A deusa está em festa
Por Eduardo Galeano
Hoje [2 de fevereiro], o litoral das Américas rende homenagem a Iemanjá.
Esta noite, a deusa mãe dos peixes, que há séculos veio da África nos barcos dos escravos, se ergue na espuma e abre os braços. O mar leva para ela pentes, escovas de cabelo, perfumes, doces, boa comida e outras oferendas dos marinheiros que por ela morrem de amor e de medo.
Parentes e amigos de Iemanjá costumam aparecer na festa, vindos do Olimpo africano:
Xangô, seu filho querido, que desata as chuvas do ceú,
Oxumaré, o arco-íris, guardião do fogo,
Ogum, ferreiro e guerreiro, valentão e mulherengo,
Oxum, a amante que dorme nos rios e jamais apaga o que escreve, e Exu, que é Satanás dos infernos e também é Jesus de Nazaré.
Eduardo Galeano em “Os Filhos dos Dias”, Editora L&PM, 2011.
Eduardo Galeano
Eduardo Hughes Galeano nasceu em Montevidéu, Uruguai, no dia 3 de setembro de 1940. Descendente de uma família de classe média, de formação católica, pensava em se tornar jogador de futebol, mas percebeu que não tinha habilidade necessária para isso, porém, escreveu muito sobre o esporte. Acabou exercendo trabalhos diferenciados, como caixa de banco e datilógrafo.
Carreira literária
Embora aos 14 anos ele já houvesse enviado uma charge para o jornal El Sol, do Partido Socialista, sua carreira na imprensa só se firmaria na década de 60, quando se tornou editor do jornal “Marcha”, ao lado de colaboradores como Mario Vargas Llosa (futuro Prêmio Nobel) e Mario Benedetti.
Nos anos 70, com o regime militar no Uruguai, Galeano foi perseguido pela publicação de seu livro “As Veias Abertas da América Latina” (1971), obra de referência de esquerda, na qual o autor analisa a história da América Latina do colonialismo ao século 20.
Em 1973, foi preso em decorrência do golpe militar em seu país, e posteriormente exilou-se na Argentina, onde lançou a revista cultural “Crisis”.
Em 1976, Eduardo Galeano mudou-se para a Espanha, por causa da crescente violência da ditadura argentina. Em 1985, lançou na Espanha o livro “Memória do Fogo”. Nesse mesmo ano, com a redemocratização de seu país, retornou a Montevidéu.
Autor de mais de trinta livros, traduzidos para cerca de vinte idiomas, Galeano declarou, em 2014, que não se identificava mais com sua anticapitalista obra “As Veias Abertas da América Latina”. Sobre ela, disse o autor: “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera”.
Em 2006, Eduardo Galeano ganhou o Prêmio Internacional de Direitos Humanos através da Global Exchange, instituição humanitária americana.
Eduardo Galeano faleceu em Montevidéu, no Uruguai, no dia 13 de abril de 2015, em decorrência de um câncer.
Outras obras
- A Pedra Arde (1983)
- O Livro dos Abraços (1989)
- O Futebol ao Sol e à Sombra (1995)
- O Teatro do Bem e do Mal (2002)
- Espelhos – Uma Quase História Universal (2008)
- Os Filhos dos Dias (2012)
Frases de Eduardo Galeano
- “O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa.”
- “Na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre.”
- “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”
- “Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor calar e esperar.”
- “Dos medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão.”