Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.
AS CORES DOS ORIXÁS

AS CORES DOS ORIXÁS

Quais são as cores dos Orixás?

Por Jornal Correio 24 Horas/Salvador/Bahia 

Ao acordar, Orlando coloca seus colares de contas brancas de proteção, na Liberdade. Alguns quilômetros dali, na Barra, Olivia também não sai de casa sem antes colocar seu guia amarelo ouro. Na sexta-feira, ambos se vestem de branco. Não precisa ser adepto do candomblé para saber que nossos personagens são devotos de Oxalá e , respectivamente, somente pelas cores de seus guias.

Se Salvador tivesse que ter uma cor predominante, qual seria? Se depender do nosso cotidiano influenciado pelo candomblé, a resposta seria: depende do seu axé. Se você é de Ogum, certamente a capital é azul marinho. Iansã? Vermelho! Salvador é um grande guia onde as cores significam proteção e devoção deste panteão de deuses africanos. 

AS CORES DOS ORIXÁS
Casa de Oxumaré – Foto: Facebook
Contudo, a casa muda sua cor predominante a cada festejo para reverenciar uma divindade específica. No dia em que visitamos a casa, o terreiro iniciava os preparativos para homenagear Iemanjá.
 
Era como a festa do Rio Vermelho de forma compacta, onde as pessoas vestem o azul cor de mar para referenciar a Deusa das Águas. No terreiro, o azul, verde e branco predominavam. 

Isso mesmo. O verde também é da Rainha das Águas. Muitos acham que Iemanjá é apenas o azul do mar (e do peixe), mas não é apenas isto. O candomblé é e, por conta disso, leva as cores dos elementos sagrados de cada um.

Iemanjá, por exemplo, é representada pelo azul, mas também pelo verde do mar soteropolitano, além do branco, que são as espumas salgadas.

Basta pensar que as cores que costumamos vestir em homenagem aos nossos orixás são referências a elementos naturais de cada divindade. 

“Vamos pensar que o candomblé é natureza. E natureza é cor. Então, cada orixá, devido a sua ligação com a natureza, leva sua cor que pode ser diferente em cada nação, seja Ketu, Angola ou Jeje, por exemplo.

Por que Iansã é vermelho? Por conta do ! Oxum é amarelo pelo metal ouro. É a harmonia entre cor, candomblé e natureza. Aqui, Oxumarê juntou todos neste arco-íris. Temos a referência com as cores dos orixás que vieram da África, mas foi em Salvador que as cores se juntaram, pois aqui as nações e os orixás de diferentes pontos da África se encontram.”, disse Bàbá Pecê. 

O salão tombado e sagrado da Casa de Oxumarê. No teto, o arco-íris (divulgação / Iphan) Pecê se referiu à junção de orixás em Salvador. Na África, antes do processo da escravidão, os orixás eram cultuados em algumas regiões africanas, sendo desconhecidas em outros trechos.

Era como se Ogum fosse referenciado em Pirajá, mas desconhecido em Brotas, nas suas devidas proporções. Com a escravização, diferentes etnias aportaram em Salvador. Mesmo com uma característica própria, os terreiros mais antigos abraçaram todas as nações e deuses num único barracão, incluindo suas respectivas cores. É como se todas as cores de diferentes nações aportassem em Salvador, como um arco-íris. 

Nos terreiros, principalmente os mais tradicionais, existe o Oriàṣẹ, uma espécie de escultura sagrada que representa todas as nações. Quando há uma festa específica, o Oriàṣẹ recebe as cores do orixá homenageado.

“Nas terras africanas, de onde nossos ancestrais foram arrancados do seio de suas famílias e trazidos para o Brasil na condição de escravizados, cada cidade possuía a predominância de culto a uma divindade, e uma vez eles estando aqui, não tinham outra opção a não ser compartilharem o espaço e fazer desta Casa um lugar de culto a todas as divindades”, completa Bàbá.

Para Pecê, as cores do candomblé se tornaram referência e costume de Salvador, ditando nosso jeito de se vestir. “O soteropolitano gosta do colorido, das cores fortes que vimos na África”, diz. Ele ainda revela um segredo:

 “Quando Ana Braga esteve aqui, me perguntou sobre as cores dos orixás, como se vestir durante a semana. Falei tudo e até hoje ela se veste com as cores da cada orixá, de acordo com o dia da semana.

As cores do terreiro estão no cotidiano. Sexta vestimos o branco buscando a paz de Oxalá. No final do ano, me ligam para saber qual o orixá do ano novo, justamente para se vestir com as cores dele. Está na cultura do soteropolitano”, conta.

AS CORES DOS ORIXÁS
Sincretismo – Foto: Brasil Escola

Sincretismo

As cores também tiveram fortes influências no sincretismo religioso de Salvador. No processo de associação das divindades africanas com os santos católicos, nem sempre as características e semelhanças de cada um foram levadas em consideração, justamente pelo fato de nem todos os africanos que vieram escravizados falavam a .

Isso pode, inclusive, explicar o motivo de Ogum ser representado por Santo Antônio em Salvador, ao invés de São Jorge, comum em outros estados. 

Segundo alguns estudos, incluindo Pierre Verger no livro Orixás, a explicação para Ogum ser um santo casamenteiro tem a ver com uma imagem que ficava na Igreja da Barra. Foi atribuída a este objeto sacro um milagre por conta da destruição de navios invasores. Este Santo Antônio acabou ganhando patente de capitão da marinha com honras militares, incluindo espada e uma manta… Azul marinho! Se encaixou perfeitamente. 

Esta relação colorida também ajudou os terreiros de Salvador nos tempos em que ainda era proibido cultuar deuses africanos. Muitos faziam altares com as cores de Santa Bárbara, por exemplo, com imagens da santa católica, mas aquela cor já era o bastante para associar com Iansã  sem a necessidade de sua imagem. 

Para o presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA), Leonel Monteiro, a cor hoje é vista como uma associação bem próxima do cotidiano do soteropolitano e seu santo de axé, mas também foi uma forma de burlar o preconceito com as religiões de matrizes africanas. Se vestir de branco, por exemplo, foi uma forma de cultuar Oxalá na sexta-feira, enquanto os católicos pensavam se tratar do Senhor do Bonfim. 

“Falar de cores na história do candomblé em Salvador é muito importante e marcante. O sincretismo foi foi uma estratégica dos negros e negras escravizados continuarem cultuando a sua fé, ligando o orixá e seu vodum a um determinado santo católico para burlar o clima hostil. A cor, sem dúvida, foi determinante.

Mas, na sua essência, a relação de cores com o panteão são elementos na natureza que representam o caminho de determinada divindade. Não precisa ser somente da natureza. O nosso sangue vermelho é domínio de Exu, por exemplo”, conta Leonel.

 Guias Outra referência importante entre cor, orixá e Salvador são as guias que muitos soteropolitanos carregam no pescoço. É uma forma de identificação e devoção. É difícil alguém não identificar um filho de santo ao avistar os fios de contas, conhecidos como guias ou Ìlèkè, no pescoço. Ele carrega ali não apenas a cor do seu orixá, mas uma proteção contra qualquer mal.  E, assim como já foi dito, cada miçanga representa o elemento da natureza do seu protetor. 

“Tem gente que compra as guias e nem é do candomblé. Pergunta qual a cor de determinado orixá e pega para buscar proteção e porque acha bonito o baiano usar. É bem comum o turista levar como lembrança da Bahia, pois vê muita gente com a guia no pescoço. Sempre pergunta pra mim: ‘protege mesmo?’.  

Eu digo que sim, né? Quero vender…” disse um vendedor da Feira de São Joaquim, meio desconfiado e pedindo pra não revelar . Ele tem medo de represália na igreja. “Sou evangélico, velho”, completa. 

A não ser que você seja roqueiro ou gótico, vestir preto na sexta-feira é quase um sacrilégio em Salvador. Obviamente, também tem relação com o candomblé. Fora em alguns detalhes, é raro ver a cor preta nos cultos de matrizes africanas.

Vale salientar que não estamos falando de raça, mas da cor em si e sua representação na religião. Neste caso, a cor branca é predominante até no luto, por uma explicação que chega a ser quase científica: o branco representa a  “cor da luz”, pois  reflete todas as cores do espectro. 

“Claro que a gente não está falando da raça negra, estamos falando de cor. O branco representa luz, paz e até luto. São todas as cores reunidas. É a cor que mais deve ser usada. Por isso, se identifica adeptos das religiões de matrizes africanas com suas vestimentas brancas. [a baiana de acarajé, por exemplo].

Quem mais representa esta cor é o Orixá maior, Orixalá, né? Olha a importância desta cor, que leva o equilíbrio e a paz, né? É a tranquilidade pra gente seguir a vida. Em contraponto, a cor preta é de luz, por isso não é utilizado”, completa Leonel.

AS CORES DOS ORIXÁS
Cores dos Orixás – Foto: Brasil Escola

As cores dos orixás

Exu: colares de contas vermelho e preto / dia da semana: segunda-feira

Ogum: colares de contas azul escuro (podendo ser de vidro) ou verde / dia da semana: terça-feira

Oxóssi: colares de contas azul-esverdeadas / dia da semana: quinta-feira

Ossain: colares de contas verde e branco / dia da semana: sábado

Xangô: colares de contas vermelho e branco / dia da semana: quarta-feira

Yansã: colares de vidro grená  / dia da semana: quarta-feira

Iemanjá: colares de vidro transparente, de contas verde ou azul-claro / sábado

Oxumarê: colares de vidro Amarelo e verde (também representa o arco-íris)  / terça

Omolu:  colares de contas marrom com listras pretas e brancas ou pequenos discos pretos / segunda-feira

Nanã: colares de vidro branco com listra azul / segunda-feira ou sábado

Oxalá: colares de contas branco / sexta-feira  

Nota do Correio: Este conteúdo especial (publicado em 29 de março de 2023) em homenagem ao Aniversário de Salvador integra o projeto Salvador de Todas as Cores, realizado pelo Jornal Correio, com patrocínio da Suzano, Wilson Sons, apoio institucional da Prefeitura de Salvador e apoio da Universidade Salvador – Unifacs.  

Nota da Revista Xapuri – Exceto pela foto de capa, as demais foram incluídas pela Redação Xapuri, com os devidos créditos.

 

 
 

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

posts relacionados

REVISTA

[instagram-feed]