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Duvivier: “Mesmo que você não queira se informar sobre queimadas, elas batem à sua porta”

Duvivier: “Mesmo que você não queira se informar sobre queimadas, elas batem à sua porta”

Por Gregório Duvivier 

Mas não é hora de lamentar. É hora de se perguntar. Hoje: Quanto da sua tristeza você conseguiu converter em ódio? Quanto do seu ódio você conseguiu converter em ação? O que você fez pra atrasar, nem que seja um pouquinho, o apocalipse?”

Peço licença pra cometer um pouco de autoajuda. Tenho conhecido muita gente desolada. Esse governo é um gatilho poderoso pra depressão. As queimadas, o apocalipse iminente, a recessão inevitável, o desemprego crescente, a vergonha mundial. O presidente parece eleito pela indústria farmacêutica pra vender antidepressivo.

Se eu estivesse estudando que nem um louco pra passar no concurso do Itamaraty e visse o presidente nomeando o próprio filho embaixador, talvez eu desse um tiro no coco. Se eu fosse indígena, quilombola, sem-terra ou sem-teto, talvez abreviasse a minha vida antes que o governo fizesse isso por mim. Se eu tivesse votado nesse governo contra a corrupção estaria comprando um chicotinho da Opus Dei e passaria os dias me mutilando em praça pública: “Mea culpa, mea máxima culpa”.

Tem quem prefira não ficar sabendo. Ou fingir que não tá sabendo. “Basta não ler as notícias.” Não basta. Você não precisa saber que a sua comida tem agrotóxicos pra morrer de câncer. Ao contrário do que dizem os coaches quânticos, não pensar no desemprego não vai te arrumar um emprego.

Mesmo que você não queira se informar sobre queimadas, elas batem à sua porta —até fumaça faz delivery em SP. A cidade da noite clara conheceu a tarde escura, numa metáfora óbvia demais do que virou o país. O meio ambiente podia trabalhar com uma imagem mais sutil —mas talvez adivinhe que esse governo não entende sutileza.

Só conheço uma maneira de não ficar triste: é ficar puto. O único momento em que eu não tô deprimido com esse governo é quando eu to com ódio desse governo. Não existe saída, infelizmente, pela alegria nem pelo afeto: ninguém nunca tirou um presidente com ciranda.

Gregório Duvivier páginaA ditadura no Brasil terminou com aquela impressão de “todo o mundo errou, bola pra frente”. Bola pra frente é o caralho. Figueiredo tinha que ter sido largado no mato pelado em seu cavalo —como o prefeito de “Bacurau”. Preferimos a conciliação. Os torturadores gozaram de liberdade e aposentadoria farta, e suas filhas solteiras também. “Todo o mundo errou.” Quem nunca torturou uma mulher grávida? Quem nunca torturou uma mãe na frente dos filhos? Bola pra frente.

Mas não é hora de lamentar. É hora de se perguntar. Hoje: Quanto da sua tristeza você conseguiu converter em ódio? Quanto do seu ódio você conseguiu converter em ação? O que você fez pra atrasar, nem que seja um pouquinho, o apocalipse?

Gregorio Duvivier – É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. Este texto foi distribuído em grupos de Whatsapp e no Facebook, como sendo de autoria do Duvivier.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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