Davi Kopenawa denuncia poluição das águas por mercúrio: “O povo Yanomami vai sumir…”

“Estamos tomando água poluída, de mercúrio. O povo yanomami vai sumir”

Davi Kopenawa, líder yanomami, denunciou na ONU a situação dos indígenas e criticou o Governo brasileiro. Em entrevista ao EL PAÍS, afirma: “A nossa mãe, a Funai, já morreu”

Por: El País/ Conéctate

Davi Kopenawa, no parque Buenos Aires, em São Paulo.
, no parque , em São Paulo. Foto: Victor Moriyama 

No final da década de 1980, o líder indígena yanomami, Davi Kopenawa, deixava sua aldeia, na floresta amazônica, para denunciar na Organização das Nações Unidas (ONU) que a terra de seu povo havia sido invadida por 40.000 garimpeiros em busca de ouro. Um levantamento oficial realizado na época constatou a presença de 82 pistas clandestinas de voo, usadas para levar esses ao centro da floresta, 200 balsas que bombeavam cascalho atrás do minério e cerca de 500 barracas espalhadas por três acampamentos localizados dentro de aldeias yanomami. Como resultado, estima-se que cerca de 20% da população indígena local tenha morrido por doenças, como malária, por fome ou vítima de outros impactos causados pela mineração, aponta um documento feito pelas associações dos povos locais com o Instituto Socioambiental (ISA), que começará a ser divulgado neste mês.

Em 1992, o território yanomami foi, finalmente, demarcado. E, com isso, os garimpeiros foram expulsos da área. Mas a ameaça se acerca novamente. Desde 2013, registra-se uma volta em massa de garimpeiros da região, conforme relatou reportagem publicada em dezembro de 2014 pelo EL PAÍS. E o problema só vem aumentando. Segundo o documento feito pelas associações e pelo ISA, já foram constatados ao menos 84 indícios de garimpo ilegal, entre pistas de pouso clandestinas e áreas de extração do minério ao longo dos rios Uraricoera, Mucajai e Catrimani, todos dentro da área indígena Yanomami. Na semana passada, Davi voltou à ONU, para denunciar em Genebra a nova invasão. Ao lado de da coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, ele participou de uma reunião preparatória da Revisão Periódica Universal da ONU, que avaliará até o início do mês que vem os compromissos do Brasil em relação aos . Eles entregaram ao órgão uma carta, assinada por 30 organizações indígenas brasileiras, em que fazem denúncias em relação a atual situação da saúde dos seus povos, aos ataques vividos por eles e às mudanças na Fundação Nacional do Índio (FUNAI) feitas pelo Governo de Michel Temer. O líder indígena falou com o EL PAÍS, no escritório do ISA, em São Paulo.

Pergunta. O que você denunciou na ONU?

Resposta. Faz tempo que estou denunciando e falando para as autoridades brasileiras sobre a situação do povo yanomami. Fui agora na ONU para continuar a falar, a contar. Lá é difícil a gente chegar, então aproveitei a oportunidade [da entrega da carta]. Eles não estão enxergando a ameaça ao povo indígena brasileiro. Por isso que eu fui, para falar em nome do povo indígena, não só yanomami, que continua ameaçado por fazendeiros, mineradoras…

P. Como está a situação do garimpo na sua terra?

R. A Terra Yanomami foi homologada, mas não está sendo respeitada. Os garimpeiros começaram a voltar devagar em 2001, 2003. E nós continuamos falando para a Funai, em Brasília, para a Polícia Federal. As autoridades, o presidente do nosso país não está interessado em ajudar. Em 2013 entrou outra vez o garimpeiro com força, no rio Uraricoera, o maior rio que temos na floresta onde a gente mora. Entrou muito garimpeiro. Em 2014, o Exército, a Funai, o Ibama tentaram tirar. Tiraram, mandaram embora, mas não mandaram para a cadeia. E como eles não entram na cadeia, passa duas, três semanas e eles voltam. Agora tem muito garimpeiro, balsa, barranco, pista de pouso.

P. E tem havido consequências disso para o seu povo?

R. Estamos tomando água suja, poluída, de mercúrio [usado no garimpo]. Isso significa que meu povo vai sumir. Fica todo mundo doente, as mulheres, filhas, filhos, todo mundo contaminado. Se o Governo brasileiro não abrir os olhos, vai significar a perda do meu povo yanomami. Se der ordem para a polícia tirar o garimpo, estamos protegidos. Mas, se não, os garimpeiros vão aumentar como aconteceu em 1985, 1986. Vai enchendo de garimpeiro e espalhando.

P. As doenças têm aumentado, como ocorreu no final da década de 1980?

R. Os garimpeiros levam a doença pelo . O corpo dos garimpeiros é contaminado, no sangue. Eles parecem sadios, mas por dentro eles são poluídos, contaminados. Quando eles entram na terra Yanomami, ficam lá um mês, dois meses, e a doença chega lá, ela vai junto. Os carapanãs [mosquitos] estão lá na floresta, limpos. Eles chupam o sangue do garimpeiro lá dentro, pegam a doença do corpo do garimpeiro e vão transmitir a doença para onde está a comunidade. Deixam a doença no corpo dos yanomami. É assim que a xawara [epidemia] funciona. Também acontece quando o garimpeiro convida uma índia yanomami em troca de . Ele vai usar nossas índias. O garimpeiro é doente e a doença passa para a mulher. DST. Doença venérea. Os garimpeiros são doentes, ficam andando na cidade, em outros lugares. E essa doença está espalhando. Os yanomami ficam doentes com HIV, malária, tuberculose e outras doenças que não têm cura.

P. Vocês também denunciaram os problemas no atendimento de saúde?

R. Governo federal tem a responsabilidade de cuidar da saúde do povo indígena do Brasil. É muito pouco o apoio da saúde. para fazer tratamento não tem. Remédio não chega. Não cura a doença que transmitem para os yanomami. Para matar a malária, precisa de microscópio para fazer o exame. Falta na cidade, no posto indígena. Tem [surto de malária] em pelo menos três lugares na nossa terra.

P. Vocês ajudaram a fazer um levantamento que mostra que há pelo menos 84 indícios de garimpo, com mapa. Vocês sabem onde o garimpo está. Por que o Governo não sabe?

R. O Exército sabe onde está o garimpo. Tem satélite. O Governo não quer [combater]. Eles têm apoio de quem compra ouro. Tem empresário de São Paulo que dá apoio para os garimpeiros lá de Boa Vista [Roraima]. Mandam mercadorias, combustível, voadeira [barco], hora de voo. O garimpeiro não tem tudo isso de dinheiro para comprar. Então os empresários daqui dão apoio. Nosso presidente não quer dar autorização para a Polícia Federal tirar. A Funai é quebrada. Nossa mãe, Funai, já morreu. Eles mataram. Só ficou o nome. Nome bonito, mas não tem o poder para ajudar a gente. A Funai em Brasília não tem apoio do Governo Federal. Eles não querem apoiar como . Fazia tempo que estava abandonado. Na época da Dilma já não tinha apoio, não. Mas agora tá pior. Acabaram com a Funai. Dia 31 [de março, quando Temer extinguiu quase uma centena de cargos comissionados, por decreto] nós recebemos a notícia muito feia que a nossa mãe Funai morreu. A alma dela morreu. Estão lutando para desmanchar nossas terras demarcadas. Se isso acontecer, vai acontecer a morte do meu povo. Vai acabar com meu povo yanomami. É porque nossa terra é rica de ouro. Onde não tem minério eles não vão mexer. Só onde tem ouro, diante, pedras preciosas. Por isso querem revogar as terras. Eles estão desfazendo tudo, desmanchando tudo. Querem municipalizar a saúde indígena. Mas o município não vai salvar o povo.

P. O que você espera que aconteça após sua fala na ONU?

R. Espero que a ONU pressione o Governo. Espero a força da ONU. Que a ONU cobre o erro do Governo no Brasil. O Governo brasileiro quando vai à ONU mente. Diz que os índios não estão morrendo, que estão bem cuidados. Fala bonito. Pede dinheiro de fora. O Governo funciona assim. Eu já conheço. Estou acostumado com os brancos desde . Sei como tratam a gente. Quando vão para fora, só falam nosso nome para beneficio deles, de negociação. E pegam mais dinheiro para destruir mais a nossa floresta amazônica. Agora em Genebra encontramos outros indígenas de outros países, como o Peru, Equador. Eles têm o mesmo problema: garimpo, mineração. O branco está mexendo em tudo, tá destruindo toda a natureza.

Davi Yanomami Henyo Barreto Filho

ANOTE AÍ:

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/20/politica/1492722067_410462.html?fbclid=IwAR3Q1yS9PDIJw-O33y3r9Bt40LUYYUlAMvyv4FWuGWVKMhBhi1pfS32yL7Q

Foto interna: Henyo Barreto Filho

Foto de capa: Revista Cult

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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