Ararinha-Azul: Traficantes oferecem, via zap, entrega internacional em domicílio da nossa ave em risco de extinção

Traficantes internacionais oferecem ararinha-azul, por WhatsApp, com entrega na porta de casa

– Olá, vi seu anúncio sobre aves exóticas no Instagram. Você tem alguma ararinha-azul?

– Olá! Você quer uma ou um casal?

– Uma só. Qual a idade delas? Você envia para o exterior?

– Elas têm 13 meses. Sim, nós enviamos para o exterior. O valor é US$ 1 mil e inclui, viagem e entrega em casa. Precisarei seu endereço completo e o aeroporto mais perto de onde você vive. Uma vez que eu tenha esses detalhes, irei ao Ministério de Pecuária e Relações Exteriores e solicitarei os documentos necessários para que os papagaios viajem através de fronteiras internacionais. Quando os documentos estiverem prontos, vou à companhia aérea e registro as aves com teu nome e endereço. Uma vez terminado o vôo, entrarei em contato com o número de rastreamento para que você acompanhe o status do voo e saiba a hora exata de partida e chegada de seus papagaios em Dubai.

– Macho e fêmea têm o mesmo preço?

– Sim, minha amiga.

(Dias depois)…

– Olá, minha amiga! Você ainda quer as ararinhas-azuis?

– Pensando sobre o assunto…

– Está incrédula?

– Tenho dúvidas sobre a chegada das aves. Não quero ter problemas.

– Posso assegurar que não haverá problemas. Enviei aves para os Estados Unidos duas vezes recentemente e tudo correu muito bem.

A conversa acima é real. É uma troca de mensagens por WhatsApp entre eu e um traficante internacional de aves. Ou melhor, um “criador especialista em aves exóticas”. O número de telefone de “Persye”, nome que ele usa, tem o código de Camarões, na África.

Com páginas públicas na internet e nas redes sociais Instagram, Facebook e Twitter, a Botan Birds Farm oferece para venda uma diversidade enorme de espécies de papagaios e também, ovos dos mesmos (mas em nenhum lugar há fotos da ararinha-azul, ela só é mencionada na conversa pelo WhatsApp e nas hashtags #amazonparrots). 

Ararinha azul 2

Vale explicar que a comercialização de aves não silvestres, aquelas criadas para a venda comercial e não retiradas da natureza, não é ilegal na grande maioria dos países. O que faz a mensagem acima ser ilegal é envolver uma ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), espécie nativa da baiana, que está extinta na natureza desde o ano 2000.

Atualmente, no mundo todo, estima-se que sejam pouco mais de 150 exemplares da ave existentes em cativeiros no e no exterior. Todavia, 90% delas está em um centro de reprodução na Alemanha, envolvido em diversas denúncias, e que deverá fazer a repatriação das mesmas, em breve, para a (leia mais aqui ).

O gigante e cruel mercado do tráfico de aves silvestres

Foi devido a uma série de reportagens publicadas aqui no Conexão Planeta, que um criador brasileiro, que prefere manter seu nome em sigilo, me passou o contato do traficante acima, que sem pudor nenhum, tenta vender a ararinha-azul.

Provavelmente, pelo valor pedido, ele não tem uma ave da espécie. Estaria tentando enganar seus “compradores”. “No mercado do tráfico internacional, uma ave rara como a ararinha-azul poderia custar entre US$ 10 e 15 mil”, diz Felipe Feliciani, biólogo e analista de conservação do WWF-Brasil. “Infelizmente, em valores e tamanho, o tráfico de aves só perde para o de drogas e de armas”.

Estima-se que o setor movimente cerca de US$ 42,8 bilhões globalmente.

O mundo da comercialização ilegal de aves é um universo muito cruel. A taxa de mortalidade é de 90%. Pouco mais de 1% delas sobrevive ao transporte. Os pássaros são acondicionados das maneiras mais desumanas possíveis. Muitos são colocados dentro de canos de PVC, escondidos entre cargas. Não é surpresa então, que a maioria deles chegue morta ao destino final.

No Brasil, ainda hoje, após 50 anos de o país ter se tornado o primeiro da América do Sul* a proibir a venda comercial de , entre 30 e 35 mil aves são confiscadas por ano. “ a legislação permitia que o animal capturado na natureza fosse comercializado, mas desde 1967, não mais”, explica Felipe.

E por que o tráfico ainda persiste? “Dado o tamanho e a complexidade das fronteiras do Brasil, é difícil ter uma fiscalização 100% eficiente”, diz o biólogo.

Segundo Feliciani, quase que a totalidade das aves traficadas no país são para atender a demanda interna.

Onde há demanda, há tráfico

No Brasil existem três tipos de criadores de aves: amadores, comerciais e científicos. Todos precisam ser cadastrados junto ao Ibama, mas só os comerciais podem vender pássaros. Já os científicos são os únicos autorizados a ter e tentar a reprodução em cativeiro de espécies ameaçadas de , como a ararinha-azul.

Ainda de acordo com o biólogo do WWF-Brasil, o que acontece é que alguns criadores comerciais “esquentam” os do tráfico, ou seja, revendem o que foi capturado ilegalmente na natureza.

Entre os anos de 2000 e 2013, a África do Sul foi o maior exportador mundial de papagaios sul-americanos. Os principais consumidores de aves silvestres são Estados Unidos, além de Portugal, Espanha, Holanda e Bélgica. Entretanto, os países europeus servem mais como porta da entrada ilegal desses animais para aquele continente.

“Os Emirados Árabes também são uma das rotas”, destaca Feliciani, ao comentar que o traficante que me ofereceu a ararinha-azul mencionou o aeroporto de partida como sendo em Dubai.

Recentemente, a Turkish Airlines foi denunciada por colaborar com o tráfico internacional. Uma investigação da Proteção Animal Mundial revelou que a companhia aérea da Turquia e sua transportadora (Turkish Cargo) permitem o transporte de animais silvestres. Os traficantes usam a empresa para levar papagaios-do-congo africanos em voos que saem da República Democrática do Congo, Nigéria e Mali com destino a países do Oriente Médio e Ásia.

Há pouco tempo, mais de 60 deles chegaram mortos ao Kuwait. “A capilaridade da companhia é muito ampla. Ela voa para 120 países, incluindo o Brasil. Por isso, o resultado da investigação é tão alarmante”, destaca Roberto Vieto, gerente de silvestre da Proteção Animal Mundial.

Se já existem leis que proíbem a comercialização das aves silvestres, como dar um basta no tráfico? O biólogo do WWF-Brasil afirma que a legislação é um instrumento, mas é preciso de um maior trabalho de conscientização e  ambiental para que a população entenda melhor sobre o pertencimento desses seres no meio ambiente.

“Todo comércio vive de uma demanda. No mundo ideal, as pessoas aceitariam que o lugar do animal silvestre é na natureza”, sonha Feliciani. “No meu mundo perfeito, elas deveriam se conscientizar que o tráfico é cruel e que uma ave que tem a habilidade de voar não foi feita para ficar em uma gaiolinha, cantando só para você”.

ararinha azul icmbio

ANOTE:

Em janeiro, a organização TRAFFIC lançou, com apoio do WWF-International, o estudo “Bird’s-eye view: Lessons from 50 years of bird trade regulation & conservation in Amazon countries” (em tradução livre  Vista Aérea: Lições dos 50 anos de regulamentação e conservação do comércio de aves nos países da ). O estudo completo você pode acessar neste link.

Fotos de Capa: ICMBio 

Fotos internas: ICMBio e Imagens das ararinhas-azuis que seriam vendidas. Enviadas pelo Whatssapp por “Persie”. Arquivo pessoal da autora.

Ararinha Suzana Suzana CamargoJornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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