Despedida: O jornalismo ambiental e científico da Amazônia perde Vandré Fonseca

O jornalismo ambiental e científico da Amazônia perde Vandré Fonseca

Fez uma sequência de reportagens sensíveis e investigativas sobre a morte de crianças vítimas da raiva humana na Reserva Extrativista do Rio Unini, no Amazonas, tema que ele nunca deixou de acompanhar até antes de adoecer.A jornalista Kátia Brasil, cofundadora da Amazônia Real, disse que Vandré Fonseca era uma pessoa cheia de planos profissionais.“Ele estava empreendendo no jornalismo e tocando o seu projeto pessoal de lançar o primeiro site de checagem de fatos para combater notícias falsas na Amazônia. E também estava envolvido com produção de jornalismo de dados. Ele estudava muito as novas tecnologias da mídia. Então, pensar que o Vandré não está entre nós, é algo irreal. A Amazônia perdeu um jornalista comprometido com a verdade, honesto e que tinha muita paixão pela profissão”, disse a jornalista Kátia Brasil.Elaíze Farias, cofundadora da Amazônia Real, lembrou que a Amazônia Real acompanhou o processo de internação de Vandré Fonseca, dando apoio e suporte para a família.“Estive com o Vandré durante sua internação. Ele estava emotivo, mas muito otimista. Mesmo deitado em uma cama de hospital, continuava com seu jeito bem-humorado, lendo seus livros prediletos. O Vandré Fonseca era um grande repórter, muito ético e qualificado, que pesquisava sobre os temas que iria produzir. Ele se conectava com as pessoas que entrevistava, especialmente os grupos que raramente aparecem na grande imprensa, como foi o caso da família da Resex Unini impactada pela raiva humana. Não as tratava apenas como personagens das matérias. Era também uma pessoa muito agradável, que gostava de contar histórias divertidas para os amigos”.

O jornalista Vandré Fonseca durante cobertura no rio Negro em 2018 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Vandré Fonseca em Altamira, Pará (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real)
Altamira, 27/11/2018 – vandré Fonseca na comunidade Paratizão, (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca na cobertura do protesto dos indígenas em janeiro de 2019 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca na redação da Amazônia Real (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no lançamento do filme Génesio, um pássaro sem rumo, com Bruno Kelly e Carlos Durigan (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no lançamento do filme Génesio, um pássaro sem rumo, com Bruno Kelly e Carlos Durigan (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real com as jornalistas Tânia Brandão e Elvira Lobato (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real com as jornalistas Tânia Brandão e Elvira Lobato (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real com as jornalistas Tânia Brandão e Elvira Lobato (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real com as jornalistas Tânia Brandão e Elvira Lobato (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real com as jornalistas Tânia Brandão e Elvira Lobato (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca na exposição Olhando por dentro da Floresta no ICBEU- Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real em 2017 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real em 2017 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
O jornalista Vandré Fonseca no debate da Amazônia Real em 2017 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Altamira, 27/11/2018 Vandré Fonseca na comunidade Vila da Ressaca (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real)

Um jornalista dedicado à floresta

Na Amazônia Real, o jornalista junto com o fotógrafo Bruno Kelly, produziu e dirigiu ocurta-metragem “Mata Cavalo”, sobre uma população quilombola de Mato Grosso. Também estava finalizando duas reportagens especiais. Uma delas sobre os impactos socioambientais da hidrelétrica de Belo Monte, para onde ele viajou à Altamira, no Pará, no final de 2018. Na ocasião, ele foi acompanhado do fotógrafo Lilo Clareto.

“Minha primeira colaboração para a Amazônia Real foi em uma parceria com o Vandré. Fomos ouvir os quilombolas do Mata Cavalo, no Mato Grosso. Vandré, sempre brincalhão, fez da pauta um momento de descontração, sem perder o respeito e a dedicação ao trabalho. Sempre me incentivou e tenho certeza que seu legado será lembrado para sempre. Um paulista como eu, que se apaixonou pela Amazônia e lutou por seus povos, florestas, animais e pelo mundo científico tão importante também para a evolução do país”, declarou Bruno Kelly.

O fotógrafo César Nogueira trabalhou em dois momentos com Vandré Fonseca na Amazônia Real: para uma reportagem na comunidade Jatuarana, em Manaus, e na montagem do vídeo-documentário sobre Mata Cavalo. César disse que em cinco minutos de conversa era perceptível que Vandré tinha domínio do que falava e possuía um ótimo senso de humor.

“Tive poucas vivências com ele. Mas a saída para o Jatuarana e a edição do Mata Cavalo me mostraram que ele era um homem aberto ao diálogo e paciente para explicar contextos e situações. Uma tristeza muito grande para os que o conheciam e para o jornalismo local. Minhas condolências à família dele”, diz.

O editor da Amazônia Real, Alberto César Araújo, esteve com Vandré Fonseca no seu último trabalho de reportagem, sobre a falta de saneamento e falta de moradia na periferia de Manaus, em parceria com o site Colabora. Alberto César Araújo lembra como foi a ida com Vandré até os bairros de Manaus.

“O Vandré foi um companheiro muito especial, de uma grande sensibilidade. Foi uma tarde incrível. Fomos em lugares que hoje não entraria sozinho pela falta de segurança e pelo tráfico de drogas. E no meio da área do tráfico, na zona leste, as pessoas o reconheciam da TV e conseguimos ser aceitos e pudemos fazer o trabalho sem nenhum problema. Até ajudaram a gente, levando na casa das pessoas que pudessem falar com a gente”, lembra Alberto César.

Alberto conta que era um dia chuvoso e Vandré estava preocupado em não encontrar as pessoas na rua para falar. Instantes depois, eles se depararam com uma mãe com um filho no colo, desesperada.

“O menino tinha fortes dores, eles aguardavam um Uber para levá-los ao pronto socorro. O Vandré, já preocupado, queria colocá-los no nosso táxi para leva-los. Só não chegou a fazer isso porque o Uber finalmente chegou. Todas as entrevistas naquele dia foram boas. As pessoas indignadas falaram muito de seus problemas e ele, pacientemente e com a inteligência peculiar, conduzia tudo de forma que as pessoas sentiam confiança em falar. Rimos muito das minhas atrapalhadas de medo de altura. Ele foi me ajudar a eu descer de uma laje e jamais imaginaria que esta seria sua última matéria. O jornalismo da Amazônia perde uma referência de ética e profissionalismo. Coisa rara hoje em dia”.

Amigo há 20 anos de Vandré Fonseca, o também jornalista Yano Sérgio fez um post emocionado em sua página no Facebook, lembrando como eles se conheceram, fizeram amizade e estreitaram os laços ao longo dos anos. À Amazônia Real, Yano declarou: “O Vandré Fonseca era um jornalista perseverante, ágil na apuração, perspicaz no direcionamento da reportagem. Ele tinha a visão ambientalista equilibrada, mas não se curvava a teses de desenvolvimento regional oportunistas. O jornalismo amazonense perde uma referência. A Amazônia, um guardião como poucos. Já o Vandré amigo era de uma fidelidade irreparável, conselheiro, confidente, de humor fácil, com pitadas de sarcasmo e ironia próprios dele, uma forma de ‘destilar’ sua inteligência apurada e percepção aguçada de contextos sociais e relacionamentos humanos. Ele era irreverente, simples e soberbo quando mostrava a bagagem de conhecimento acumulado”.

Augusto Kluczkovski , médico veterinário e doutor em Ciências de Alimentos, foi várias vezes entrevistado por Vandré Fonseca para as reportagens ambientais e sobre saúde. À Amazônia Real, Augusto disse que Vandré era “um repórter dos bons, daqueles que gostava de dar entrevista”.

“Diferente da grande massa que já começa ‘quero um título que impacte, que venda muito’, Vandré sentava e começava uma conversa. Ele se esmerava em aprender sobre o tema que estava trabalhando, era meticuloso e te deixava falar. E quando lia sua matéria pronta, ele não te decepcionava. A sua ideia estava lá como você disse, não era desvirtuada. Para quem trabalha com ciência e informações relevantes que impactam na vida das pessoas Vandré era o tipo de repórter necessário. Foi uma grande perda. Siga em paz e inspire novos profissionais. Fui entrevistado por ele tanto na área de fauna e meio ambiente quanto na área de saúde pública e ciência de alimentos. Nunca tive nenhum desprazer.”

Repercussão

“Vandré era um excelente jornalista. Era gentil até quando se zangava. Até quando o Corinthians perdia, seu time de coração. Vandré é insubstituível. O jornalismo ambiental perde um repórter com faro, bom texto e olhar crítico. Nós perdemos um colega de profissão e um amigo querido”. Daniele Bragança, editora do site ((o) Eco.

“Muito triste e inesperada a passagem prematura do Vandré. Uma pessoa ética e do bem, engajado nas questões socioambientais da Amazônia que amava tanto. Sentiremos muito a sua falta”. Carlos Durigan, diretor da WCS-Brasil (Associação para Conservação da Vida Silvestre)

“Vandré era um ser humano espirituoso, de sorriso fácil. Sempre querendo saber os detalhes dos projetos, das pesquisas, das ideias. E conseguia comunicar esses detalhes de uma forma muito sensível e prática. Amava a natureza, amava a Amazônia. Um ser humano preocupado com as pessoas e com o planeta, que transmitia muito amor e dedicação no que fazia. Vai deixar muita saudade”. Diogo Lagroteria, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)

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