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Anapu-PA: um barril de pólvora minado pelo latifúndio

Anapu-PA: um barril de pólvora minado pelo latifúndio –

Entrevista especial com Paulo Joanil da Silva

“Na região sudeste do Pará, o município de Anapu tem sido muito cobiçado pelo latifúndioporque essa é a última fronteira agrícola do Pará”, informa padre Paulo Joanil da Silva, em entrevista à IHU On-Line. Segundo ele, além da concentração de terra e dos grandes latifúndios, fatores que tradicionalmente explicam os conflitos no campo na região, hoje as principais disputas têm se dado em torno da madeira, da terra e dos minérios que estão concentrados na área do Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS, que foi criado com a ajuda da irmã Dorothy Stang, assassinada há 13 anos. “Graças ao trabalho missionário da irmã Dorothy, com a participação da Ouvidoria e do Incra, foram criados na região os Projetos de Desenvolvimento Sustentável, ou seja, trata-se de território coletivo onde foram assentadas milhares de famílias. Como essa é uma área que não pode ser desmatada, há uma cobiça dos latifundiários em relação à madeira, ao território e ao minério que está embaixo desse território, ou seja, eles têm interesse em três fontes de exploração”, relata.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, padre Paulo também comenta a prisão do padre Amaro, pároco da paróquia de Santa Luzia de Anapu, preso desde 27 de março. “Trata-se de uma prisão política com o objetivo de tirar da região uma liderança da Igreja, porque ele está atrapalhando os interesses do latifúndio, o qual está invadindo ferozmente os PDS, uma área pública onde estão assentadas várias famílias”, assegura.

Ele também comenta a morte de Nazildo dos Santos Brito, assassinado no final de semana na zona rural do município de Acará. “O município de Acará é muito próximo de Belém e é a região onde mais se concentram comunidades quilombolas desde o período da escravidão. Em Acará se instalaram grandes projetos de dendê, todos ligados à Vale, e esses projetos se impuseram roubando as terras dos quilombolas. Então, há uma resistência muito forte das organizações que sobreviveram, mas as empresas continuam invadindo os territórios quilombolas.

ESCOLHER A FOTO18 04 padre paulo joanil foto ormPadre Paulo | Foto: ORM

Paulo Joanil da Silva, padre dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada – OMI, é assessor da Comissão Pastoral da Terra da regional Norte 2, que atua no Pará, e integra a coordenação regional da Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Segundo estudo recente da Comissão Pastoral da Terra – CPT, o número de assassinatos no campo teve novo recorde, ultrapassando o maior número de assassinatos registrados em 2003. Quais são as principais causas de conflitos no campo, especialmente no estado do Pará?

Paulo Joanil da Silva – As causas são várias, entre elas, algumas históricas, mas a principal é o modelo concentrador de terra na mão do latifúndio e de grandes grupos econômicos, que hoje no Pará, sobretudo, são as mineradoras e empresas do agronegócio. Esse modelo concentrador do capital tem sido o principal empecilho à realização da reforma agrária, gerando uma instabilidade muito grande entre os camponeses. Além disso, gera uma impunidade, pois no Brasil e na Amazônia predomina há séculos um sistema de impunidade no campo; ou seja, o poder público, especialmente o judiciário, não tem punido vários crimes no campo, como o crime ambiental, o crime humano de fazendeiros que eliminam ativistas, advogados, camponeses, religiosos. Essa é uma marca histórica do Pará, porque o judiciário no estado é estritamente ligado ao latifúndio. Então, a impunidade é um fator gravíssimo, porque dado que a violência no campo não é punida, abre-se o precedente de que matar e concentrar terra pública de forma criminosa acaba compensando.

Outros fatores graves são a prática de trabalho escravo. Além disso, o governo federal golpista extinguiu a Ouvidoria Agrária Nacional, que mediava conflitos e representava um respiro para tratar da violência no campo. Como a Ouvidoria foi extinguida, o latifúndio continua cometendo crimes. O governo federal também extinguiu o recurso para o combate ao trabalho escravo e o Ministério do Trabalho não tem mais recursos para deslocar pessoal para verificar as situações de trabalho escravo nas fazendas. De outro lado, o governo também desestruturou o Incra, que não tem mais orçamento para fazer suas atividades. Todos esses fatores deixam a questão do campo muito pior, porque aumentam o número de despejos, de assassinatos e a impunidade, e a violência vai ganhando força de forma estrutural na sociedade paraense.

IHU On-Line – Particularmente em Anapu, quais são as causas dos conflitos e que atores estão envolvidos nesses conflitos?

ESCOLHER A FOTO18 04 anapu foto wikipediaLocalização da cidade de Anapu no mapa do Pará
Mapa: Reprodução / Wikipedia

Paulo Joanil da Silva – Na região sudeste do Pará, o município de Anapu tem sido muito cobiçado pelo latifúndio porque essa é a última fronteira agrícola do Pará e é uma região muito extensa. Graças ao trabalho missionário da irmã Dorothy, com a participação da Ouvidoria e do Incra, foram criados na região os Projetos de Desenvolvimento Sustentável – PDS, ou seja, trata-se de território coletivo onde foram assentadas milhares de famílias. Como essa é uma área que não pode ser desmatada, há uma cobiça dos latifundiários em relação à madeira, ao território e ao minério que está embaixo desse território, ou seja, eles têm interesse em três fontes de exploração.

Com o assassinato da irmã Dorothy e a retirada de algumas instituições da região, como a transferência do Incra de Altamira para Santarém, a quase mil quilômetros, as irmãs de Notre Dame, o padre Amaro e a equipe da CPT que ficou na região ficaram expostos à mesma organização criminosa que eliminou a irmã Dorothy.

Anapu hoje é um barril de pólvora, um território minado pelo latifúndio. Os mesmos que eliminaram a irmã Dorothy agora levaram à prisão o padre Amaro, criando uma ficção jurídica extremamente escandalosa, atribuindo a ele uma série de crimes que não foram provados. Trata-se de um golpe e de uma prisão política. Nesse sentido, Anapu representa, no estado do Pará, um ícone de onde está mais forte a instalação do crime do latifúndio. Essa é uma área federal e os fazendeiros estão grilando essas terras; o governo federal, em contrapartida, não está fazendo nada. Anapu tem sido um território abandonado.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a prisão do padre José Amaro Lopes de Sousa, pároco da paróquia de Santa Luzia de Anapu, no Pará? Quais são as causas envolvidas na prisão dele?

Paulo Joanil da Silva – O padre Amaro é um perseguido, da mesma forma que as irmãs e as lideranças sociais do campo. Ele é pároco em Anapu há 15 anos e as acusações imputadas a ele foram todas jogadas por terra. Não existe nenhuma prova de que ele cometeu a mínima ilegalidade. Por exemplo, imputaram a ele a invasão de terras e a formação de quadrilha para saquear fazendas. Isso é justamente tudo o que ele e a CPT sempre denunciaram, mas o judiciário, o latifundiário e o delegado reverteram isso contra ele. Então, não existe, juridicamente, nenhuma prova das acusações feitas a ele, de modo que se trata de uma prisão política.

latifúndio decidiu matar mais um, como mataram a Dorothy. Resolveram matar o padre Amaro moralmente, e por isso o prenderam. Não temos a menor dúvida disso. Já solicitamos um pedido de habeas corpus, mas foi negado no Fórum local e no Tribunal do Pará, e agora estamos entrando no Supremo Tribunal de Justiça – STJ em Brasília. Trata-se de uma prisão política com o objetivo de tirar da região uma liderança da Igreja, porque ele está atrapalhando osinteresses do latifúndio, o qual está invadindo ferozmente os PDS, uma área pública onde estão assentadas várias famílias.

Imediatamente após a prisão do padre Amaro, o bispo de Altamira, Dom João Muniz, juntamente com Dom Erwin Kräutler, que é bispo emérito, acompanharam o depoimento do padre Amaro, e a Igreja local está dando todo o apoio a ele enquanto ele está detido. Há sempre gestos de solidariedade no presídio e no Pará e, inclusive, criamos um movimento chamado Movimento pela Libertação do Padre Amaro; todos estamos juntos nesta causa.

IHU On-Line – A CPT do Pará já afirmou que tanto os trabalhadores como as irmãs de Notre Dame sofrem há muitas décadas em Anapu. Há 13 anos a própria irmã Dorothy Stang foi assassinada. Que tipo de perseguições as irmãs da congregação de Notre Dame estão sofrendo?

Paulo Joanil da Silva – Da mesma forma que o padre Amaro, elas sempre sofreram a intimidação do jogo sujo via órgãos públicos municipais, por meio da desmoralização, da divulgação pública via carros de som dizendo que elas são norte-americanas e estão na região a serviço do império norte-americano para tomar as terras e dá-las aos EUA. É uma difamação grotesca. Anapu é um lugar muito longe e isolado e o latifúndio apela para esse tipo de comportamento porque eles mandam na região.

IHU On-Line – No início da semana divulgou-se o assassinato de Nazildo dos Santos Brito, líder quilombola da zona rural do município de Acará, no Pará. Qual é a situação das comunidades quilombolas na região? Em que tipo de conflitos elas estão envolvidas?

Paulo Joanil da Silva – Ele era indígena, mas na região as questões indígena e quilombola são muito próximas. O município de Acará é muito próximo de Belém e é a região onde mais se concentram comunidades quilombolas desde o período da escravidão. Em Acará se instalaram grandes projetos de dendê, todos ligados à Vale, e esses projetos se impuseram roubando as terras dos quilombolas. Então, há uma resistência muito forte das organizações que sobreviveram, mas as empresas continuam invadindo os territórios quilombolas.

Nazildo era uma liderança jovem, que já tinha feito várias denúncias sobre a situação dos quilombolas e, tristemente, ontem [16-4-18] ele foi sepultado. Nós não temos provas, mas ao que tudo indica foi um crime de execução. Quer dizer, o interesse é eliminar lideranças que representam muito para as comunidades da região.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Paulo Joanil da Silva – Hoje [17-4] faz 22 anos do massacre de Eldorado do Carajás, então em Belém está acontecendo um grande ato e todos estamos mobilizados pela libertação do padre Amaro. Estamos conscientes de que a força do latifúndio é muito forte e tem alianças com o Poder Judiciário no estado, mas não vamos dar trégua, pois temos certeza de que ele é inocente e esperamos que possa conquistar sua liberdade e continuar seu trabalho pastoral em Anapu.

Anota aí:

Publicado originalmente no site do Instituto Humanista Unisinos, por Patricia Fachin

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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