja. Neste momento, deveríamos estar zelando por nós e por todos, cumprindo o isolamento social, apoiando os profissionais de saúde que trabalham incessantemente, tentando salvar os infectados que mais sofrem com a COVID-19, lutando para que tenham todos os equipamentos e condições necessárias para atuar. Deveríamos estar unidos pelos doentes, contra quem não respeita o isolamento e contribui para que mais gente seja infectada rapidamente.

Deveríamos estar amparando os indigenas, quilombolas, os mais pobres, os desamparados, que não têm muita chance de resistir à com que esse vírus se espalha e dilacera o organismo humano. Deveríamos estar amparados pelo presidente e seu governo, para que pudéssemos passar por esta  humanitária sem tantas perdas e tanto sofrimento, e nos fortalecêssemos para enfrentar o depois, o cenário de pós-pandemia. Sem alienação.

Mas não é assim! Estamos perdendo tempo e sabedoria nos indignando com as decisões diárias deste governo. E com receio do porvir. Isso, enquanto outras sociedades, que valorizam a vida acima da economia e do , tentam driblar a pandemia com respeito e dignidade. O que pode se refletir também em publicações femininas que, em geral, valorizam temas considerados fúteis como beleza e , e o consumo, mas que, aos poucos, têm feito movimentos por mudanças importantes.

Respeito e elegância

Enquanto a revista brasileira mantém o glamour, neste mês de maio, a Vogue Itália e a Marie Claire mexicana traduzem este momento trágico vivido pelo mundo com respeito e elegância.

A revista italiana deixou sua capa toda branca, sem nenhuma chamada para qualquer reportagem encontrada na revista. Um fato inédito em sua história, que ficará marcado como um sinal de silêncio, de respeito e uma homenagem ao povo italiano, por tudo que tem enfrentado – , sofrimento, , solidariedade – desde que o coronavírus chegou ao país. Foi devastador, como pudemos acompanhar pelo noticiário.

Fonte: Conexão Planeta

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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