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Cientistas denunciam fakes florestais

Cientistas denunciam fakes florestais

Cientistas denunciam fakes florestais

Repercutiu fortemente nos meios políticos e acadêmicos um artigo que será publicado na edição de fevereiro do jornal científico Biological Conservation, assinado por um grupo de respeitados cientistas brasileiros, contra as distorções deliberadas e reiteradas do agrônomo Evaristo de Miranda e sua equipe, da Embrapa Territorial, em análises sobre a situação das florestas e das áreas sujeitas à proteção ambiental no país…

Por Márcio Santilli/via Mídia NINJA

Essas distorções foram geradas com o objetivo de minimizar os impactos socioambientais decorrentes da má gestão do território e de práticas agropecuárias inadequadas, visando atender aos interesses de grandes proprietários de terra em articulação direta com as suas instituições representativas, inclusive a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também conhecida como bancada ruralista. Os argumentos também foram usados como falsas justificativas para os retrocessos nas leis e políticas de proteção florestal. Evaristo chegou a ser cogitado para ocupar o Ministério do no governo Bolsonaro.

Evaristo “informa” Bolsonaro e o então ministro Santos Cruz. Foto: Alan Santos / Presidência da República

A denúncia, focada especificamente na atuação de Evaristo, e não da Embrapa – cuja excelência científica na prestação de serviços à agropecuária é reconhecida -, está consubstanciada num artigo de 12 páginas, intitulado “The risk of fake controversies for Brazilian environmental policies” (O risco das falsas controvérsias para as políticas ambientais brasileiras). Seus autores são: Raoni Rajão (UFMG), Antonio Donato Nobre (INPE), Evandro Cunha (UFMG), Tiago Ribeiro Duarte (UnB), Camilla Marcolino (UFMG), Britaldo Soares-Filho (UFMG), Gerd Sparovek (UFMG e USP), Ricardo Rodrigues (USP), Carlos Valera (UFSC), Mercedes Bustamante (UnB), Carlos Nobre (INPE) e Letícia Santos de Lima (UFMG e UAB/Espanha).

Mentira amazônica

Evaristo manipulou os números relativos à extensão das para reforçar a tese de que “há muita terra para pouco índio” e, principalmente, para superestimar estimativas sobre a extensão das terras ainda não demarcadas. Para isso, projetou a extensão média das terras já demarcadas, em grande maioria situadas na , sobre as pendências demarcatórias que, em maior parte, se referem a terras situadas em outras regiões. 98% da extensão total demarcada está na Amazônia, sendo que a distorção praticada resultou em números absurdamente exagerados, mas muito apropriados para o uso político dos ruralistas e de outros envolvidos no boicote à das terras indígenas, determinada pela Constituição brasileira.

A contabilidade criativa de Miranda inclui no cômputo da extensão florestada do território brasileiro as áreas degradadas (desflorestadas) situadas em áreas legalmente protegidas, mas inclui os territórios ocupados por comunidades tradicionais (que praticam a agricultura e outras atividades produtivas) no cálculo da extensão de áreas com restrições para uso agrícola. Sempre com o intuito de fazer crer que os proprietários rurais protegem mais do que de fato ocorre e de exagerar a área total que estaria excluída do sistema produtivo.

Nesse mesmo sentido, Evaristo faz uma soma ignorante da extensão total das áreas protegidas, contabilizando duplamente as sobreposições entre terras indígenas e unidades de conservação ambiental. Também exagera as estimativas sobre a extensão das áreas de ainda não titulados e das ocupadas por comunidades extrativistas, para concluir que são maiores do que o território nacional.

Evaristo naturaliza grande parte dos incêndios florestais criminosos, enquanto subestima os efeitos malignos da queima da palha da cana-de-açúcar. Em ambos os casos, ele favorece a impunidade, mais e mais emissões de gases do efeito estufa.

Foto: Fernando Frazão/Agência

Além Fronteira

Evaristo também mente sobre a situação florestal de outros países, reforçando a visão simplista e negacionista de que os europeus e norte-americanos destruíram os seus recursos naturais para se desenvolver e agora querem nos impedir de fazer o mesmo. A meia verdade ignara de Miranda ignora que a devastação histórica do Brasil favoreceu elites exíguas de dentro e de fora, e é o que ele e os seus clientes continuam promovendo ao criminalizar qualquer tentativa de reverter a crise ambiental e climática que assola a humanidade.

As comparações mal feitas por Evaristo entre a situação florestal do Brasil e de outros países omitem significativos projetos de reflorestamento em escala que estão sendo desenvolvidos por países como China, Alemanha e outros, revertendo a tendência histórica de redução da cobertura florestal. As comparações falaciosas ainda omitem a situação de países como a Noruega, que mantém percentuais florestados dos seus territórios superiores aos nossos.

A denúncia dos cientistas contra o oportunismo mentiroso de Miranda será publicada originalmente em inglês, mas sua prévia já correu o mundo. Agora, pesquisadores e investidores estarão mais atentos à farsa pseudo-científica usada pelo segmento mais predatório do ruralismo para manter a sua hegemonia periclitante sobre o território nacional, em prejuízo do clima mundial e do próprio futuro da agricultura no país.

Anti-ciência

Além do demérito, a denúncia aponta os métodos anti-científicos adotados por Evaristo e sua equipe, falseando currículos, ignorando deliberadamente inúmeros trabalhos acadêmicos relevantes e não submetendo as suas análises à revisão independente de outros pesquisadores, nem mesmo de unidades da própria Embrapa. Mas serviram para desinformar tomadores de decisão e para enfraquecer o Código Florestal e as políticas socioambientais.

Houve um tempo em que Evaristo se propunha a produzir ciência para viabilizar a adaptação da agricultura às mudanças do clima. Com a ascensão de Bolsonaro ao poder e respaldado pelo pior ruralismo, ele passou a arrolar outros tipos de mentiras para negar as causas antrópicas da global. Enquanto isso, uma severa estiagem consome a agricultura no sul do país, mesmo em período de chuvas, e enchentes gigantescas destroem a economia e a vida de baianos, mineiros e paulistas. A anti-ciência é cúmplice desses crimes.

Enchente em Porto Seguro. Foto: Isac Nóbrega/ Presidência da República

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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