Tentam nos calar, arrancam nossas mãos, mas não podem tirar nossa resistência

ARRANCAM NOSSAS MÃOS, MAS NÃO PODEM TIRAR NOSSA RESISTÊNCIA

Tentam nos calar, arrancam nossas mãos, mas não podem tirar nossa resistência

Nota de repúdio ao ato de vandalismo contra a estátua de Chico Mendes

Por Victor Manoel/Comitê Chico Mendes

Há exatamente um mês, o Comitê Chico Mendes estava comemorando o início de mais uma Semana Chico Mendes, uma edição especial e celebrativa dos 80 anos de nascimento do líder seringueiro. Após uma semana inteira de festividades, ações voltadas para o socioambientalismo e encontros com parceiros de outros estados – e conosco mesmos, no processo -, no dia 22, domingo, data em que aconteceu o assassinato do seringueiro que dá nome à nossa instituição, enchemos sua estátua na Praça dos Povos da Floresta, em Rio Branco, com velas e porongas com rosas.

O monumento sofreu na madrugada desta quarta-feira, 15, mais um ataque. Desta vez, arrancaram suas mãos. Não é a primeira vez. Em julho de 2022, o patrimônio foi arrancado e derrubado ao chão. Foi necessária uma revitalização, realizada pela Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), que veio a ficar pronta em novembro de 2023. Em 2018, o menino que acompanhava Chico na escultura também foi furtado e levado, deixando o líder sindicalista sozinho na Praça.

Angela Mendes, filha mais velha de Chico e presidenta do Comitê, declara que acredita que, sim, parece uma ameaça direta a quem defende a causa: 

“Pois, para mim, parece que seja algo além da simples depredação de patrimônio público, o que em si já seria um crime, mas sinto como se fosse uma mensagem clara e contundente de que o latifúndio está cada vez mais vivo e mais forte no outrora Estado da Florestania. Iremos denunciar e registrar um boletim de ocorrência e, diferente da primeira vez, esperamos uma resposta à altura dos órgãos de segurança e do Ministério Público”, declara.

Vandalismo é crime. De acordo com o artigo 163 do Código Penal brasileiro, o autor do delito fica sujeito a prisão e multa por danos ao patrimônio público. A pena varia de seis meses a três anos de detenção, além das agravantes. Atentar contra a imagem de Chico, em um ano tão simbólico como o ano em que o nosso país sediará a COP30, é atacar ideais, lutas, vozes e sonhos por um mundo mais justo e verde.

Repudiamos essa violência, ainda mais em um local de ampla movimentação e com monitoramento policial. A estátua é um patrimônio público e o cuidado com a escultura perpassa por diversos setores da sociedade. Urge uma investigação do caso. Afinal, um atentado a Chico é sempre uma ameaça aos valores que buscam transformar a situação de desequilíbrio climático que vivemos atualmente.

O Comitê Chico Mendes se coloca à disposição para sanar quaisquer dúvidas. Relembramos nosso compromisso com a memória de Chico, suas companheiras e companheiros. Neste ano, continuaremos na defesa da floresta, celebrando e discutindo nossas vozes. Em 6 de setembro, teremos mais uma edição do nosso “Festival Jovens do Futuro”, inspirado pela carta de Mendes. Também estaremos presentes na COP30, no Pará, levando nossas preocupações e reivindicações para as lideranças presentes e para o mundo. Em dezembro, entre os dias 15 e 22, a Semana Chico Mendes volta, em Xapuri e Rio Branco, com mais parceiros e encontros que reverberam os empates dos seringais. Tentam nos calar, arrancam nossas mãos, mas não podem tirar nossa resistência.

Sobre o Comitê Chico Mendes

Criado em 1988 por companheiros e companheiras de luta e militância, familiares e organizações da sociedade civil, na noite do assassinato do líder seringueiro e sindicalista, o Comitê Chico Mendes surgiu como guardião dos ideais e do legado deixado por Chico e mobilizar a luta por justiça pelo seu assassinato.

Realizando a Semana Chico Mendes e o Festival Jovens do Futuro, o Comitê atuou como um movimento social até 2021, quando, diante do desmonte da Política Nacional de Meio Ambiente, que atingiu de forma violenta os territórios e seus povos, sobretudo as Reservas Extrativistas, legado direto da luta de Chico, sentiu que era chegado o momento de dar um passo importante e necessário no sentido de se estruturar para uma atuação voltada à promoção do bem-estar social, ambiental, cultural e econômico das comunidades tradicionais locais.

Então, em maio de 2021, depois de um longo processo de escutas e diálogos entre seus membros ativos e parceiros, decidiu-se pela institucionalização do Comitê Chico Mendes. Essa decisão foi um divisor de águas. Hoje, chegamos às bases com projetos estruturados, mas continuamos com a alma de movimento de resistência que transborda nas Semanas Chico Mendes, realizadas desde 1989, e no Festival Jovens do Futuro, realizado a partir de 2020.

Capa: Estátua de Chico, mais uma vez, depredada. Foto: Ecos da Notícia

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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