COMO NASCERAM AS ESTRELAS

COMO NASCERAM AS ESTRELAS

Como nasceram as  

Pois é, todo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é erro. Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro – e bem escuro estava esse céu. Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas.

Por Clarice Lispector

Era uma vez, no mês de janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam, guerreavam. Mas nas tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que comer.

Uma vez elas notaram que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes mulheres? O seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca.

Quando saíam de debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos buliçosos. Mas sempre procurando milho porque a fome era daquelas que as faziam comer folhas de árvores.

Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça.– Vamos voltar e trazer conosco uns curumins. (Assim chamavam os índios as .) Curumim dá sorte.

E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e numa clareira da – eis um milharal viçoso crescendo alto. As índias maravilhadas disseram: toca a colher tanta espiga.

Mas os garotinhos também colheram muitas e fugiram das mães voltando à taba e pedindo à que lhes fizesse um bolo de milho. A avó assim fez e os curumins se encheram de bolo que logo se acabou. Só então tiveram medo das mães que reclamariam por eles comerem tanto.

Podiam esconder numa caverna a avó e o papagaio porque os dois contariam tudo. Mas – se as mães dessem falta da avó e do papagaio tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem um cipó no topo do céu.

Quando as índias voltaram ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo ar. Resolveram, essas mães nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cipó embaixo deles.

Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram no chão, transformando-se em onças. Quanto aos curumins, como já não podiam voltar para a terra, ficaram no céu até hoje, transformados em gordas estrelas brilhantes.

Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, sempre não acaba nunca.

Clarice Lispector  no : Clarice Lispector, do livro “Doze lendas brasileiras: como nasceram as estrelas”. Rocco, 2015.

CLARICE LISPECTOR: "A FORÇA DO SONHO"
Imagem: Guia do Estudante

CLARICE LISPECTOR 

Clarice Lispector é uma escritora brasileira. Ela nasceu na Ucrânia, mas chegou ao Brasil quando tinha dois anos de idade.

Mais tarde, fez faculdade de Direito, morou em diversos países em companhia do marido cônsul, publicou muitos e também atuou como jornalista.

Suas obras apresentam fluxo de consciência, fragmentação e metalinguagem, características que podem ser observadas em A hora da estrela, um de seus livros mais conhecidos.”

A romancista faz parte da terceira geração modernista (ou pós-modernismo). Seus textos são marcados pelo monólogo interior e pela metalinguagem. O livro A hora da estrela é uma de suas obras mais famosas.”

Clarice, que faleceu em 9 de dezembro de 1977, no Rio de Janeiro, faz parte da terceira geração modernista (ou pós-modernismo).

COMO NASCERAM AS ESTRELAS
Clarice – Foto: Brasil Escola

FRASES DE CLARICE LISPECTOR

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. MONTERO, Teresa (org.). Correspondências. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito . A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
 
é pouco. O que desejo ainda não tem nome. Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980.
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Eu fazia do um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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