Estado pede perdão coletivo a povos indígenas por crimes da ditadura
Em 02/04/2024, um dia depois de o Brasil completar 60 anos do golpe de 1964, pela primeira vez na história do Brasil, os povos indígenas Guarani-Kaiowá, da região de Dourados, no Mato Grosso do Sul, e Krenak, de Minas Gerais, receberam do Estado brasileiro um pedido de perdão coletivo por crimes cometidos contra eles desde a década de 1940, na era Vargas, aos anos de chumbo da ditadura militar (1964-1985).
A reparação coletiva não é financeira, mas concede a cada povo indígena a condição de “Anistiado Político”, o que, além de representar um reconhecimento inédito da violência a que os indígenas foram submetidos na ditadura, as pessoas de suas comunidades poderão, agora, solicitar a revisão de seus documentos de identificação, a inclusão nas políticas públicas do Estado e o direito de lutar pela demarcação de suas terras.
A violência do Estado brasileiro contra os Guarani-Kaiowá começou na década de 1940, na Era Vargas, quando os indígenas foram expulsos do território Guyraroká, em Mato Grosso do Sul, para ceder suas terras ancestrais aos fazendeiros que vinham do Sul do país para se instalar na região.
Segundo relatos históricos, esse movimento do governo federal de confinar os Guarani-Kaiowá em outras áreas ou em beiras de estrada, para que suas terras pudessem ser usurpadas pelo agronegócio, persistiu durante todo o regime militar.
Reformatório Agrícola Indígena Krenak
Em 1969, o governo militar criou o Reformatório Agrícola Indígena Krenak – um presídio que chegou a abrigar 94 pessoas de 15 etnias, vindas de 11 estados brasileiros – na Terra Indígena Krenak, localizada no município de Resplendor, no Leste de Minas Gerais. Os militares também criaram a Guarda Rural Indígena (GRIN), para obrigar indígenas a perseguir seu próprio povo durante a ditadura.
Em 1972, o povo Krenak foi expulso de suas terras ancestrais em Resplendor e obrigado pela ditadura a viver na Fazenda Guarani, pertencente à Polícia Militar (PM), em Carmésia, mais de 300 quilômetros distante de suas terras. A medida foi tomada para facilitar a ação de posseiros vizinhos que tomaram os mais de 4 mil hectares da comunidade indígena.
Em Brasília, agora, o povo Krenak recebeu um pedido de desculpas formal da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos, pelas perseguições, torturas e mortes sofridas pelo aparato de repressão do regime militar. Com a reparação, os Krenak terão agora direito à retificação de documentos e inclusão no Sistema Único de Saúde, além do direito de avançar no processo de demarcação de suas terras.
Os mesmos pedidos foram rejeitados pela Comissão da Anistia em 2022, no governo do inominável, tomada por integrantes nomeados pelo Palácio do Planalto. Em 2023, no primeiro ano do terceiro governo Lula, a Comissão da Anistia voltou a analisar as petições, incluindo as dos povos Guarani-Kaiowá e Krenak, que são também defendidas pelo Ministério Público Federal (MPF) desde 2015.
Ação Civil Pública
O MPF move uma Ação Civil Pública contra a União, o estado de Minas Gerais e contra o major reformado da Polícia Militar de Minas Gerais, Manoel dos Santos Pinheiro, que, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV), foi o responsável direto pelos crimes e violações de direitos cometidos no Reformatório Krenak e na Guarda Rural Indígena. Manoel morreu em 2023, sem ser condenado por nenhum dos crimes cometidos contra o povo Krenak.
Documentos oficiais registram que, além da expulsão de suas terras e dos deslocamentos forçados, cerca de 8 mil indígenas foram presos, “desaparecidos” ou mortos durante o regime militar da ditadura brasileira.
Fonte: Revista Extratos – Edição Especial – Golpe de 1964. Sindicato dos Bancários de Brasília – Abril/2024. Capa: Ligia-Simonian/Cimi. Produzida pela Revista Xapuri.