AS LENDAS DO RIO SÃO FRANCISCO

AS LENDAS DO RIO SÃO FRANCISCO

As lendas do Rio São Francisco

O Rio São Francisco é tão marcante na vida das pessoas que vivem às suas margens que elas chegam a acreditar que o rio tem vida própria. Como muitas vezes essa crença se traduz em lendas, compilamos algumas das principais lendas que habitam o imaginário das populações ribeirinhas do Velho Chico

Editada por Zezé Weiss

Segundo a Lenda da Origem do Rio, antes de o Velho Chico existir os indígenas viviam felizes nos chapadões, em várias aldeias. Em uma delas vivia uma jovem mulher, chamada Iati, noiva de um forte guerreiro.

Um dia esse guerreiro foi pra guerra junto com todos os outros homens da aldeia. Eles eram tantos que por onde passavam iam formando um grande sulco na terra.

Desesperada pela separação, Iati chorou muito, e suas lágrimas escorreram pelo chapadão do alto da serra formando uma linda cascata que, caindo no sulco criado pelos passos dos guerreiros, escorreram para o norte até se derramaram no oceano.

E assim se formou o rio São Francisco.

Já a Lenda do Sono conta que todo santo dia o Velho Chico adormece por dois ou três minutos, sempre à meia noite. Esse é o momento em que as almas dos afogados se dirigem para as estrelas, os peixes param no fundo do rio e até as cobras perdem o seu veneno.

Os barqueiros que se acham no rio a essa hora tomam todo o cuidado para não acordar o rio. Se um barqueiro sente sede, antes de pegar a água, joga nela um pedacinho de madeira.

Se ele fica parado, o barqueiro espera, porque não convém acordar o rio: quem o fizer, poderá ser castigado pela mãe d’água, pelos peixes, pelas cobras e pelos afogados que não conseguiram alcançar as estrelas.

AS LENDAS DO RIO SÃO FRANCISCO
Imagem: Reprodução/Internet

Muito próxima da Lenda do Sono é a Lenda da Mãe D´Água, uma sereia linda que vive nas águas do rio São Francisco.

Para os barqueiros, durante o seu sono da meia-noite o rio para de correr e as cachoeiras de cair. É quando a mãe d’água sai das águas e vem pra fora procurar uma canoa e nela sentar-se para enxugar e pentear seus longos cabelos.

A Lenda do Nego D’água dá notícias de um ser moreno e forte que costuma sair das profundezas do rio para ficar nas proas das canoas e nas coxias das barcas, fazendo um animado batuque.

Tem uma voz bonita e encantadora, mas suas gargalhadas assustam os pescadores e as lavadeiras que não o agradam com peixes, fumo de mascar e pinga. Ainda segundo a lenda, o Nego D’água costuma virar a canoa dos pescadores que pescam durante a Piracema ou que pescam de forma prejudicial ao meio ambiente.

A Lenda do Surubim Beijador conta-se que Anália era uma cabocla que vivia com um cabra muito ciumento num vilarejo ribeirinho chamado Ilha do Jegue. Em uma noite de lua cheia, o cabra a violentou e deixou seu rosto completamente desfigurado.

Ela então desceu pro quintal da sua casa, onde com dor e dificuldade começou a lavar o rosto nas águas do Velho Chico. Entre a raiva e o desejo de vingança, Anália adormeceu à beira do rio, com os respingos das ondas tocando levemente o seu rosto dolorido.

Foi despertada com um beijo de um imenso surubim que, ao acariciá-la, lentamente foi retirando as marcas da violência de seu rosto lindo. Ao voltar para casa, ela encontrou seu companheiro morto na cozinha, engasgado com uma espinha de surubim que preparara horas antes de ser espancada.

Até hoje os homens da beira do rio tratam suas companheiras com muito amor e paixão e, quando tem alguma desavença, por menor que seja ela, não há surubim nas refeições daquele dia. E dizem que, em noites de lua cheia, o Surubim Beijador aparece para alegrar os casais com suas danças acrobáticas nas águas do Velho Chico.

Dizem também que, há muito tempo, havia uma linda menina que morava na cidade de Juazeiro. Certo dia, ela permaneceu por muitas e muitas horas olhando seu reflexo nas águas cristalinas do rio e acabou esquecendo da hora de voltar pra casa.

Quando ao final da tarde começaram as badaladas do sino da igreja, a menina se transformou em uma gigante e terrível serpente, e assim nasceu a Lenda da Serpente da Ilha do Fogo.

A Lenda do Gritador versa sobre um vaqueiro que foi vaquejar em uma sexta-feira santa e desapareceu junto com a rês e a montaria. Virou assombração e é comum ouvi-lo aboiar pelas caatingas.

Nas noites de sexta-feira santa, além do aboio, ouve-se também o tropel do cavalo, o latido do cachorro e o chocalho da rês que desapareceu junto com ele.

Já a Lenda do Minhocão, destaque entre as lendas do Velho Chico, reporta a existência de um bicho enorme, meio serpente, meio peixe, que assusta os ribeirinhos, persegue as embarcações, provoca naufrágios e, por ser capaz de se mover dos subterrâneos das águas para as entranhas da Terra, também chega aos vilarejos para desmoronar barracos e até mesmo casas.

Segundo registro de Saint-Hilaire (final do século XIX), o Minhocão “às vezes toma a forma de um surubim, de um tamanho que nunca se viu; outras, também se diz, vira um pássaro grande, branco, com um pescoço fino e comprido, que nem uma minhoca; e talvez por isso é que se chama o minhocão”.

Fontes: BNHS/ São Francisco/Penedo

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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