Ferrogrão: Projeto pensado para o agro ameaça indígenas, UCs e cidades vizinhas, aponta levantamento
Um levantamento exclusivo feito pelo Joio e o Trigo, em parceria com a InfoAmazonia, mostra os impactos do projeto da Ferrogrão (EF-170), que atravessará o centro do país em meio a áreas de proteção e territórios indígenas onde vivem, inclusive, povos isolados. Com traçado paralelo à rodovia BR 163, a Ferrogrão tem como promessa reduzir os custos de transporte do agro, mas a um preço alto para os povos tradicionais e para a agenda brasileira de mudanças climáticas.
Ao todo, ao menos seis terras indígenas, onde vivem aproximadamente 2,6 mil pessoas, e mais 17 unidades de conservação estão na área delimitada, que abrange 25 municípios do Mato Grosso e do Pará, com população estimada em quase 800 mil pessoas.
Considerando uma zona de amortecimento de 10km no entorno dos territórios, a ferrovia incide sobre mais de 7,3 mil km² de terras indígenas e ultrapassa 48 mil km² sobrepostos às unidades de conservação.
A partir de uma ação do PSOL no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes paralisou todos os processos da Ferrogrão para analisar a eficácia da Lei 13.452/2017, originada de uma Medida Provisória proposta por Michel Temer (MDB), que reduz a área do Parque Nacional do Jamanxim para acomodar a ferrovia.

Ainda de acordo com a matéria, o projeto voltou à discussão pública com a decisão do ministro, em maio deste ano, que determina a retomada dos estudos e processos administrativos e pede que o governo federal faça a conciliação em torno das questões ambientais que envolvem o projeto, mas não se posiciona sobre a redução da unidade de conservação.
“É uma decisão bem particular, porque pede uma conciliação, mas não deixa muito claro qual é o objeto de conciliação”, alerta Biviany Garzon, coordenadora do Programa Xingu, do Instituto Socioambiental (ISA). Ela aponta para o risco de a discussão sobre a desafetação de áreas de proteção voltar para o Congresso Nacional.
Como principais ameaças às populações no entorno do traçado, a Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas aponta o aumento da incidência do assédio do agronegócio às aldeias, o aumento da extração de madeira e pesca ilegais dentro dos territórios indígenas e de áreas protegidas, assim como o aumento da dificuldade para que grupos indígenas tenham seus territórios reconhecidos.
“Essa é uma região conflituosa, com altos índices de desmatamento, desordem territorial e conflito fundiário em decorrência da pavimentação da BR-163″, avalia a economista Mariel Nakane, assessora técnica do Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), que acompanha o projeto da Ferrogrão desde 2018. E completa:
“O que mais afeta as terras indígenas são os impactos gerados pela interação dos empreendimentos no território.”
Resistência Indígena
“A gente vem enfrentando o problema do garimpo e chega uma ferrovia trazendo o desmatamento”, afirma Alessandra Munduruku, coordenadora da Associação Indígena Pariri, que representa os Munduruku do Médio Tapajós.
Alessandra é uma liderança indígena conhecida internacionalmente, originária do povo Munduruku, que vive na Terra Indígena Sawré Muybu, dividida entre os municípios paraenses de Trairão e Itaituba, duas cidades afetadas pelo projeto.

No final de maio, representantes de 10 povos indígenas e 18 organizações da sociedade civil articuladas no Fórum Teles Pires se reuniram em Sinop, cidade onde está prevista a estação inicial da Ferrogrão.
Na Carta de Sinop, lideranças dos povos indígenas Boe-Bororo, Enawenê-Nawê, Xavante, Nambikwara, Munduruku, Kawaiwete, Kayapó, Ikpeng, Terena e Guajajara reivindicam o processo de consulta livre, prévia e informada junto aos povos indígenas e outras populações tradicionais.
Desde 2016 a Rede Xingu+ reivindica o respeito ao Artigo 6º da Convenção 169 da OIT, que estabelece o direito de consulta aos povos tradicionais.
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas ressalta a necessidade de revisar o limite de dez quilômetros e aponta que há “muita incerteza” quanto às dimensões dos impactos ambientais e sociais que podem afetar os territórios indígenas.
“Para ser dimensionado de forma exata, é necessário a realização de estudo técnico do local, considerando que os impactos causados pelo empreendimento podem causar danos irreversíveis e irreparáveis ao meio ambiente, bem como ao modo de vida dos povos indígenas ao redor, diante das mudanças drásticas no ambiente social destes”, diz a nota.
Fonte: Mídia Ninja. Foto: Goldman Environmental Prize/Divulgação. Este artigo não representa a opinião da Revista e é de responsabilidade do autor.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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