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DRACHTEN: UMA CIDADE SEM SINAIS E COM RAROS ACIDENTES

DRACHTEN: UMA CIDADE SEM SINAIS E COM RAROS ACIDENTES

Drachten: uma cidade sem sinais e com raros acidentes

Cidade holandesa de Drachten dispensou os sinais de trânsito tradicionais e ganhou a paz

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Pense uma cidade com as dimensões, população e frota de veículos semelhantes a Caldas Novas (GO), Mirassol (SP) ou Canela (RS), cujas ruas não possuíssem semáforos, placas de sinalização, meios-fios, radares e, no lugar do asfalto, peças pré-moldadas permeáveis proporcionando melhor conforto térmico e recarga do solo.

Uma cidade onde as calçadas e ruas fossem niveladas e compartilhadas no seu uso. Somente a direção das ruas aparecesse em discretos sinais, e por incrível que pareça, onde os veículos se deslocassem em simétrico entendimento, circulando com invejável sintonia e baixa velocidade. Pense uma cidade de proporções médias que ao adotar tal conceito de urbanismo não tivesse mais acidentes de trânsito com desde 2003.

Pois bem, essa cidade existe, chama-se Drachten, fica no norte da Holanda, a 140 quilômetros de Amsterdam. Foi a primeira cidade a adotar o conceito batizado de “Shared Space” ou “espaço compartilhado”, mas hoje há exemplos em todo o mundo, em maior ou menor escala.

Num primeiro momento, qualquer visitante brasileiro que chegue em Drachten se sente confuso diante de sistema viário tão incomum e aparentemente despropositado. Porém, com o passar das horas, a sensação é a de vivenciar espaços em que os diversos modais de transportes coexistem sem , em absoluta harmonia com o ambiente construído e a .

O “SHARED SPACE”

O idealizador do sistema “revolucionário” de Drachten foi o engenheiro holandês Hans Monderman, falecido em 2008. Sua fama consolidou-se mundialmente por achar que sinais de trânsito colaboram para promover acidentes. Baseado nessa premissa, concluiu que a harmonia do trânsito está localizada mais na percepção do em sua dinâmica que nas regras oficiais de circulação e conduta.

Para Monderman havia dois mundos: o mundo do sistema viário, todo padronizado e cheio de regras, e o mundo social, onde as pessoas convivem. “As não devem ser rodovias, devem ser um mundo social”. Não queria dos motoristas um comportamento de trânsito, mas um comportamento social, conforme anota o engenheiro Pieter de Hann, seu sucessor no “Laboratório (Kenniscentrum) Shared Space” de Leeuwarden, cidade vizinha de Drachten.

É fácil perceber isso nas ruas de Drachten. O inusitado do novo sistema está na visual recíproca entre as pessoas que interagem no viário e nas atitudes de cautela tomadas constantemente. “Quando você trata as pessoas como idiotas, elas agem como idiotas, ou seja, quando o governo decide tutelar a responsabilidade dos cidadãos, eles não conseguem mais elaborar um juízo de valor sozinhos.

Então, quando você quer que as pessoas desenvolvam valores próprios sobre como lidar com as interações sociais, você precisa libertá-las, dar-lhes mais liberdade”, afirmou Monderman em entrevista ao escritor e jornalista americano Tom Vanderbilt (“Tráfego: Por que Dirigimos Assim? ”).

 

IMPLANTAÇÃO

O conceito de “espaço compartilhado”, contudo, não foi absorvido facilmente pela comunidade de Drachten. Em entrevista concedida na Câmara Municipal da cidade a secretária de Assuntos de Tráfego, vereadora Marjan van der Aart, lembra que foram três anos de debates comunitários e uma forte gestão de comunicação social, o suficiente para que a ideia saísse do papel e se transformasse em “ que hoje atrai permanente atenção internacional”.

É verdade! Nos moldes adotados em Drachten, hoje o “shared space” está acolhido pela União Europeia e repercute em mais de 150 cidades, inclusive nas grandes metrópoles. Londres por exemplo experimenta o conceito na região de Kensington/Hyde Park. Também está presente em Nova Iorque, Amsterdam, Seul, Copenhague e outras – o que significa que pode ser implantado em contínua expansão por regiões, bairros e ruas.

Por aqui na é possível ver o conceito em Santiago (Paseo Bulnes) e Bogotá (“Eixo Ambiental” / “Espaço San Victorino”). Ou seja, é possível adotar o “shared space” nas metrópoles também do Brasil.

ACIDENTES COM MORTES ACABARAM

Desde que o foi implantado entre 2001 e 2003, Drachten não contabiliza acidentes de trânsito com óbitos. No mais famoso cruzamento da cidade, Laweiplein, o semáforo foi substituído por uma rotatória soerguida e florida; as calçadas e ruas viraram espaço comum; as placas de sinalização removidas; o pavimento repaginado; e fortes jatos verticais de água que chegam a seis metros de altura são acionados quando os veículos que dele se aproximam excedem os 30 km/h.

No lugar de um processo binário e mecânico (pare, ande) o movimento dos veículos tornou-se mais organizado por meio das próprias atitudes dos motoristas. Pronto! Foi o suficiente para zerar a acidentalidade.

Para uma frota semelhante a cidades médias brasileiras (22 mil veículos), Drachten, que tem 50 mil habitantes, vive a grande diferença: sua mortalidade no trânsito é traço nas estatísticas, enquanto as nossas colecionam índices epidêmicos de 27 mortes por 100 mil habitantes/ano.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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