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UM POUCO DA HISTÓRIA DO ABREU E DAS ÁGUAS DE FORMOSA

Um pouco da do Abreu e das águas e

O Abreu era – e ainda é – o nome de um riacho e também o nome de uma rua. Um riacho fundamental para a dos primeiros moradores da suave colina, onde nasceu a parte sudoeste da cidade;  uma rua outrora de grande importância que, com o passar dos anos, praticamente foi esquecida, embora ainda exista…

Por Alfredo A. Saad

Antes, era a rua do Pau d´Óleo, em homenagem a um grande pé de copaíba ali existente, restos da antiga vegetação daquela várzea, onde se iniciava a rua.

Depois, a rua recebeu o nome de um morador em 1894, e tornou-se a rua do Abreu, como tantas outras em Formosa, que foram batizadas com o nome de moradores; rua do Dr. Anthero, rua do Libânio, rua do Felicíssimo, travessa do capitão Ângelo e outras mais.

A rua do Pau d´Óleo nasceu, no em que o riacho já se chamava Abreu, o nome daquele morador que um dia viveu, em uma fazendola, às suas margens. Depois, com a mudança de nomenclatura de ruas, patrocinada pelo Conselho Municipal, em 1894, o evocativo nome que lembrava as origens da cidade foi, por fim, substituído.

Naquele tempo, com a rua do Abreu já delineada, cada morador possuía a sua porção de córrego, nos fundos de sua casa. Era o máximo de status que se poderia conceder a um cidadão; mais tarde, porém, já nos meados do século vinte, a passagem de um córrego, nos fundos de um quintal, passou a ser sinônimo de atraso. Esse fato selou o destino do córrego.

o riacho, hoje córrego do Abreu, nasce ao lado do atual aeroporto, na mas parte mais alta da cidade, na encosta da serrinha da estrada da Rifânia, num terreno brejoso, ainda lá existente – uma lagoa rasa, entre os meses de dezembro e maio.

Tal como ocorreu com os outros córregos existentes nas redondezas, as margens do Abreu foram dos primeiros habitados de Couros. Antes, o riacho descia em direção ao atual cemitério e desviava-se, rumo à calha do córrego sem nome da Rua dos Crioulos, para cair no córrego do Brejo; depois, com mudanças no curso, introduzidas pela Prefeitura, em 1898, da porta do cemitério ele foi desviado para a Lagoa dos Santos, onde deveria desaguar.

Embora perdendo muita água pelo caminho, ele chegava a alcançar a Lagoa Feia, mas somente à época das chuvas. Durante as cheias, a água da Lagoa dos Santos vazava sobre o divisor, no final da rua Visconde e se dirigia rumo ao córrego do Brejo.

O objetivo da Prefeitura, desviando o trajeto do Abreu, era reduzir o lamaçal que suas águas ajudavam a manter na várzea do cemitério. Aliás, aquelas águas eram responsáveis pela manutenção de grande porção do terreno brejoso que, geralmente, impedia o acesso ao cemitério, para quem vinha da rua Visconde. Quando o capitão Ângelo Chaves fez a doação daquela área, tornou-se possível drená-la e, com isso, abrir-se a travessa Tiradentes.

Nos anos cinquenta do século passado, porém, o Abreu já não chegava a extravasar-se para chegar à Lagoa dos Santos, durante todo o ano, mas, alimentada pela eventual fração dele que a alcançava, a Lagoa tornou-se bastante duradoura, a partir dessa época, permanecendo cheia, durante alguns meses.

Como não era usual a perfuração de cisternas para a obtenção de água potável, o abastecimento da vila e, depois, da cidade, oscilava ao sabor do clima: nos anos de , a população sofria com a escassez, pois os córregos não conseguiam servir a todos.

No ano de 1853, atendendo a uma resolução da Câmara de Vereadores, pensou-se em construir chafarizes que utilizassem a água do Abreu – a única fonte disponível para essa modalidade de abastecimento, pois situado na parte mais alta da cidade. Embora aprovado, o não foi executado, talvez por falta de especialistas nesse tipo de construção.

Depois, aprovou-se um projeto que dava poderes à  Prefeitura para aproveitar a água do Bandeirinha para abastecer a cidade, pois o Abreu já não suportava o aumento da demanda. Nunca essas providências passaram de ideias fantasiosas, pois a complexidade da execução da proposta era muito maior do que os meios de que Formosa dispunha, à época.

Lago do Abreu davi calaca
Lago do Abreu – Foto: Daniel Calaça/Reprodução/Internet

Aos poucos, os moradores do Abreu passaram a dedicar-se ao cultivo de hortaliças e à plantação de árvores frutíferas, aproveitando-se da água disponível e da umidade natural das margens do córrego. A primeira família de japoneses que entrou em Formosa, na década de cinquenta, era formada por agricultores que escolheram o Abreu para morar e plantar suas hortas. Nessa época, a quase totalidade dos descendentes dos moradores originais tinha já sido deslocada e não mais lá vivia.

Como o Abreu nasce num local cuja altura sobrepuja o nível de toda a região, ele poderia ser desviado para atender às necessidades de água em qualquer ponto da cidade. Assim, quando, no início do século vinte, vieram para Formosa os padres dominicanos, a primeira das inúmeras petições que fizeram à Intendência Municipal foi para utilizar a água para uso privado, “cedendo as sobras à população.” O córrego foi desviado e parte da água passou a correr, descendo parte da atual rua Auta Vidal, entrando no terreno do convento e esgotando-se na parte norte da atual praça da Matriz.

Mais tarde, em 1912, para atender ao Asilo de São Vicente, a Conferência de São Vicente de Paulo solicitou a doação perpétua da quarta parte da água da nascente do Abreu, tendo sido atendida. De gota em gota, dessa forma, acabaram por drenar o córrego, desviando-o para vários pontos.

Hoje, assoreado, desde a nascente, durante a maior parte do ano, e não passa de um minúsculo e insignificante filete de água que, praticamente, não corre e apenas umedece as margens de seu antigo leito, até pequena distância da origem. À época das chuvas, contudo, o riacho torna-se um rio turbulento que inunda algumas partes da cidade, próximas de suas margens.

No início do século vinte, uma rua de casas marginava o córrego e cada uma delas dispunha de água corrente no quintal – um privilégio que poucos poderiam alcançar.  Com o tempo, porém, a maior parte da água passou a ser consumida nas chácaras situadas às margens próximas da nascente – até cerca de 600 metros – e água, antes abundante, tornou-se cada vez mais escassa.

Mesmo na década iniciada em 1940, a água do Abreu ainda era utilizada para apagar a poeira das ruas, na época da seca. Com o trânsito de carros de bois e de cavalos, Formosa ia, anualmente, de maio em diante, cobrindo-se de uma camada de pó fino, resultado da moagem diária produzida pelos cravos das rodas e pelas patas dos animais sobre o solo. Assim provida, qualquer provocava enorme nuvem de pó que invadia casas e lojas, cobrindo móveis e plantas com a camada cor de ferrugem tão típica dos meses de estio.

A Prefeitura da cidade, a partir daquele mês, providenciava que a água do Abreu corresse pelas ruas, descendo alternadamente a rua Alta Vidal, em direção ao largo da matriz, e dali para as ruas do Meio e a de Baixo, ou a rua Emílio Póvoa e desta, em direção à rua Visconde, pela qual descia até a rua do Norte.

Cada morador cuidava de molhar a frente de sua casa, para isso, construindo pequenas represas de onde, com pratos esmaltados, ou folhas de metal, lançavam a água para consolidar o pó que, logo depois, com o calor do dia, recomeçava sua dança ao sabor do vento.

Com o advento da técnica de perfuração das cisternas domésticas, a demanda por água do Abreu foi-se reduzindo, mas as obras realizadas pela Prefeitura no leito do riacho, aos poucos, alteraram profundamente o curso das poucas águas que restavam dele e, hoje, o córrego do Abreu, praticamente inexiste, a cem ou duzentos metros, além da nascente, segundo seu trajeto original.

Embora agora destituído de importância, a do córrego do Abreu deve ser preservada porque ele está associado às origens de Formosa e porque, durante cerca de cem anos, foi a mais importante fonte de água potável da cidade.

É lamentável que, tal coo seu afluente sem nome, que nascia na várzea do cemitério, e se unia ao Abreu, na passagem pela rua dos Crioulos, esse córrego esteja fadado ao desaparecimento total, em pouco tempo.

NOTA DA REDAÇÃO: Este texto compõe o capítulo “O Abreu” do “Álbum de Formosa – um ensaio de história de mentalidades”, obra póstuma do escritor formosense Alfredo A. Saad (falecido em 2011), publicada pela família em maio de 2013. Mapas: Ensaio da reconstituição da planta de Formosa (Cerca de 1920), conforme Alfredo A. Saad.

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Foto: Panoramio/Wikipedia

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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