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Chico Mendes e o projeto seringueiro

Chico Mendes e o projeto seringueiro

Pessoalmente, só conheci o Chico Mendes em 1980, quando eu ainda era aluna do curso de História e, junto com a Marina Silva e o Binho Marques, fomos fazer um estudo sobre as terras do Acre em Xapuri. Ficamos mais próximos na fundação do PT, em 1980, e depois, em 1983, 1984, quando cerramos fileiras em torno do Projeto Seringueiro. 

Por Júlia Feitoza Dias

O Projeto Seringueiro tinha sido fundado por um grupo da Universidade, liderado pela Mary Allegretti, que ficou cerca de dois meses dando aula no Seringal Nazaré, na colocação Rio Branco, onde o Raimundão, Raimundo Mendes de Barros, primo e companheiro de lutas de Chico Mendes, foi aluno dela. Mas, em seguida, o pessoal do projeto rachou e foi embora. E nós fomos convencidos pelo Chico de que tínhamos que retomar a proposta. 

Quem lê os diários do Chico Mendes vê que ele era simples e despojado, mas não desorganizado. Em toda reunião que fazia, ele sempre começava escrevendo no quadro: “A vitória da nossa luta depende da nossa disciplina e da nossa organização”, mesmo não sendo ele mesmo a mais obediente das pessoas. Ele achou que era importante seguir com o Projeto Seringueiro e nos mobilizou para isso. 

Havia ficado uma pequena equipe funcionando precariamente.  Foi então que fundamos o CTA (Centro de Trabalhadores da Amazônia), para tocar o Projeto Seringueiro. A partir daí, outras pessoas foram se incorporando sob a nossa orientação e organização. Nós trabalhávamos muito, muitas vezes sem ter dinheiro.  

O pouco dinheiro que às vezes conseguíamos era para as ações práticas, nunca para salários. Por exemplo, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) construía as escolas, a Secretaria de Educação pagava as formações, mas ninguém pagava os nossos salários, por isso nunca tínhamos dinheiro. E quando alguém recebia alguma ajuda de custo, o dinheiro era sempre dividido entre uma, duas ou três pessoas. Sempre foi assim:  o pessoal vinha, e antes nem era professor, era monitor, seguindo a terminologia e a lógica da Igreja Católica. 

Os monitores vinham na maioria das vezes como voluntários, sem remuneração e dependendo muito da organização da comunidade.  Às vezes dava para dar aula quinta, sexta e sábado, outras vezes de quinze em quinze dias. Às vezes os alunos vinham uma semana por mês. E aí as pessoas que já eram alfabetizadas, que conseguiam apreender conteúdos, elas também davam aulas. 

Como as escolas iniciais foram feitas nas próprias casas das pessoas, era um processo muito bacana, muito forte, de muita solidariedade. Como usávamos o método Paulo Freire, as palavras geradoras eram luta, sindicato, adjunto e outras da realidade deles. É só ver as primeiras cartilhas para observar que não precisava falar muito, que bastava usar as cartilhas.

 Enquanto isso, nós, que estávamos na Universidade, sempre dávamos um jeito de convidar o Chico, porque ele era muito didático e sempre um bom palestrante, sobretudo para falar da situação na região dele. 

Na História do Acre sempre teve violência, mas a situação foi ao extremo quando os paulistas começaram a chegar por aqui. Os seringalistas vendiam suas terras para os paulistas, que muitas vezes nem vinham aqui, mas mandavam os jagunços que, acobertados pela polícia, expulsavam os seringueiros das terras deles. 

E nós, sem armas, em condições desiguais, ainda achávamos que dava para fazer a revolução. Fizemos um filme curta metragem – Nós e Eles (nós, os acreanos, e eles, os paulistas) – que não tinha, obviamente, licença da censura. E com isso arrumamos muita confusão. Conosco, que militávamos na cidade, a pressão era mais psicológica. Eles tiravam fotos nossas, incomodavam nossas famílias, mas não chegavam a matar. Já no Sindicato, não. Era na bala mesmo. O Wilson Pinheiro estava organizando a vinda do Lula para um comício em Brasiléia. Quando o Lula chegou, na data marcada, já foi para a missa de sétimo dia do Wilson Pinheiro. 

O Chico era uma pessoa que escrevia muito para os jornais, para os políticos, até para o Papa ele escrevia quando achava que o Papa podia ajudar. Por meio desses contatos, ele passou a viajar muito, mas ele não queria ficar fora de Xapuri naquele fim de ano, e todos nós queríamos muito que ele saísse por um tempo do Acre. Mas ele argumentava que não, que não dava para se ausentar, porque isso poderia enfraquecer a luta.

julia do acreJúlia Feitoza Dias – Amiga de Chico Mendes. Historiadora. Conselheira da Revista Xapuri, em Vozes da Floresta, 3ª edição. Editora Xapuri, 2023. Foto: Divulgação/ Homero Sérgio.

 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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