Calendário e Realidade

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Calendário e Realidade

Por Luzia Amélia Jakomeit

Conta a lenda que dia 21 de março a #Primavera brilha em todo o hemisfério norte. Mas a Natureza não está aqui para convenções humanas e ora estende verão até o meio do outono, o que é terrível para quem não suporta o calor.
 
Ou, o inverno invade o espaço da primavera e nos obriga a abrir o baú dos casacos e tirar do armário as roupas quentinhas. Caprichos da Natureza que nunca reclama, não grita, nem faz beicinho para a destruição à qual os humanos a submetem. Apenas se vinga. E a vingança muitas vezes deixa um rastro de morte e choro.
 
Faltam menos de 48 horas para a chegada da Primavera, mas quem disse que o inverno vai ouvir a nova estação cantando “Ô abre alas, que eu quero passar…” Tsc!Tsc!Tsc!.
 
E usa todo seu poder de fogo – ou de frio, que é o caso – para permanecer no planeta norte. Quem quiser que reclame ou enviem seus brados aos céus.
 
Hoje, por exemplo, a semana, que foi friorenta, chegou ao cúmulo de baixar mais ainda a temperatura e amanhecemos com 10 graus Celsius. Particularmente, festejo a resistência invernosa.
 
E o céu, que é sempre testemunha dos humores da natureza, está acinzentado, com nuvens que nem desabam e nem permitem a passagem do sol.
 
Mas, assim mesmo, meu jardim exibe seu colorido em tímidas flores que nem precisam de xales ou cachecóis.
 
Foto interna: Foto do Jardim de Memélia, por ela mesma. Foto de capa – ilustrativa – Udop. 
 
Pode ser uma imagem de árvore e ao ar livre
 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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