COMIDA DE SANTO

COMIDA DE SANTO

COMIDA DE SANTO

Rituais minuciosos regem a culinária consagrada aos orixás. O que uma deidade gosta à outra é proibido. Por isso, a preparação exige conhecimento especializado. Tarefa da Iyabassê, a mãe encarregada da cozinha.

Por Hannah Fonseca 

SI Religiao Afro comida Abre

Dorival Caymmi já disse, em uma de suas luminosas canções, que “todo mundo gosta de abará, mas ninguém quer saber o trabalho que dá”. Comida de santo é assim: trabalhosa.

Aos orixás é oferecida uma grande variedade de pratos, com receitas sofisticadas, cujo preparo, minucioso, requer um verdadeiro ritual.

Antes de se aventurar na cozinha de santo, é preciso conhecer os tabus, as interdições, relacionadas ao culto de cada deidade. Pois o que uma aceita de bom grado, à outra é proibido.

Por exemplo, o azeite de dendê, ingrediente fundamental da culinária afrobrasileira, jamais dever ser oferecido a Oxalá, o mel é proibido a Oxossi e o carneiro não pode sequer entrar em uma casa consagrada a Iansã.

Os filhos [e filhas] de santo devem conhecer e respeitar todas as versões de seu orixá. E, sendo eles[as] mesmos[as] partes do santo, estão igualmente proibidos[as] de consumi-las.

Assim, além do carneiro, os[as] iniciados[as] de Iansã não podem comer caranguejo ou abóbora. E as pessoas que têm Oxum como orixá principal jamais comem peixe sem escama, principalmente tubarão.

O importante não é apenas preparar o alimento, mas também organizá-lo da maneira adequada, em utensílios de barro, louça ou madeira. Cada detalhe decorre de um elemento do enredo mitológico associado à deidade. Portanto, é preciso conhecer bem a mitologia para não se confundir.

Quem sabe de tudo isso é a Iyabassê, a mãe encarregada da preparação da comida. Não se trata de um cargo qualquer, mas de posição de alta dignidade, que deve ser ocupada apenas por mulheres de grande sabedoria e prestígio junto à comunidade.

Depois de prontas, as comidas são oferecidas com rezas e cantigas. E, durante a festa da oferenda ou no final, uma parte da comida é colocada aos pés do ou da orixá, a outra é partilhada pelas pessoas presentes.

É importante entender que o orixá, ou a orixá, não come “fisicamente” o alimento, mas se alimenta da “energia” do prato que lhe é oferecido, porque este integra determinados elementos que combinam com a sua própria energia e características naturais.COMIDA DE SANTO

Dividir o alimento com os deuses [e deusas] é ter a insigne honra de comer com eles [e com elas] e garantir, segundo a crença, sua presença em nossas vidas e em nossas mesas. Seria esta uma maneira a mais de aproximar o mundo celestial. 

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p style=”text-align: justify;”>Hannah Fonseca, em Coleção Caros Amigos, História do Negro no Brasil, capítulo 9. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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