Animais morrem de sede enquanto bombeiros e brigadistas enfrentam dificuldade no acesso à água para o combate aos incêndios; Seca é a maior da série histórica do bioma…
Texto e fotos: Ahmad Jarrah e Bruna Obadowski/Reportagem produzida em parceria com a Mídia Ninja
O relato de Grandão faz referência à distância percorrida por ele e seus companheiros de brigada para garantir água aos que estão na linha de frente do combate às chamas, que, com o vento podem atingir até dez metros de altura. Pantaneiro nascido e criado, Grandão trabalha na ONG Panthera, que busca proteger e conservar a onça-pintada e seus habitats. Segundo ele, este ano o fogo não está espalhado como no ano anterior, mas a seca severa dificulta o combate, aumentando o risco que todos temem, o avanço do fogo descontrolado.
Na maior planície alagada do mundo, a água desapareceu e já é perceptível as consequência de um ano que o pantanal não encheu. A escassez nas planícies não afeta somente o combate ao fogo, mas também faz com que animais saiam em busca de água em uma corrida pela vida, passando pelas vielas onde o fogo ainda não chegou.
Relata o bombeiro militar Wellingtton. Segundo ele, à medida que o fogo avança, os animais ficam cercados e não conseguem mais sair da área de incêndio, o que, muitas vezes, os leva à morte. É o caso de uma vaca que se viu atolada em meio às chamas e esperava por socorro.
Ao andar na transpantaneira, é possível encontrar animais mortos pela seca, mas um agravamento da situação ainda é temido por muitos, caso os focos sigam aumentando, sobretudo agora que os incêndios alcançam o Parque Estadual Encontro das Águas, que preserva a rica biodiversidade da flora e fauna do pantanal.
Segundo pesquisa publicada em junho deste ano pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os incêndios no bioma pantaneiro afetaram pelo menos 65 milhões de animais vertebrados nativos e quatro bilhões de invertebrados, com base nas densidades de espécies conhecidas. Ainda segundo a pesquisa, o número de animais mortos ocasiona impactos imprevisíveis para a biodiversidade, serviços ecológicos e saúde humana.
Combate ao fogo
A estratégia de combate ao fogo adotada este ano se diferencia de 2020. Dessa vez há um apoio aéreo maior, com a utilização de aeronaves agrícolas que tem capacidade de lançar 1.800 litros de água por voo. No chão, as equipes atuam principalmente com equipamentos leves, jatos de água portáteis e sopradores, além de maquinário para abertura de aceiros. Caminhões carregados com tambores de mil litros auxiliam no abastecimento às equipes, porém todos dependem basicamente de dois poços artesianos distantes mais de 40 quilômetros de alguns pontos.
Com a dinâmica do vento e do calor, os dias no combate se repetem, fazendo com que o cansaço seja extremo. “Enquanto a gente apaga de um lado, do outro o fogo já pulou. A aeronave ajuda do céu e a gente não pode desanimar aqui embaixo”, relata uma bombeira militar que atua na linha de frente.
“Nós estamos vivendo guerra! Guerra tem que ter equipamento, mas também tem que ter logística.”
Afirmou o presidente do Comitê Nacional de Gestão de Incêndios Florestais (CONAGIF), coronel BM Paulo Barroso, que defende o trabalho preventivo, para além da resposta. Segundo ele, o trabalho permanente é fundamental para prevenir o agravamento dos incêndios florestais, ação que impactaria também no orçamento público. O depoimento foi concedido durante visita técnica da Assembleia Legislativa de Mato Grosso coordenada pelo deputado Allan Kardec, juntamente com a OAB, Procuradoria do Estado, políticos, cientistas e pesquisadores da UFMT e UNEMAT.
O trabalho preventivo a que Barroso se refere, é um dos caminhos apontados pelo guia de requisitos e procedimentos básicos para combate a incêndio florestal da ABNT, publicado no último dia 25. A norma técnica regula os procedimentos necessários para o combate a incêndios em áreas florestais, de modo a proteger a vida e o patrimônio, bem como para reduzir as consequências sociais e os danos ao meio ambiente.
Incertezas
Se outrora o bioma pantaneiro durante a estiagem apenas reduzia as regiões de alagamento, mantendo ainda um curso natural da água e acumulando alguns corixos pela rodovia, em 2021 das mais de cem pontes que sobrepõem rios, canais e pequenos riachos pelo percurso, menos de 10% possuem água.
Com o panorama ambiental agravado com a seca e o fogo, o ecoturismo no pantanal mato-grossense também sofre impactos. Segundo matéria publicada pela Veja, empresários apontam queda de até 90% na atividade, que vinha de uma longa retração em razão da pandemia. A vida que chamava atenção ao longo da Transpantaneira, hoje dá lugar à curiosidade em torno da devastação provocada por onde o fogo passa. Sob um clima árido e um sol escaldante, Tomás pedala em uma bicicleta alugada em Poconé, Mato Grosso, para um passeio turístico pela Transpantaneira. Vindo do Rio de Janeiro para visitar pela primeira vez o pantanal mato-grossense, seu destino é alcançar o Porto Jofre, ao final da rodovia, para um passeio de barco no rio São Lourenço. Ao parar em uma pousada, o turista encontra o peruano Rodrigo, que após dois anos, voltou ao pantanal na expectativa de trabalho em virtude do período turístico. Naquele dia, Tomás era o único a sondar um passeio de barco, porém queria dividir os custos com outros turistas. “Só tem você!”, argumentou Rodrigo. Para os pantaneiros, ainda pairam incerteza sobre como será a recuperação do bioma a retomada econômica do ecoturismo. A grande esperança compartilhada por todos é a chegada da primeira chuva de setembro, conhecida popularmente como a chuva do caju. Promessa dos céus que já pode ser sentida com uma leve garoa registrada nesta semana, mas a chuva ainda deve demorar.