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Rio Negro

COMUNIDADES INDÍGENAS DO ALTO RIO NEGRO

Alto Rio Negro: Comunidades indígenas…

Em oficina Comunidades do TI Alto Rio Negro fazem oficina de gestão territorial, da fronteira do Brasil com a Colômbia discutem proteção do território, ausência de serviços públicos e manejo da biodiversidade

Por Amazônia Real 

O rio Apapóris vai se desenhando pela floresta densa em uma das regiões mais remotas do Noroeste Amazônico, entre os municípios de São Gabriel da Cachoeira (AM) e Japurá (AM). A mata intocada é um alento para a equipe que está dentro do pequeno avião rumo à Cachoeira do Machado, comunidade a margem do rio Traíra, na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro. Missão: realizar uma oficina do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) das TIs do Médio e Alto Rio Negro.

Rio Negro 

Cenário de grandes conflitos no passado por conta de garimpo (antes da , em 1998) e estratégica pela linha de fronteira, a região guarda histórias e tradições de povos indígenas — tukanodesana, macuna e yuhupdhe — que há séculos habitam a no Brasil e na Colômbia.

A oficina realizada entre os dias 6 e 12 de abril contou com a participação de antropólogos, biólogos e representantes das instituições responsáveis pela elaboração dos PGTAs da região: a Coordenação Regional do Rio Negro, a Coordenação Geral de Monitoramento Territorial e a Coordenação Geral de Etnodesenvolvimento da , a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Instituto Socioambiental (ISA). Também estiveram presentes representantes da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e da Fundação Estadual do Índio (FEI).

Rio Negro 

Os 30 participantes da oficina vieram de três comunidades: Santo Baltazar da Cachoeira das Andorinhas, também no rio Traíra, Vila José Mormes e Desano, ambas no Igarapé Castanho, além dos moradores de Cachoeira do Machado, onde foi realizado o encontro.

A ausência de serviços públicos e a grande diversidade cultural foram aspectos destacados pelos participantes. Do lado colombiano, também vieram indígenas de Taraira e Puerto Lopez, com grande disposição a trabalhar conjuntamente com os indígenas brasileiros pela gestão territorial e ambiental da região.

Os participantes do encontro reforçaram a necessidade de um enfoque transfronteiriço para as estratégias de gestão territorial e ambiental da região, que durante décadas tem sofrido o impacto das práticas predatórias de exploração de ouro. Os sistemas de conhecimento ecológico e cosmológico, bem como parte das práticas de manejo dos povos da região, ultrapassam as fronteiras.

A Serra Cascavel

“Essa serra (Traíra) é uma referência para todos os povos indígenas da região. Ela corresponde a uma cascavel. Na época das festas de frutas, cada uma delas tem cerimônias específicas para serem realizadas. Toda alimentação é proveniente dos sítios sagrados, por isso que temos que benzer antes de ser consumido”, relata o conhecedor e benzedor macuna, Lorenzo Valencia, de 62 anos, da comunidade de Puerto Lopez, no rio Traíra.

martinho manoel campos dessana lideranca da aldeia cachoeira do machado rio traira paje e curandeiro copia

O desana de Cachoeira do Machado, Martinho Manoel Campos, estava feliz pela oportunidade de falar de sua e de seu território tradicional. A liderança lembrou aos jovens dos mitos de criação do povo Desana e dos desafios atuais. “Somos gente de transformação… Para viver nas proximidades desse rio (Traíra) é preciso benzer anteriormente. Se não tivermos isso, podem acontecer intrigas entre os povos. Foi assim que se perderam a maioria dos pajés que existiam nessa região e esse processo piorou com a intervenção dos missionários que acabaram com quase todos os conhecimentos que nós tínhamos”, afirmou o pajé.

Muitas lideranças, inclusive mais jovens, como Sebastião Campos Valencia, desana, destacaram o desejo de construir a Casa de Sabedoria (maloca) na comunidade. “Queremos esse apoio para repasse dos conhecimentos para as novas gerações”, frisou. Houve ainda intenso debate sobre o nome maloca. “A denominação maloca foi dada pelos missionários. Agora temos que dar outro nome. Essa construção é uma casa de sabedoria, diferente da compreensão dos missionários que achavam que era apenas um lugar onde acontecia as beberagens”, enfatizou Lorenzo.

sebastiao campos valencia desano 

Nelson Ortiz, biólogo da Fundação Gaia da Colômbia e consultor do ISA, chamou atenção para o equilíbrio entre conhecimento tradicional e os conhecimentos que vem de fora para promover uma boa administração do território.

“O teto é coberto pelo conhecimento tradicional e temos que pensar como incorporar os conhecimentos que vem de fora. Como resolver os problemas de contaminação de mercúrio pelas atividades minerárias, pois já existem relatos de peixes deformados na calha do rio Traíra. Temos de pensar como vamos trabalhar de forma sustentável no território e como manter a relação com os conhecimentos de fora”, disse Nelson, durante a oficina.

Cartografia Participativa

Alto Rio Negro
O exercício de cartografia social participativa registrou informações acerca da rica diversidade ambiental, conservada em boa parte da região. Também permitiu o estabelecimento de acordos entre os moradores das comunidades. Veja mapa ao lado.

Durante o debate e elaboração do Mapa Virtual de Futuro os representantes das comunidades colocaram suas demandas e anseios sobre a necessidade de maior presença das instituições na região e a promoção de iniciativas de fortalecimento cultural.

Queixas de falta de estrutura de , e segurança foram recorrentes. Nos próximos meses, a Funai voltará à região e fará a doação de embarcações, motores para voadeiras/canoas e estações de radiofonia que foram requisitados pelas comunidades.

Alto Rio Negro 

Os PGTAs das sete terras indígenas do Médio e Alto Rio Negro serão redigidos e validados esse ano em assembleias sub-regionais da Foirn. A publicação e divulgação dos documentos, que, sobretudo na Colômbia, também são conhecidos como planos de vida, ocorrerá em 2019. A elaboração desses planos tem o apoio do Fundo Amazônia, do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), Aliança pelo Clima, Horizonte 3000, Fundação Moore e Fundação Rainforest.

Avião, barco e trilha: 72 horas de viagem até o rio TraíraAs equipes da Funai, Foirn e ISA viajaram 72 horas de São Gabriel de Cachoeira até o destino final: Cachoeira do Machado, comunidade na fronteira do Brasil com a Colômbia composta por 24 moradores, em sua maioria da etnia desana.

Em um avião de pequeno porte, o grupo voou por 1h20 de São Gabriel até Vila Bittencourt, uma base do Exército brasileiro pertencente ao Batalhão de Tabatinga. A partir dali, pegaram três canoas com rabeta (pequeno motor) e navegaram o rio Apapóris por sete horas até chegar ao rio Traíra. Pernoitaram na localidade de Cachoeira de Jacamim, em casa de apoio do lado colombiano.

Devido ao excesso de cachoeiras, o grupo teve que passar por trilhas e levar as canoas pela terra. “Das nossas três canoas, acabamos perdendo uma nas cachoeiras”, conta Wizer Almeida, representante do ISA, morador de São Gabriel da Cachoeira (AM).

Chegando em Cachoeira das Andorinhas a equipe conseguiu embarcar em um bote grande para navegar por mais cinco horas de viagem até Cachoeira do Machado, somando um total de 72 horas de viagem entre deslocamentos e pernoites. “A dificuldade logística da região é impressionante e mostra bem como é o esforço de todos que estão envolvidos no trabalho dos PGTAs das TIs do Rio Negro”, ressaltou Wizer.

Comunicador e fotógrafo Tuyuka registrou toda a viagem. Integrante da Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro, o fotógrafo Ovinho Tuyuka, da comunidade de São , no Alto Tiquié, registrou com fotos e vídeos toda a expedição e oficina do PGTA em Cachoeira dos Machado. Edilson Villegas Ramos, conhecido como Ovinho, sobrevoou pela primeira vez a região e ficou impressionado com a paisagem da Amazônia vista de cima. “Achei lindo mesmo a floresta grande, o rio, tudo é diferente de ver do alto”, comentou o jovem de 26 anos.

Falante de tuyuka, tukano, português e espanhol, Ovinho realizou também entrevistas em tukano, principal língua falada na região, coletando depoimentos desse momento histórico de realização do plano de gestão territorial e ambiental da TI Apapóris. Além de comunicador e fotógrafo, Ovinho é integrante de uma rede de 50 pesquisadores indígenas que monitora o clima e o na Bacia do Rio Negro.

Alto Rio Negro
Imagens: Alto Rio Negro

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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