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Edel Moraes: Uma mulher com marca de água, de mato, de terra, de flor, e de luta

Edel Moraes: Uma mulher com marca de água, de mato, de terra, de flor, e de luta

Edel Moraes: Uma mulher com marca de água, de mato, de terra, de flor, e de luta

“Não é só brigar pela terra, mas também para obter o reconhecimento de que nós estamos lá.”

A luta de Edel, essa jovem liderança guerreira das populações tradicionais, vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), está centrada em manter os direitos preservados e em fazer com que governo e comunidade respeitem a tradicionalidade e a identidade dos povos que representa.

Nascida em um açaizal da ilha do Marajó, Edel não quer ser conhecida somente como ribeirinha e assim se explica: “Chamam-nos ribeirinhos, mas sem perguntar-nos se queremos ser chamados assim”. Para ela, não se pode dividir o Brasil somente em campo e cidade, há que se levar em conta que existem muitas peculiaridades entre as distintas regiões e partes do país.

Mas afinal, quem é essa mulher? Edel Moraes é professora, negra, marajoara, combativa, lutadora, amorosa, amável, dedicada. Competente, reflexiva, solidária, comprometida com suas causas, uma ativista social extremamente sensível aos problemas do próximo.Edel Moraes: Uma mulher com marca de água, de mato, de terra, de flor, e de luta

No sobrenome dessa cabocla guerreira deveria figurar a palavra LUTA, pois ela própria representa muitas lutas: pelos direitos e reconhecimento da mulher, pelos seus muitos companheiros e companheiras extrativistas, pela sustentabilidade do planeta, pela diminuição e aceitação das diferenças entre homens e mulheres, negros e brancos, rurais e urbanos e ainda muitas outras mais.

Nasceu em 1978, no Município de Curralinho, localizado no arquipélago do Marajó-PA, filha do Sr. Dudu e da dona Celia, trabalhadores rurais de extrativismo sustentável sempre envolvidos em Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).  Ainda menina, para poder aprender e estudar cuidava de outra criança. Muita responsabilidade para a pequena Edel, que viveu na pele a dura realidade do trabalho infantil, fruto perverso do sistema capitalista.

Entretanto, a menina dominou o medo, a saudade da família, a ausência materna, os conselhos paternos, enfrentou os inúmeros desafios e, como forma de se fortalecer, passou a atuar ativamente em movimentos da igreja, como a catequese e a pastoral da criança e juventude. Como consolo – o estudo.

Edel sabia intuitivamente que somente através da escola é que teria acesso a outros espaços para fortalecer seus sonhos e fazer deles objetivos de vida. Conseguiu e hoje o seu sonho transformou-se em sonho coletivo. Seu sonho estende-se à sua comunidade e às suas batalhas.

Na capital Paraense foi de babá a empregada doméstica. E através do suor de seu esforço em trabalhos gerais, muitas vezes explorados, concluiu o Ensino Médio em Escola Pública Estadual. A vida deu voltas e trouxe Edel, em 2000, novamente para o Município de Curralinho/PA.

Começou aí seu envolvimento com o movimento social de forma mais efetiva. Em 2001 concorreu e obteve êxito na primeira eleição do Conselho Tutelar do Município de Curralinho, representando o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR, e ali se manteve por dois mandatos, num total de oito anos.

Daí para a frente a luta não se interrompeu. Foi relatora da audiência pública para criação da Reserva Extrativista Terra Grande-Pracuúba, localizada no Município de Curralinho, no arquipélago do Marajó, no estado do Pará.

Em 2005 entrou para a Universidade Estadual Vale do Acaraú e, enfrentando muita dificuldade financeira, concluiu, em 2008, o curso de Pedagogia, recebendo na ocasião o título de Honra ao Mérito de melhor aluna da turma. Mais um patamar subido e com muita honra, pois foi a primeira de sua família com formação em nível superior.

Depois veio, em 2009, o curso de Especialização em Educação do Campo, Desenvolvimento e Sustentabilidade, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará. Edel também passou a integrar o Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo na Amazônia (Geperuaz) – UFPA, de onde vem fazendo pesquisas relacionadas à educação do campo e da Floresta.

Esse trabalho resultou na publicação de dois capítulos no livro “Educação de direitos” – Editora Ática (2010) e na colaboração da produção de um documentário sobre a Educação do Campo, denominado “Rios de Saberes (2012)”. Ainda em 2009 foi assessora especial no Governo do Estado do Pará, na diretoria do Planejamento Territorial Participativo.

A vida profissional e a vida pessoal de Edel encontram-se totalmente imbricadas por temáticas tais como a educação não formal, multiplicação de conhecimentos sobre as lutas sociais e políticas, atuação no movimento social (catequese, pastoral da criança, associação de mulheres, STTR), participação no projeto social “Mova Ajuri”, como assessora pedagógica, e no “Mova Pará Alfabetizado”, como Técnica Pedagógica, dois projetos de alfabetização desenvolvidos com alunos da EJA – Educação de Jovens e Adultos.

Em 2010 coordenou o Território da Cidadania do Arquipélago do Marajó; de 2011 até início de 2013, atuou como assessora local no “Projeto Medida de Desenvolvimento do Marajó”, trabalho realizado pela Agência de Cooperação Alemã GIZ, em parceria com o CNS, Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará (Ideflor) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), juntamente com a RESEX Terra Grande-Pracuúba e comunidades marajoaras da RESEX Mapuá, situada no município de Breves, Arquipélago do Marajó.

Em 2012 foi eleita no congresso do CNS, para a função de Diretora Nacional, e em 2015 foi reconduzida para mais um mandato. Em 2013 e 2014, Edel foi esparramar suas ideias na Alemanha e na Austrália. Em 2015, foi parceira na realização das Marcha das Margaridas coordenando a temática: Sociobiodiversidade e acesso a bens comuns.

Em 2016, sua caminhada continuou intensa e, em 2017, vai-se equilibrando entre a produção caseira de artesanato para pagar estada em Brasília, onde, neste próximo mês de junto, termina o mestrado em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB), e suas inúmeras atividades de representação do CNS e dos povos da floresta.

A guerreira Edel não para em sua missão de ativista social. Segue em frente com a doçura das mulheres fortes, pelejando contra as agruras da vida, sem – jamais – se esquecer de suas raízes. Sempre que deixa sua floresta sabe que vai regressar ainda mais forte, pois seu espírito vive amarrado ao seu povo e ao seu lugar!


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

 

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