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Chico Mendes: um ser humano de extrema leveza

Chico Mendes: um ser humano de extrema leveza

Geralmente se tem uma escuta muito intolerante e um olhar muito passageiro sobre a ansiedade e a inquietude das pessoas jovens. Minha experiência com o Chico Mendes foi uma lição nesse sentido. 

Por Marina Silva

O olhar dele era genuinamente interessado, paciente, cuidadoso, estimulante. A minha história e a história de tantas pessoas que conviveram com ele mostram como respeitava os mais jovens e se preocupava o tempo todo em puxar a juventude para junto dele. 

Pra mim, isso demonstrava a sensibilidade de uma pessoa que vivia numa situação social e econômica muito difícil, estava o tempo todo numa corda bamba de pressão e de ameaças, mas era de uma extrema leveza. 

Acho que a forma dele se manter jovem era se relacionando com jovens. Eu sentia nele uma mistura de pai e irmão. Era paterno quando transmitia a firmeza da maturidade, dos compromissos, das responsabilidades. Era irmão porque colocava as coisas de igual para igual. Não impunha um pensamento, dialogava com as nossas ideias.

Tínhamos a afinidade de ser gente da floresta. Uma afinidade que nem precisava ser dita. A conversa fluía porque era o mesmo universo, a gente sabia quem a gente era, qual era a nossa raiz, o nosso lugar. Isso me ajudou a não descontruir minhas raízes.

Lembro-me quando fui fazer minha certidão de nascimento no cartório. A moça perguntou o local de nascimento, eu respondi: Seringal Bagaço. Ela insistiu para colocar Rio Branco: “Não diga que nasceu no seringal, minha filha, isso é muito feio, as pessoas vão mangar de você”. Como eu resisti, ela acabou aceitando contrariada. 

Em parte, devo isso ao Chico, que criticava os que vinham para a cidade e ficavam escondendo sua origem, com vergonha de ser considerado feio, analfabeto, ignorante, mocorongo.

Para ele, ser seringueiro tinha uma grande dignidade e isso devia ser exibido com orgulho. Para mim, o fato de uma pessoa como ele pensar assim só reforçou o sentimento que sempre tive, de nunca esconder minhas origens.

Marina Silva Ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima.  Filha de seringueiros. Amiga de Chico Mendes. Excerto de depoimento enviado a Zezé Weiss para o livro Vozes da Floresta, em 2008. 

 
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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