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Combate a fome: Redes solidárias de agroecologia

Combate à fome: Redes solidárias de agroecologia

Combate à fome: Redes solidárias de agroecologia

As redes solidárias de agroecologia no enfrentamento à alimentar no Brasil..

Por Eduardo Sá

No momento em que a fome volta às manchetes, poucos anos depois de o Brasil ter sido retirado do mapa da fome das Nações Unidas, organizações sociais têm construído mecanismos para fazer a comida chegar aos mais necessitados e garantir a renda de agricultoras e agricultores. As redes de solidariedade de doação de alimentos agroecológicos estão espalhadas por todo o país e podem servir de exemplo para a pós-pandemia com fluxos curtos de produção e consumo de alimentos saudáveis. Este é mais um tema abordado pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), indicou, no final de março, que pela primeira vez em 17 anos mais da metade da população do País vivenciou alguma insegurança alimentar grave. A estimativa do ano passado, segundo a pesquisa, é que 19 milhões de brasileiras e brasileiros passavam fome. É o dobro do que foi registrado em 2009, e o retorno ao nível identificado em 2004. Outras pesquisas apontam na mesma direção, como a conduzida pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça, que apontou a condição de insegurança alimentar para mais de 125 milhões de brasileiros.

Várias organizações da sociedade civil têm se dedicado a ajudar mais as pessoas vulneráveis durante a pandemia, como a Ação Cidadania, fundada por Betinho, que há décadas atua no combate à fome. Em todas as capitais, muitas organizações têm realizado esse esforço, inclusive as associações e cooperativas no campo, que têm se empenhado em organizar sistemas locais para a doação de alimentos. Os dados de contaminação indicam que o coronavírus tem chegado às do interior do País, lugares em que se concentra a maior parte das unidades produtivas da agricultura familiar. Mesmo assim, agricultoras e agricultores seguem produzindo e ajudando famílias mais afetadas pela crise econômica e sanitária.

Diante desse triste cenário, as práticas de solidariedade aparecem mais do que nunca. Solidariedade é um valor permanente. Não surgiu com a crise social agravada pela pandemia. As organizações da economia solidária já desenvolvem diversos projetos há muitos anos em todo o Brasil, e com esta crise humanitária mostrou mais uma vez a sua importância, sobretudo para as parcelas mais vulneráveis da população. Os indicadores de insegurança alimentar já vinham piorando antes mesmo da pandemia por conta do aumento das taxas de desemprego associada ao empobrecimento da classe trabalhadora e a inflação dos alimentos.

De acordo com Paulo Petersen, do núcleo executivo da ANA, era previsível que esses mecanismos de solidariedade fossem multiplicados e dinamizados neste momento de crise. É fundamental, segundo ele, fortalecer esses valores de solidariedade. E o Estado teria muito a fazer nesse sentido. Deveria, por exemplo, fomentar a produção da agricultura familiar e a distribuição dos alimentos às populações mais vulneráveis.O enfrentamento dessa crise aguda deve já apontar caminhos para o futuro. Somente a partir dos circuitos curtos entre a produção e o consumo será possível prover alimentos saudáveis e adequados para as próximas gerações, conservando o ambiente e as culturas alimentares, acrescentou.

Representantes do Centro Sabiá
Representantes do Centro Sabiá

“A economia não se faz somente através dos circuitos mercantis. Existem outros fluxos econômicos viabilizados por valores não monetários. É aí que entra a solidariedade, um valor indispensável em qualquer sociedade que de fato pretenda se pautar pela justiça social e por relações mais harmônicas com a natureza. Precisamos apostar nas redes locais de produção e abastecimento alimentar, tal como ensinam as experiências da sociedade civil. Para isso, precisamos de políticas públicas adequadas e não de políticas que criam crescente dependência dos produtores e consumidores de alimentos às grandes corporações do . Iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e do Programa Nacional de Escolar (PNAE) precisam ser entendidas e promovidas a partir desse objetivo, o de fortalecer a solidariedade como um valor econômico. Deixar a agricultura e a alimentação sob controle dos agentes hegemônicos dos mercados será a aniquilação da sociedade e da natureza”, afirmou Petersen.

A intervenção do Estado nos mercados de alimentos, nesse sentido, visa combater o descontrole dos fluxos de produção e consumo das grandes empresas. Os interesses corporativos fortalecem as monoculturas que destroem a e a produção de alimentos, cada vez mais ultraprocessados, de péssima qualidade para a saúde. Por outro lado, a agricultura familiar produz e distribui renda e proporciona alimento saudável para toda a população e benefícios para os ecossistemas. Mas sem políticas adequadas, mostra-se muito vulnerável diante da voracidade expansionista do agronegócio.

Experiências Brasil afora

Um mapeamento realizado pela iniciativa Ação Coletiva, Comida de Verdade: e Aprendizados em Tempos de Pandemia, identificou no ano passado 320 experiências de redes solidárias em todos os estados do País. pesquisa, Em toda a sua diversidade, são experiências que apontam caminhos fecundos para o desenho de políticas públicas voltadas para transformar os sistemas alimentares.

A ONG Centro Sabiá, de Pernambuco, é mediadora de uma das experiências identificadas. Estabeleceu parceria com a Rede de Mulheres de Terreiros de Pernambuco e, por meio da emenda parlamentar articulada pela mandata coletiva Juntas (PSOL-PE), entregou, em março deste ano, 500 cestas básicas para 500 famílias de comunidades da região metropolitana de Recife. O recurso de R$ 95 mil foi remanejado pelo Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) para fortalecer a produção da agricultura familiar, que forneceu quase todos os alimentos do projeto. Ao todo, foram cerca de 2 mil pessoas atendidas em 87 terreiros de religião de matriz afroindígena, chegando a aproximadamente 78 toneladas de produtos fornecidos por 13 famílias locais.

Vários e religiosos têm mobilizado campanhas na busca de doação de alimentos, material de higiene e limpeza para distribuir para a população mais pobre e vulnerável nas periferias, sobretudo a população em situação de rua, a fim de garantir a sobrevivência dessas pessoas na pandemia. Um exemplo é a Campanha Mãos Solidárias, liderada pelo MST, a Arquidiocese de Olinda e Recife, além das universidades e institutos federais e também pelo Centro Sabiá. Além das cestas de alimentos, são distribuídas marmitas. Foram formados também mais de 20 bancos comunitários de alimentos espalhados pela cidade que, a partir de um banco central, distribuem a comida.

Centro Sabiá entrega 1.000 cestas de alimentos ao Banco Popular de Alimentos, no Armazém do Campo, no Recife (PE). Foto: Darliton Silva / Centro Sabiá
Centro Sabiá entrega 1.000 cestas de alimentos ao Banco Popular de Alimentos, no Armazém do Campo, no Recife (PE). Foto: Darliton Silva / Centro Sabiá

De acordo com Alexandre Pires, um dos coordenadores do Centro Sabiá, essas ações são necessárias pela ausência de políticas públicas de proteção social do governo federal. Para ele, é necessário o investimento por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para comprar da agricultura familiar e fornecer às pessoas em situação de insegurança alimentar. Nesse momento, o Centro Sabiá está com um novo projeto com a Fundação Banco do Brasil (FBB) no valor de R$ 300 mil, com a entrega de 2 mil cestas com 8 produtos em curso.

“Conseguimos executar, em 2020, um projeto de R$ 220 mil pela Fundação Banco do Brasil para doação de alimentos para a população em situação de insegurança alimentar, em parceria com a Rede Mulheres de Terreiro. Ao todo, foram 1.800 cestas de alimentos agroecológicos, cada uma custando cerca de R$ 120,00, e todos os alimentos comprados da agricultura familiar da região da zona da mata e agreste de Pernambuco e do Sergipe. Também executamos essa emenda parlamentar com povos de terreiro, pois entendemos que se trata de um setor muito vulnerável, pessoas negras, em sua maioria mulheres, que são as mais atingidas pela Covid”, afirmou Pires.

No interior do Paraná, encontramos outra rede, mediada por cooperativas e associações da agricultura familiar apoiadas pela ONG AS-PTA Nesse caso, foram cinco municípios envolvidos, nos quais foram entregues 1.846 cestas básicas, totalizando 33.228 kg de alimentos fornecidos por 52 famílias. Cerca de 1.450 famílias foram atendidas pela iniciativa, o que gerou uma renda de aproximadamente R$ 217 mil às famílias agricultoras locais envolvidas com o projeto.

O agricultor Ismael Lourenço Albino, do Assentamento Palmares II, em Palmeira, Paraná, é produtor agroecológico certificado pela Rede Ecovida de Agroecologia e entrega alimentos por meio das redes solidárias articuladas pela sociedade civil na região. Ele é presidente da Cooperativa da Agricultura Familiar de Palmeira (CAFPAL), entidade que doou cerca de 600 cestas, o equivalente a 12 toneladas, com frutas, hortaliças, leguminosas, farinhas, pães e feijão, tudo agroecológico.

“A cooperativa e seus associados (as) sentem-se felizes e úteis com a sua participação em produzir alimentos para a mesa dos trabalhadores/as em vulnerabilidade social. Isso também contribui para a geração de renda para o agricultor e a agricultora e sua família, de forma a garantir que permaneçam na zona rural”, afirmou o agricultor.

Claudete Barbosa Lorena é moradora do assentamento Palmares II e contraiu o coronavírus. Foi nesse período que ela teve acesso aos alimentos doados pelas organizações locais, ajudando na sua recuperação. “É muito importante o que o pessoal vem fazendo, nessa época de pandemia está muito difícil para todos, mas com a ajuda dos próximos, pode ficar melhor. Então, acredito que o pessoal se unindo, juntando as forças e doando um pouquinho de si para o vizinho, que está necessitado neste momento, é muito importante. Eu mesma só tenho a agradecer a essas iniciativas e qualquer ajuda é muito importante”, concluiu.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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